O parcelamento de tributos na Lei n.º 10.684/2003 e sua regulamentação: um novo “Refis”?

No último dia 30 de maio foi finalmente sancionada, por conversão da Medida Provisória n.º 107/2003, a Lei n.º 10.684/2003, que dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social. Apelidada de “a Lei do Novo REFIS”, ou “REFIS II”, a Lei n.º 10.684/2003 trouxe novamente uma sistemática especial de parcelamento dos débitos dos contribuintes de tributos federais, inclusive perante o INSS.

Mas a formulação utilizada nesse “Novo REFIS” é diferente daquela antes instituída no Programa REFIS (Lei n.º 9.964/2000)(1). Apesar das semelhanças na concepção de algumas regras, várias disposições do novo programa de parcelamento são mais restritivas do que o REFIS instituído pela Lei n.º 9.964/2000. Podemos citar ao menos seis aspectos menos vantajosos do novo “REFIS” em relação ao primeiro:

A regra geral do novo Programa limita em 180 meses (15 anos) o prazo para pagamento da dívida toda;(2)

Há valor mínimo para cada parcela a ser paga no novo parcelamento (variando de R$ 50,00 a R$ 2.000,00);

Os débitos de contribuições do empregado, retidas pela empresa e não repassadas ao INSS, em regra não podem ser incluídos no “Novo REFIS”;(3)

A eventual exclusão do contribuinte do “Novo REFIS” (por inadimplência, por exemplo) se processará automaticamente, independentemente de notificação;

O contribuinte excluído do “Novo REFIS” não poderá obter qualquer outra forma de parcelamento até 31.12. 2006;

Há expressa previsão de exigência de honorários à Fazenda no caso de desistência das ações ajuizadas pelo contribuinte contra cobranças de tributos incluídos no Programa REFIS.

Apesar de ser um parcelamento menos generoso que o REFIS de 2000, o “REFIS II” trouxe a possibilidade de as pessoas físicas parcelarem seus débitos, condição que não existia no REFIS anterior. O segundo aspecto favorável do “Novo REFIS” foi a dispensa da apresentação de qualquer garantia por parte do contribuinte. Afora tais benefícios, o programa novo se mostra mais restritivo que o anterior.

Para as empresas, é aconselhável estudar cuidadosamente a opção pelo “Novo REFIS”, uma vez que, a depender da situação, pode ser mais vantajoso procurar manter-se no regime do REFIS da Lei n.º 9.964/2000, especialmente em relação aos débitos de contribuições ao INSS. A opção pelo “Novo REFIS” deverá ser formalizada até o dia 31 de julho próximo.

Nesse prazo, a empresa deverá analisar se quer aderir ao programa de parcelamento pela primeira vez, ou rescindir outro parcelamento já realizado (inclusive o REFIS I e o parcelamento a ele alternativo – vide Lei n.º 9.964/2000) e pedir a transferência do saldo desse parcelamento anterior para a consolidação no “REFIS II”. Também é possível à empresa que tenha sido excluída do “REFIS I” refletir quanto ao interesse de ser incluída no “REFIS II”. De qualquer forma, a empresa interessada no “Novo REFIS” observará as seguintes condições no novo programa:

Débitos abrangidos: os débitos abrangidos pelo “Novo REFIS”, e que portanto podem ser objeto do parcelamento instituído pela Lei n.º 10.684/2003, são os débitos em geral existentes junto à Secretaria da Receita Federal ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e, de acordo com o artigo 5.º da mesma lei, apenas os débitos relativos à contribuição previdenciária a cargo da empresa (contribuição patronal) junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Os débitos compreendidos no novo parcelamento devem ter vencimento até 28 de fevereiro de 2003, e podem estar no estado em que estiverem, inclusive já parcelados anteriormente.(4)

Pessoas beneficiadas: podem optar pelo “novo REFIS” tanto as pessoas jurídicas como as pessoas físicas que apresentem os débitos por ele abrangidos.

Condições gerais do parcelamento: os débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão ser parcelados em até 180 meses (artigo 1.º), nas seguintes condições:

Para as pessoas jurídicas, o valor de cada parcela mensal não poderá ser inferior a 1,5% da receita bruta auferida no mês anterior (salvo as optantes pelo SIMPLES) e, cumulativamente, não poderá ser inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme artigo 1º, § 3.º. Isto significa que a parcela mínima mensal do “Novo REFIS” será fixada através da aplicação do índice mais oneroso para a empresa: 1,5% da receita bruta do mês anterior ou R$ 2.000,00 mensais. Além disso, para evitar que o parcelamento dos débitos ficasse por demais oneroso a determinadas empresas, como no caso do débito consolidado no REFIS poder ser rapidamente quitado em decorrência de um razoável volume de receita mensal(5), foi incluída regra que prevê prazo mínimo de 120 meses para o parcelamento, desde que se mantenha o pagamento mínimo mensal de R$ 2.000,00 nesse prazo.

Para as pessoas físicas, o limite mínimo mensal a ser pago no parcelamento em 180 meses é de R$ 50,00.

Para as pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES, assim como para empresas de pequeno porte e microempresas, o valor de cada parcela mensal será apurado pela divisão do débito pelo número máximo de meses do parcelamento (180 meses), ou corresponderá ao pagamento mensal de 0,3% da receita bruta do mês anterior ao pagamento, o que for menor (artigo 1.º, § 4.º). Não poderá, no entanto, ser inferior a R$ 100,00 para as microempresas e R$ 200,00 para as empresas de pequeno porte. De qualquer forma, o parcelamento oferecido para as micro e pequenas empresas optantes pelo SIMPLES permite que o prazo para pagamento ultrapasse 180 meses, caso o valor calculado no percentual de 0,3% da receita bruta da empresa não seja suficiente para quitar o débito nesse prazo.

Atualização das parcelas mensais: em qualquer caso, o valor das parcelas sofre atualização pela TJLP (artigo 1.º, § 6.º).

Condição especial: o percentual de 1,5% antes citado poderá ser reduzido para 0,75% da receita bruta auferida no mês anterior, caso o contribuinte consolide no “Novo REFIS” débitos para com a Receita Federal e também para o INSS. Tal redução deverá ser requerida no mesmo prazo da consolidação, ou seja, 31.07.2003. Esta condição especial será cancelada a partir do momento em que restar no saldo do REFIS apenas débitos de uma das entidades referidas.(6)

Reduções de multa e juros: De acordo com o artigo 1.º, § 7.º da Lei n.º 10.684/2003, na consolidação dos débitos para inclusão no “Novo REFIS”, as multas de mora e de ofício incidentes sobre o débito serão reduzidas em 50%, não podendo haver cumulação com outras reduções legalmente previstas (artigo 1.º, § 8.º). Além disso, há hipótese de redução adicional da multa (artigo 1.º, § 11) posteriormente à redução de 50%, que será feita à razão de 0,25% por cento sobre o valor remanescente para cada ponto percentual (%) do saldo do débito que for liquidado até a data prevista para o requerimento do parcelamento (31/07/2003). Ou seja, quanto maior o pagamento adiantado, maior será a redução adicional da multa.

Prazo para a opção do REFIS II: O prazo para as empresas solicitarem, perante a Secretaria da Receita Federal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ou o INSS, a inclusão dos débitos no REFIS II, é o dia 31 de julho de 2003.

Desistência de processos administrativos e judiciais e honorários: a empresa deverá desistir de forma expressa e irrevogável de impugnação, recurso ou ação judicial proposta, contra cobrança da SRF, PGFN ou INSS, renunciando à discussão; os honorários de sucumbência em favor da Fazenda Pública deverão ser pagos pelo contribuinte, no montante de 1% do valor do débito discutido.

Extinção da punibilidade nos crimes tributários: é suspensa a pretensão punitiva do Estado em relação aos crimes tributários e previdenciários, desde que, e durante o período em que a pessoa jurídica relacionada ao agente dos crimes estiver incluída no “Novo REFIS”. Extingue-se a punibilidade de tais crimes, diante do pagamento integral dos débitos referidos pelo REFIS.

Oferecimento de garantias e ônus impostos ao contribuinte: o parcelamento no “Novo REFIS” independe da apresentação de garantia de qualquer natureza, mas deverão ser mantidos os ônus (penhoras, arrolamentos, etc.) constantes de parcelamento ou execução fiscal anteriormente em curso contra o contribuinte.

Peculiaridades do parcelamento dos débitos com o INSS: o parcelamento dos débitos para com o INSS segue as regras gerais antes expostas, mas deve-se tomar o cuidado de observar algumas regras peculiares da Lei n.º 10.684/2003, restritivas ao parcelamento, a seguir expostas:

Caso o contribuinte transfira os débitos do “REFIS I” para o “Novo REFIS”, as contribuições ao INSS que ainda restarem em saldo na conta REFIS deverão ficar fora do novo parcelamento, voltando à administração do INSS;

Caso o contribuinte tenha sido excluído do “REFIS I”, ao requerer sua inclusão no “Novo REFIS”, não há impedimento para que consolidem os débitos para o INSS no novo programa, mas desde que sejam apenas de contribuições patronais. A parcela retida do empregado e não paga pela empresa não pode ser parcelada;(7)

Exclusão do contribuinte: a exclusão se dá de forma automática, e independentemente de notificação ao contribuinte, fazendo exigíveis todos os tributos parcelados, de uma vez só e somados dos acréscimos e penalidades normais. Uma vez excluído do “REFIS II”, o contribuinte não poderá obter novo parcelamento, até 31/12/2006. Ocorre a exclusão diante:

Da constatação de inadimplência (seja das parcelas de tributos correntes, seja das parcelas do REFIS II) por 3 meses seguidos ou 6 alternados;

Da não informação, por parte do contribuinte, acerca da perda da condição privilegiada de recolhimento à alíquota de 0,75% sobre a receita bruta (§ 4.o do art. 8.º).

Após a edição da Lei n.º 10.684/2003, demorou-se a regulamentá-la. Finalmente, no dia 24 e 25 de junho, foram editadas, respectivamente, a Resolução n.º 29, do Conselho Gestor do REFIS, e a Portaria Conjunta da PGFN e SRF n.º 1, tratando de diversos aspectos relativos à formalização do novo parcelamento “REFIS II”. E ainda mais recentemente, foi publicada em 01 de julho a regulamentação do “REFIS II” perante o INSS, através da Instrução Normativa da Diretoria Colegiada do INSS de n.º 91/2003.

O detalhamento das regulamentações agora editadas deve solucionar diversas dúvidas que assaltavam os contribuintes interessados no novo Programa REFIS, e deve ser analisado com cuidado. Em breve análise, pode-se resumir alguns pontos fundamentais das normas regulamentares no seguinte:

Condições do parcelamento: esclareceu-se quanto à possibilidade das multas em lançamento de ofício (aplicadas em autuações da fiscalização) serem consolidadas no parcelamento, independentemente da data prevista para sua efetiva cobrança;

A formalização do pedido na SRF e/ou PGFN: será realizado pelo contribuinte exclusivamente através de programa a ser disponibilizado no site da Receita Federal ou da PGFN na Internet (www.receita.fazenda.gov.br ou www.pgfn.fazenda.gov.br); devendo ser providenciado o primeiro pagamento desde logo, no mês de julho de 2003;

Parcelamento de débitos do ITR: os débitos do Imposto Territorial Rural (ITR), vencidos até 28 de fevereiro de 2003 podem ser parcelados em 180 parcelas mensais, em condições semelhantes à do “Novo REFIS”, ou seja, com juros calculados pela TJLP e com redução da multa (de mora ou de ofício) em 50%. O pedido também deverá ser efetuado até 31 de julho;

Desistência das ações judiciais que contestam tributos: a desistência das ações judiciais movidas pelo contribuinte contra cobranças relativas à débitos abrangidos pelo “Novo REFIS” deverá ser comprovada através do protocolo de “Declaração de Desistência” junto à SRF ou PGFN conforme o caso, até o dia 29 de agosto de 2003.(8) Tal declaração deverá estar acompanhada de cópia da petição de desistência da ação respectiva, e a decisão homologatória pelo Juízo da causa deverá ser entregue à SRF ou à PGFN no prazo de 30 dias da publicação dessa decisão. Caso haja depósito realizado pelo contribuinte na respectiva ação judicial, deverá seu valor ser convertido em favor da Fazenda;

Em relação aos débitos de contribuições do empregado ao INSS: a regulamentação deixou clara a permissão para que também sejam incluídos no parcelamento os débitos de contribuições dos empregados, mas desde que não tenham sido descontadas/retidas. Somente se permite que sejam parceladas contribuições descontadas/retidas dos empregados e não pagas pela empresa no caso que se refiram à competência junho/1991 ou anterior, ou seja, débitos bastante antigos, e que já podem ter sido inclusive alvo de prescrição ou decadência do direito de cobrança do INSS;(9)

A formalização do pedido no INSS: o pedido de parcelamento de contribuições ao INSS deverá ser realizado pelo contribuinte através de Termo de Adesão, obtido e protocolado nas Agências da Previdência Social – APS ou nas Unidades Avançadas de Atendimento – UAA do local do estabelecimento sede da empresa (matriz ou centralizador).(10)

Em resumo, diante desse quadro complexo de condições relativas ao “Novo REFIS”, recomenda-se cautela na análise técnica das condições peculiares de cada empresa, assim como uma leitura atenta às regulamentações que estão sendo editadas, a fim de escolher a melhor forma de tratar os débitos de cada empresa, tendo em vista os inúmeros reflexos negativos que uma opção equivocada poderá causar à vida do contribuinte devedor. E tudo deve ser pensado com antecedência, para que se possa realizar ou não a opção pelo novo programa “REFIS II” no prazo legal, e de forma econômica e segura.

NOTAS

(1) Lei publicada em 11/04/2000, derivou da transformação em lei da Medida Provisória n.º 2.004-6, publicada em 13/03/2000, abrangendo originalmente os débitos de tributos federais da União Federal, inclusive INSS, com fatos geradores ocorridos até 31.10.1999.

(2) Regra geral que comporta exceção, pois a Portaria Conjunta PGFN/SRF n.º 01, de 25 de junho de 2003 deixa claro que se permite pela Lei n.º 10.684/2003, mas apenas às micro e pequenas empresas optantes pelo SIMPLES, que o parcelamento ultrapasse 180 meses, caso o valor calculado no percentual de 0,3% da receita bruta da empresa não seja suficiente para quitar o débito nesse prazo.

(3) Conforme a Instrução da Diretoria Colegiada do INSS n.º 91, publicada em 01 de julho de 2003, podem ser parcelados os débitos de contribuições sociais dos empregados, desde que não retidas/descontadas dos mesmos; ou até mesmo as contribuições retidas do empregado, mas apenas em competências anteriores a junho 1991 (ou seja, débitos bastante antigos); dentre outras hipóteses.

(4) Os débitos podem estar constituídos ou não, inscritos ou não como Dívida Ativa, objeto de execução fiscal ou mesmo já parcelados, inclusive no REFIS I, de 2000. Neste último caso, havendo débitos do REFIS antigo, os débitos relativos ao INSS retornarão à sua administração, e neste órgão poderão ser parcelados no REFIS II, conforme orientação da autarquia previdenciária.

(5) Usando um exemplo simplificado, veja-se o caso de uma empresa que tenha receita bruta mensal média de R$ 1.000.000,00, e cujos débitos parcelados montem R$ 500.000,00 no “Novo REFIS”. Caso se considerasse 1,5% (15.000,00) de sua receita paga mensalmente, o débito todo dessa empresa estaria quitado rapidamente, em aproximadamente 33 meses. Assim, a empresa não se aproveitaria do prazo de 180 meses concedido em geral a todas as empresas. Para evitar tais situações, em desfavor de empresas com maior receita, o Governo inseriu o parcelamento mínimo em 120 vezes, independentemente do valor a ser quitado. Assim, a empresa tem a garantia de poder pagar em número razoável de parcelas.

(6) O contribuinte deverá informar quando isso ocorrer, devendo passar a recolher o percentual normal 1,5% da receita bruta, como faria normalmente. Caso não o faça, será excluído automaticamente do “Novo REFIS”, com as conseqüências inerentes.

(7) Tal conduta gera inclusive conseqüências criminais, e deverá ser sanada o mais breve possível pelo empresário responsável.

(8) A desistência das ações poderá ser parcial, isto é, o contribuinte poderá desistir da ação em relação à determinados valores, mas continuar contestando outros valores ou outros tributos incluídos no mesmo processo, desde que seja possível decompor a dívida dessa forma.

(9) Há outros débitos de contribuições ao INSS que podem ser parcelados conforme esclarece a nova regulamentação expedida pelo INSS, especialmente relativas à contribuições decorrentes de sub-rogação em comercialização de produtos rurais, dentre outras hipóteses. Para maiores detalhes, veja-se a IN Dir. Colegiada INSS n.º 91/2003.

(10) A própria IN Dir. Colegiada INSS n.º 91/2003 já traz em seus anexos, os modelos de formulários assim como a relação dos demais documentos que deverão ser entregues pelo contribuinte interessado no “REFIS II” perante o INSS.

Rodrigo Caramori Petry e Leandro Marins de Souza

mestrandos em Direito Econômico pela PUCPR, advogados especializados em Direito Tributário, do Escritório Marins, Bertoldi, Efing & Rocha Advogados e Consultores Associados em Curitiba/PR, que presta assessoria jurídica ao Sicop – Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado do Paraná.

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