O Direito e a sustentabilidade ambiental

A contemporaneidade se caracteriza pela complexidade e interdependência das relações humanas e naturais. A instantaneidade das comunicações e o surgimento de grupos econômicos cada vez mais poderosos tornou a economia global uma realidade (ao menos para os que fazem parte do mercado, pois às margens deste paira carente dos mais elementares direitos uma parcela crescente da humanidade). Todavia, o extraordinário e acelerado desenvolvimento tecnológico obtido pelo homem não se fez acompanhar de um desenvolvimento ético similar, de um aprimoramento dos valores que permeiam o convívio entre os homens e destes com a natureza, sendo cada vez mais premente o risco de que o homem utilize a tecnologia criada por ele contra si mesmo. A interdependência entre todos os seres vivos é uma lei natural e, a seguir no ritmo atual, o poder econômico, por maior que seja, não será capaz de deter os efeitos que o comportamento irresponsável sob o prisma ambiental poderá gerar, de modo que a natureza agredida acabe se tornando inóspita para a humanidade.

Alguns fatos dão conta desse quadro desolador: a) o Paraná conta hoje com menos de 10% de sua cobertura florestal original e a realidade dos demais Estados brasileiros não é diferente, apesar da legislação protecionista; b) o clima do planeta está imprevisível e não existem mais estações definidas – e o líder do país que é o maior responsável pela emissão de gases poluentes na atmosfera se recusou a assinar o Protocolo de Kyoto, pelo qual os signatários comprometem-se a reduzir em 5% a emissão desses gases num prazo de 10 anos; c) os oceanos estão avançando sobre o litoral dos países que se situam às suas margens; d) as pessoas estão adoecendo e morrendo contaminadas por agrotóxicos cujos efeitos benéficos para a produtividade agrícola são duvidosos; e) preciosos santuários naturais no Brasil e no mundo estão sendo destruídos por queimadas; f) espécies animais e vegetais estão sendo extintas a cada dia; g) continuamos a poluir nossos últimos reservatórios de água potável; h) a poluição do ar pela emissão de gás carbônico e outros gases tóxicos está causando doenças gravíssimas, sendo correlacionada, por exemplo, ao nascimento de crianças acéfalas em Los Angeles; i) estão surgindo doenças gravíssimas, como a síndrome da vaca louca, cuja origem está relacionada à ração usada para alimentação animal em que são utilizados hormônios em excesso e restos de órgãos do próprio gado; j) os governos tendem a permitir a utilização indiscriminada dos transgênicos na produção de alimentos, cujos efeitos para a saúde humana ainda são desconhecidos (mas os efeitos no faturamento de multinacionais como a Monsanto são bastante palpáveis).

Diante desse quadro, só nos resta buscar alertar nossos companheiros de morada neste planeta acerca dos riscos que estamos vivendo e, ainda, utilizar os meios jurídicos criados em função da proteção ambiental.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira em nosso país a dedicar um capítulo ao meio ambiente, composto pelo art. 225. Ali encontramos, em primeiro lugar, a consagração do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida – derivado, portanto, do direito à vida e do direito à saúde, os quais sempre foram prestigiados, naturalmente, pela Constituição. Os titulares da obrigação correlata a este direito – prevê a Constituição – são o Poder Público e a coletividade, a quem incumbe defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Em seguida, o texto constitucional traz instrumentos de proteção ambiental. Trata-se de instrumentos que já existiam na nossa ordem jurídica antes da Constituição de 1988. A Lei 6.938, de 1981, já havia modelado uma Política Nacional de Meio Ambiente, criando instrumentos e um sistema de órgãos encarregados da sua realização. A diferença é que agora estes instrumentos ganharam status constitucional.

Antes de falar dos principais instrumentos, é importante mencionar os princípios do Direito Ambiental, este novo ramo do direito que se caracteriza, no Brasil, por contar com normas bastante avançadas, porém dotadas de pouquíssima efetividade. Estes princípios são, basicamente, sete: a) Princípio da indispensabilidade da educação ambiental (previsto na Declaração de Estocolmo, de 1972, no primeiro Encontro Mundial promovido pela ONU para discussão das questões ambientais e também na nossa Constituição Federal); b) Princípio do acesso à informação (previsto na Declaração do Rio, de 1992, na 2ª conferência mundial sobre o tema realizada pela ONU, na Lei 6.938 e na Constituição de 1988); c) Princípio da participação (previsto na Declaração do Rio e consagrado na Lei 6.938 pela criação das audiências públicas e de Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, órgãos em que deve haver a participação paritária da sociedade civil, bem como garantido pela Constituição de 1988 ao prever a ação popular para defesa do meio ambiente); d) Princípio da obrigatoriedade da intervenção do Estado (previsto na Declaração de Estocolmo e na Constituição de 1988, além de outras normas legais); e) Princípio da prevenção (previsto na Declaração do Rio de 1992): na dúvida sobre os riscos de uma conduta ao meio ambiente, deve-se proibi-la; f) Princípio da cooperação internacional (os países devem atuar em conjunto para a proteção ambiental, pois os problemas ambientais não têm fronteiras – daí a realização de conferências mundiais e a produção de tratados internacionais sobre meio ambiente); g) Princípio do poluidor pagador (implícito na Constituição de 1988 e na Lei 6.938/81 – quem polui deve arcar com os custos da recuperação do meio ambiente agredido); este princípio não significa que se deve permitir a degradação ambiental desde que se pague o prejuízo. Ao contrário, ele deve ser aplicado em conjunto com o princípio da prevenção, pois, na maior parte das vezes, é impossível a plena recomposição do meio ambiente agredido. Além disso, para o poluidor, é muito mais cara a reparação do dano ambiental do que a prevenção do mesmo.

Os principais instrumentos do direito brasileiro para a proteção ambiental, descritos a seguir, buscam tanto a prevenção quanto a reparação do dano ambiental: 1) Licenciamento ambiental: toda atividade potencialmente poluidora deve contar com licenças ambientais para a sua instalação e funcionamento. No processo de licenciamento, deverá ser obrigatoriamente realizado o Estudo de Impactos Ambientais, que vai identificar os efeitos da atividade no meio ambiente local, se este suporta estes efeitos e quais medidas mitigadoras dos impactos ambientais deverão condicionar a concessão da licença (por exemplo, a instalação de um filtro de chaminé, o envio dos resíduos sólidos a um aterro industrial licenciado). A legislação também prevê a realização de audiências públicas em que deverá ser ouvida a população diretamente atingida pelo empreendimento. 2) Sistema Nacional de Unidades de Conservação: trata-se de áreas que devem contar com proteção especial à sua fauna e flora, sendo a intervenção humana restrita em seu território; algumas são fechadas até mesmo para o turismo. São exemplos de unidades de conservação os parques nacionais, estaduais e municipais, as reservas biológicas, as áreas de preservação ambiental. 3) Limitações ao direito de propriedade de bem imóvel: no meio rural, os imóveis são obrigados a manter intacta uma área de mata nativa denominada “reserva legal”, cujo percentual varia de 20% a 80% da área do imóvel; além disso, determinadas áreas de matas, como as que se situam às margens dos rios (“matas ciliares”), são consideradas áreas de preservação permanente e também devem ser mantidas intactas independentemente da área do imóvel, seja ele urbano ou rural. A Constituição consagra, ainda, que o conceito de função social da propriedade rural inclui a exploração adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente. 4) Educação Ambiental: nossa Constituição exige a promoção da educação ambiental formal, em todos os níveis de ensino, e da educação ambiental não formal, isto é, a divulgação de informações para a conscientização para a preservação ambiental. Este preceito foi regulamentado pela Lei n.º 9.795, de 1999, que detalha a forma como deverão ser desenvolvidas as atividades de educação ambiental. Dentre suas regras, destacamos a de que “a educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.” (art. 10). Assim, “a educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica do currículo de ensino” (§ 1º do mesmo artigo). Prescreve a mesma lei que os professores de todos os níveis de ensino deverão ser capacitados para desenvolver atividades de educação ambiental (art. 11). 5) Responsabilidade por danos ao meio ambiente: no Brasil, o poluidor é responsabilizado em três esferas: a) civil – terá que arcar com os custos da recomposição do meio ambiente agredido; b) administrativa – terá que pagar as multas ou sofrer outras penalidades por infrações administrativas nas quais se enquadre o seu comportamento; c) criminal – o que vale para pessoa física e jurídica, uma inovação da Constituição de 1988, responsabilizando-se assim penalmente as empresas poluidoras; foi detalhada pela Lei 9.605, de 1998, que prevê, para a pessoa jurídica, penas compatíveis com a sua natureza, como pesadas multas e a suspensão ou interdição do estabelecimento. A responsabilidade civil – é importante frisar – ao contrário da responsabilidade administrativa ou criminal, em que se deve comprovar que o poluidor sabia da lesividade de seu comportamento, é objetiva, ou seja, independe de culpa, respondendo o poluidor mesmo que tenha agido com desconhecimento. Tem-se aqui de responsabilidade meramente pecuniária, de modo que, se ele se beneficiou dos resultados econômicos do empreendimento poluente, deve custear a reparação dos danos causados ao meio ambiente. 6) Legitimidade ativa do cidadão, do Ministério Público e da sociedade civil organizada para defesa judicial do meio ambiente: o cidadão pode mover ação popular para defesa do meio ambiente, assim como as associações civis destinadas à defesa ambiental podem ingressar com ação civil pública para tal fim. Já o Ministério Público tem não apenas o direito, mas o dever constitucional de atuar judicial e extrajudicialmente em defesa do meio ambiente. Note-se que os quatro primeiros instrumentos estão voltados precipuamente à prevenção do dano ambiental, ao passo que os dois últimos devem incidir quando aquela falha, sendo que o último pode ser utilizado tanto para evitar quanto para reparar o dano ambiental.

Cada vez mais, é necessário que o Poder Público e a sociedade gerenciem a finitude dos recursos naturais e considerem o custo do desgaste dos mesmos na elaboração das políticas públicas e no dimensionamento das atividades produtivas. Exemplo da primeira seria a tributação mais pesada das atividades poluidoras, com progressiva redução conforme sejam adotadas tecnologias que minimizem o impacto ambiental. Exemplo da segunda é a consideração dos custos para recomposição do meio ambiente degradado no momento de se decidir pela implantação ou não de uma tecnologia menos agressiva ao meio ambiente.

Há muito que se fala em desenvolvimento econômico sustentado, mas ainda é pouco o que se tem feito neste sentido. Muitos governantes e detentores do poder econômico continuam incapazes de admitir sua própria condição humana. Somente quando se compreender que a fragilidade diante da natureza é algo comum a todos os habitantes deste planeta, independentemente de nacionalidade, crença, raça ou classe social, a humanidade poderá mudar suas atitudes e poderemos ter a esperança de que nossos descendentes tenham um ambiente sadio para viver.

Luciane Moessa de Souza

é mestre em Direito do Estado pela UFPR, advogada e consultora jurídica em Paranavaí e professora das Faculdades Nobel em Maringá-PR.

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