O custo dos acidentes

A gente vê só no cinema: a polícia perseguindo e fazendo parar um veículo que estava em alta velocidade, encostando o motorista com brutalidade no capô e revistando-o como a um perigoso delinqüente. No caso de encontrá-lo armado ou por alguma coisa suspeita, muitas vezes o algemando. Um crime de trânsito é tratado como um ato de delinqüência grave? O motorista é detido sem muitas delicadezas, como a um criminoso? Seria isso abuso policial?

Já imaginaram no Brasil, onde se reverencia quem pertence às camadas mais altas da sociedade – e geralmente são elas que têm poder aquisitivo para comprar carros – pararem um portador de canudo universitário, empresário, alto funcionário ou filhinho de papai com tanta “brutalidade”. No mínimo, o policial ouviria a clássica frase: “Você sabe com quem está falando?”. Ou haveria queixa contra o agente da lei aos seus superiores e não raro ele seria punido. E o infrator, no máximo, levaria uma multa pecuniária, que, por ser de camadas mais endinheiradas, poderia pagar, não sem antes entrar com um recurso e, quem sabe, ser absolvido, não mexendo no bolso.

Esquecemos que essa gente que despreza as regras de civilidade no trânsito causa ferimentos e mortes. E, não raro, se ferem ou morrem.

No Brasil, os acidentes de trânsito causam prejuízos da ordem de R$ 10 bilhões. São prejuízos aos serviços de saúde pública. Atendimento, leitos de hospitais, cirurgias, medicamentos, tudo pago pelo povo. Para não falarmos nos prejuízos de ordem emocional, afetiva, social, quando perecem jovens na flor da idade, são levados a cadeiras de rodas motoristas e suas vítimas. E quantos morrem, deixando no desamparo suas famílias. E, na tristeza, muitas penduradas nos cofres da Previdência Social.

É chocante falar em dinheiro quando se está tratando de dor e vidas perdidas.

Mas a revelação de que R$ 10 bilhões são gastos, por ano, por causa dos acidentes de trânsito, não nos leva só a chorar os gastos do “vil metal”. Leva-nos a pensar o que poderia este Brasil ainda pobre, ou de tantos pobres, fazer com esses R$ 10 bilhões. Quantos hospitais, quantas casas para os sem-teto, terras para os sem-terra, escolas para crianças carentes, estabelecimentos de assistência às crianças órfãs e a pessoas idosas desamparadas?

O certo é que os crimes de trânsito, causados pela irresponsabilidade dos que bebem e pegam na direção; pelos que desobedecem sinais; que dirigem veículos sem condições técnicas para estar nas ruas; pelos que correm acima do permitido, enfim, pelos irresponsáveis e delinqüentes, não importa se filhinhos de papai, doutores ou mesmo motoristas profissionais, são resultado de falta de consciência do caráter criminoso de suas ações. E, em grande parte, da falta de consciência da sociedade sobre quão revoltante é a temeridade com que usam seus veículos, como se fossem armas.

A sociedade tem de se demonstrar indignada. Desta indignação resultará que a nossa legislação de trânsito, que é das melhores, será aplicada com maior energia, punindo exemplarmente os culpados. Se a lei tem falhas, elas serão corrigidas. Se é leniente aqui ou ali, será emendada. Tudo para preservar vidas, evitar tanta gente, geralmente jovens, em cadeiras de rodas e, por que não dizer?, para economizar R$ 10 bilhões, que fazem falta num Brasil que sonha com Fome Zero.

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