O desrespeito à coisa julgada exige do legislador solução inovadora no CPC

A coisa julgada dignifica o Poder Judiciário. A inobservância e o desrespeito à coisa julgada colocam o Poder Judiciário diante da sociedade em posição de desconfiança e de inutilidade. O autor (cidadão) ganha a ação, mas não leva. O processo de execução não foi feito para beneficiar o credor, mas o devedor, tanto que não se prestigia a coisa julgada, fazendo-se a execução de modo que não agrave a situação do devedor. Essa a temática principal discutida à exaustão no Congresso do TRT 2.ª Região sobre a Execução Trabalhista, realizado no final de semana (de 22 a 24/8/02), em São Paulo.

A conclusão unitária dos debatedores convidados a participar em cada um dos painéis programados foi no sentido de que o processo de execução precisa de inovação legislativa, adequando-se às novas posições da doutrina moderna para que o processo possa atender ao interesse da sociedade, a uma Justiça mais rápida na entrega por completo da prestação jurisdicional, incluindo-se o da liquidação da decisão de mérito. O CPC atual não privilegia o respeito à coisa julgada, já que assentado no princípio da proteção a que o devedor tenha uma execução menos onerosa em desfavor do credor, que ganha, mas não leva.

É preciso adequar-se a legislação processual à realidade exigida pelo avanço da sociedade brasileira, cujos interesses estão acima de tudo e de todos, até mesmo do próprio Estado, que existe em razão dos seus cidadãos, objetivando o cumprimento da promoção do bem comum a todos os nacionais, igualmente, sem discriminação. O Estado de Direito encontra assento constitucional no disposto no art. 1.º da Carta Política vigente, dispondo que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado de Direito, tendo como fundamento o direito à cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana, sendo que o art. 3.º da mesma Lex Legum, ao lado de outros objetivos perseguidos, visa à construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Dois dos expoentes máximos da doutrina processualística cível, os doutores Antônio Carlos Marcato e Carlos Alberto Carmona, presentes ao congresso como palestrantes, sustentaram a necessidade de mudança legislativa, para que se restabeleça a dignidade da coisa julgada e por conseqüência do próprio Poder Judiciário, adequando-se o já ultrapassado CPC, no que pertine ao processo de execução, assegurando-se efetividade ao processo, eliminando-se a existência da dicotomia de dois processos, um de conhecimento e outro de execução, tornando-o um só, onde não mais exista a necessidade de citação do devedor. Onde, transitada em julgado a decisão de mérito, em respeito à coisa julgada, possa o juiz da causa desde logo decidir pela penhora, caso o devedor não se antecipe, satisfazendo a liquidação do crédito reconhecido. Para tanto, se reunião em Brasília com diversos outros juristas integrantes de uma comissão encarregada de discutir anteprojetos para reforma do Código de Processo Civil, elaborado pelo ministro aposentado do STJ, Athos Gusmão Carneiro, para serem encaminhados ao Congresso Nacional, para que o legislador possa analisar as propostas, discuti-las e aprovar então as inovações legislativas necessária à modernização do direito processual, possibilitando-se então a reforma do CPC, na parte que trata da execução e assegurar-se eficácia plena da coisa julgada e a prevalência do interesse social a uma possibilidade de liquidação mais rápida do processo em favor do credor e não como hoje ocorre em favor do devedor inadimplente. Já dentro dessa nova visão de modernidade do processo e do interesse social da necessidade de absoluto respeito à coisa julgada, trazemos à ilustração o brilhante e elucidativo voto que acaba de ser proferido (em 14/8/02) pelo presidente do STF, min. Marco Aurélio, como relator do processo do pedido de Intervenção Federal (IF 2915 e IF 2953), que ganhou manchetes na imprensa escrita, falada e televisada, contra o estado de São Paulo, voto este que foi também acompanhado pelo min. Ilmar Galvão, por tratar-se de créditos alimentares reconhecidos a servidores públicos paulistas que obtiveram ganho de causa há mais de 10 anos, referentes ao orçamento de 1988 e a serem quitados em 31 de dezembro de 1988, mas não pagos até o presente momento, em contrariedade ao que dispõe o art. 100 da CF.

Não obstante a magnitude dos dois votos já colhidos, o julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do min. Carlos Velloso. Ficaram faltando colher-se ainda os votos dos ministros Celso de Mello, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence e Moreira Alves. Como não será um julgamento apenas jurídico, desrespeito à coisa julgada e ao disposto no art. 100 da CF, já se prevê um julgamento político da questão para atender a interesses outros de um Estado poderoso como é o Estado de São Paulo, aliado ao momento atual em que, às vésperas de um processo eleitoral nacional, aguarda-se a nova eleição até mesmo para substituição da Presidência da República.

Veja o relatório e voto dos ministros Marco Aurélio e Ilmar Galvão, divulgado no site do STF:

VOTAÇÃO

O ministro Marco Aurélio iniciou seu voto mencionando todos os estados brasileiros que atualmente são alvo de pedidos de intervenção federal, além de indicar o número de processos contra cada um. (Veja abaixo o relatório.)

Ele foi pela procedência da ação, para que fosse decretada a intervenção no Estado de São Paulo. O presidente do STF entende que a intervenção visa, acima de tudo, a supremacia da Constituição Federal. “O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais. Sentenças que, sob o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis”, argumentou ele, dizendo também que o exemplo no cumprimento das decisões deve vir de cima.

Marco Aurélio também responsabilizou os governos do Estado de São Paulo pela má administração dos recursos financeiros, como no caso da desapropriação para se fazer obras, “não se preocupando os governantes com a necessidade de conciliá-las com as dotações orçamentárias e, destarte, com os créditos abertos para tal fim”.

Segundo a votar, o ministro Gilmar Mendes abriu dissidência no julgamento e indeferiu o pedido de intervenção federal em São Paulo. Ele levou em conta as informações prestadas pelo estado, ao julgar que a limitação econômica alegada não pode ser desconsiderada. O ministro julgou que o atraso do estado no pagamento dos precatórios alimentares não configura dolo.

Ele citou precedente julgado pelo STF, na Intervenção Federal n.º 20, julgada em 1954, na qual a corte entendeu que, para se justificar uma intervenção, é preciso que haja uma postura de resistência do Estado em não pagar os precatórios. O voto foi do, à época, ministro Nelson Hungria.

“Enquanto o Estado se mantiver diligente na busca de soluções para o cumprimento integral dos créditos, não estarão presentes os pressupostos necessários à Intervenção”, julgou o ministro Gilmar Mendes.

A ministra Ellen Gracie indeferiu o pedido, por entender que “os princípios constitucionais repousam nos princípios da igualdade democrática, da igualdade de oportunidade no pagamento e no respeito à precedência cronológica de registro destas requisições de pagamento”.

Gracie não vê a intervenção federal como solução para o caso dos precatórios. Para ela, “decretar intervenção em um Estado da federação, há menos de dois meses da realização de eleições, que recolocam à disposição do povo o cargo de governador, vale tão somente para agravar a atual situação de desequilíbrio econômico, financeiro e orçamentário”.

Assim como o ministro Gilmar Mendes, a ministra acredita que um eventual interventor terá limitações semelhantes às enfrentadas pelo governo paulista, devido “à efetiva inexistência de recursos financeiros que permitam o atendimento imediato dos precatórios”.

O ministro Nelson Jobim votou pela improcedência do pedido. Ele questionou como seriam especificadas as condições da intervenção. “Os valores correspondentes ao total de precatórios alimentares seriam retirados de onde? Da folha de pagamento? Do retorno de 25% do ICMS que deve o Estado de São Paulo atribuir aos seus municípios?”

O ministro Maurício Corrêa divergiu também, citando em seu voto o processo de intervenção federal contra o governo de Minas Gerais, julgado em 1954 (IF 20). “Para justificar uma intervenção, não basta a demora de pagamento na execução de ordem judicial, por falta de numerário. É necessário o intencional ou arbitrário embaraço, ou impedimento oposto a essa execução”.

Corrêa disse que essa não é a hipótese disposta nos processos, porque “não resultou provado que houve desobediência de cumprimento de decisão judicial pelo governo de São Paulo”.

Sexto a votar, o ministro Ilmar Galvão foi favorável em parte à intervenção federal (IF 2915) requerida contra o Estado de São Paulo, acompanhando o relator, ministro Marco Aurélio. “Se há um orçamento para ser cumprido, esse orçamento não é uma balela. Se há uma verba destinada ao pagamento de precatórios, tem que ser distribuída”, disse Galvão.

Ilmar Galvão deferiu em parte a intervenção, para que Supremo ordene ao governador do Estado de São Paulo que ponha à disposição do presidente do TJ, em um prazo razoável, os duodécimos vencidos em 2002.

Após o voto do ministro Ilmar Galvão, pediu vista dos autos o ministro Carlos Velloso, interrompendo-se o julgamento até que ele traga de volta o processo ao plenário. Além de Velloso, faltam os votos dos ministros Celso de Mello, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence e Moreira Alves.

Veja o número de pedidos de intervenção federal contra cada estado:

Alagoas (1 processo), Ceará (17 processos), Distrito Federal (48 processos), Espírito Santo (10 processos), Goiás (10 processos), Mato Grosso (10 processos), Pará (11 processos), Paraná (10 processos), Rio de Janeiro (8 processos), Rio Grande do Sul (176 processos), Rondônia (2 processos), Santa Catarina (111 processos), São Paulo (2.822 processos), Tocantins (16 processos).

Luiz Salvador

é advogado trabalhista em Curitiba e em Paranaguá. E-mail:
defesatrab@uol.com.br.

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