O Direito Internacional Público no início do século XXI

O Direito Internacional Público constitui um conjunto de princípios e regras que regem as relações internacionais, com o objetivo de estabelecer direitos e deveres aos seus sujeitos, a fim de manter a harmonia na sociedade internacional. Como ramo do direito que é, caracteriza-se pela obrigatoriedade, ainda que seja fortemente marcado pela presença do consentimento em sua elaboração, já que os legisladores de suas normas são os próprios destinatários.

É compreendido como um direito de coordenação, de estrutura horizontal, em contraposição ao direito interno, vertical, de caráter marcadamente impositivo. Isso porque o Direito Internacional busca a satisfação dos interesses comuns dos destinatários de suas normas, normalmente abstratas e dotadas de sanções coletivas.

A partir de meados do século XX, sobretudo no período posterior à Segunda Guerra Mundial, o Direito Internacional passou por várias mudanças que deram orientações para definição de seus contornos gerais no século XXI.

O Estado sempre foi considerado o sujeito por excelência do Direito Internacional, qualidade essa que lhe é atribuída sempre que cumprir com os requisitos clássicos de possuir território determinado, população permanente, governo estável e soberano, além de ter o reconhecimento e a capacidade de se relacionar com os demais atores do cenário internacional, seja celebrando tratados, seja enviando e recebendo agentes diplomáticos. Portador de direitos e deveres, o Estado, dentre todos os sujeitos, é o mais atuante e mais importante, uma vez que a partir dele é que surgem outras pessoas com capacidade internacional.

Pela sistemática atual, os destinatários imediatos das normas de Direito Internacional Público são o Estados, que devem negociar os tratados, assiná-los, ratificá-los, publicá-los e depositá-los, para, então, ficarem vinculados a eles. No entanto, há que se lembrar que nenhum direito tem sentido existencial senão em virtude do ser humano, o que torna imperativa a concepção do indivíduo como sujeito de Direito Internacional Público, ainda que mediatamente. Certamente se aplicam no plano internacional, as brilhantes palavras do Prof. Romeu Felipe Bacellar (pai do professor de direito administrativo Romeu Felipe Bacellar Filho), que em sua vida dedicou-se também ao estudo e magistério do Direito Internacional: “Ao aplicador do direito não é dado desconhecer que por trás da letra fria da lei há sempre uma vida humana a ser considerada”.

Outro importante acontecimento deste século no que se refere aos sujeitos internacionais foi o desenvolvimento das Organizações Internacionais, principalmente após a Primeira Guerra Mundial, com a criação da Liga das Nações, sucedida posteriormente pela Organização das Na-ções Unidas – ONU. Constituindo-se em associações voluntárias de sujeitos de Direito Internacional, sobretudo Estados, elas são criadas mediante tratados ou convenções internacionais e são possuidoras de poderes, órgãos, funcionários e estatutos internos próprios. Responsáveis pela institucionalização das relações internacionais, indubitavelmente adquiriram a personalidade jurídica internacional.

Hoje também há que se falar nas Organizações Não-governamentais – ONG, que passaram a atuar de forma intensa no contexto internacional, adquirindo importante papel na elaboração de tratados internacionais, principalmente naqueles relacionados a direitos humanos e ambientais. Não são, ainda, sujeitos de Direito Internacional mas, apesar de não votarem nos processos de decisão sobre formulação de novas regras internacionais, participam ativamente da deliberação das mesmas, influenciando fortemente os Estados.

O direito internacional clássico sempre regulou determinados aspectos das relações internacionais, destacando-se as questões envolvendo as guerras, os mares, as relações diplomáticas, dentre outras: Esses eram considerados temas próprios do Direito Internacional Público e não havia nenhuma relação com o direito interno nem com o direito privado. Atualmente, pode-se dizer que não há relação humana que não esteja de alguma forma relacionada ao Direito Internacional, mostrando que a tradicional linha divisória dos ramos jurídicos está cada vez mais tênue, principalmente no que se refere a direitos humanos, trabalhista, comercial, sanitário, de telecomunicações, transporte, defesa, corrupção e etc.

As fontes do Direito Internacional estão previstas de forma não exaustiva no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça da ONU, que prevê que a Corte aplicará, na solução de controvérsias que lhe forem submetidas, as Convenções Internacionais, o Costume Internacional e os Princípios Gerais do Direito, acrescidas, como meios auxiliares, as decisões judiciais, a doutrina e a equidade.

Em qualquer ramo jurídico, as fontes são meios de exteriorização do direito vigente em determinado momento histórico, encontrando-se em constante e dinâmica interação. Foi dentro desse contexto que as fontes do Direito Internacional sofreram várias mudanças nos últimos anos, principalmente no que se refere a Convenções ou Tratados Internacionais. Estes passaram a ter novas formas de celebração, com mudanças no número e capacidade das partes celebrantes; na quantidade, conteúdo e efeitos, além dos procedimentos e formalidades para sua conclusão.

A capacidade jurídica para celebrar tratados sempre foi prerrogativa dos Estados soberanos. Com o desenvolvimento das Organizações Internacionais possuidoras de vontade própria, independente da vontade dos Estados, essa capacidade foi estendida a elas. Mas, a contrário dos Estados, que têm capacidade ilimitada, as Organizações só podem celebrar tratados que sejam necessários para a consecução de suas funções específicas, conforme estabelecido em seus estatutos. Essa grande modificação pôde ser comprovada pela necessidade de elaboração de uma segunda Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, não mais se limitando aos tratados entre Estados, como estabelecia a primeira Convenção, de 1969, mas agora regulando os Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações, o que foi feito em 1986.

Os Tratados sempre foram de alcance bilateral, no entanto, com a multiplicação do número de estados, o aparecimento de novos sujeitos na comunidade internacional e o dinamismo da nova diplomacia, eles surgiram em maior quantidade e passaram a ter novas partes contratantes, âmbito de validade material amplo (com limite apenas nos jus cogens) e caráter universalista ou regionalista.

Os procedimentos e as formalidades para celebração dos Tratados têm sido amenizados, quer pela prática da adesão ou acessão – o Estado que não fez parte das negociações, por ato unilateral, opta por aderir ao tratado – quer pelos acordos em forma simplificada ou “executive agreements” – tratados bilaterais concluídos por negociadores que agem em nome do Estado e que vigoram imediatamente, sem a aprovação do Poder Legislativo nacional.

Ainda no que diz respeito ao tema das fontes, é importante destacar o surgimento de outras formas de manifestações do Direito Internacional, cuja denominação de “fonte” ainda não é pacífica, mas que podem criar um consciência ou fazer Direito. Trata-se do chamado “soft law”, que engloba as decisões conjuntas, acordos informais, regras de conduta, declarações e resoluções das organizações internacionais.

E como não poderia deixar de ser diferente, todas essas grandes transformações ocorridas na ordem internacional ocasionaram mudanças também nos costumes, princípios gerais de direito, jurisprudência e doutrina internacional, que, aos poucos, vão adquirindo um caráter mais dinâmico e atualizado.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.

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