Alessandro Silverio

O mito do crime organizado?

Os acontecimentos ocorridos recentemente no Rio de Janeiro demonstram aquilo que já se sabia. Não existe crime organizado no Brasil(1). Aliás, as evidências são outras, totalmente distintas. As imagens que percorreram o mundo e invadiram os nossos lares apenas reforçam essa conclusão. E a reforçam porque mostram um bando desorganizado, em fuga, agindo instintivamente e incapaz de enfrentar as forças de controle do Estado. Reside aqui o ponto central da presente reflexão.

Nesse sentido, deve-se ponderar que a criminalidade existente nos morros cariocas apenas existe por ineficácia absoluta do estado, que se demonstrou incapaz de enfrentar, durante anos, a mais primária forma de sociedade criminosa que é aquela praticada por bandos.

Ocorre, contudo, que essa constatação, nitidamente equivocada, – no sentido de que existia crime organizado em nosso pais -, projetou efeitos diretos na política criminal produzida pelos nossos agentes de criminalização, fomentando a expansão do direito penal enquanto símbolo do poder punitivo do estado.

Note-se: foi em nome do combate ao crime organizado que, paulatinamente, passamos a assistir no mundo jurídico a restrição de determinadas garantias individuais. Tais restrições, infelizmente, foram recepcionadas pelo próprio judiciário e contaram com o apoio incondicional da opinião pública e de boa parte da imprensa.

Dentre tais restrições destacam-se: o uso abusivo da prisão cautelar (inviabilização de liberdade provisória ao acusado de tráfico)(2); o uso indiscriminado de interceptações telefônicas (primeiro método de investigação)(3), o recrudescimento do sistema penal como um todo (aumento das penas e das figuras típicas, execução penal mais severa).

A propósito, esse discurso político criminal, se analisado de forma crítica e honesta, independentemente da premissa que o sustente, demonstra-se frágil, contraditório e irracional. Ora, esse discurso, um tanto quanto esquizofrênico, reclama, em um primeiro momento, por mais direito penal. Frise-se que se busca fundamentar esse pleito “no necessário combate a criminalidade”. Em um segundo momento as agências de criminalização se submetem a essa imposição e expandem o direito penal. No momento seguinte se verifica que a finalidade pretendida não foi alcançada, daí, ao invés de se reestruturar o discurso, segue-se a mesma receita, mais direito penal. Esse ciclo vicioso e irracional é injustificável e intelectualmente desonesto. Principalmente hoje, quando é nítido que referido ideário se funda em premissa absolutamente equivocada- a toda evidência não existe crime organizado em nosso país.

Portanto, se espera urgentemente – a reestruturação do discurso político criminal brasileiro, o que demandará o amadurecimento da sociedade. Em outras palavras, precisamos de menos direito penal – esse monstro deve ser contido e de mais políticas públicas que emancipem o cidadão – educação de base.

Notas:

(1) Alguns penalistas mais lúcidos, há muito, já afirmavam. Dentre eles destacam-se: Jacinto Coutinho, René Dotti e Juarez Cirino dos Santos.
(2) O Supremo acaba de reconhecer, finalmente, a repercussão geral da matéria.
(3) Embora a lei afirme em sentido contrário. Os alunos que fizeram o último exame da ordem sabem do que se está a falar.

Alessandro Silverio é advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade Positivo.

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