O advogado e a jornada de trabalho

1. Introdução

O Estatuto dos Advogados (Lei n.º 8.906/94, de 4 de julho de 1994), em seu artigo 20 dispõe: “A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva“.

Muito se discute, desde então, a respeito do limite da jornada de trabalho do empregado advogado contratado para trabalhar uma jornada normal de oito horas, de segunda a sexta-feira (quarenta horas semanais). O principal mote do debate é se ele tem ou não direito a horas extras, assim consideradas as excedentes da quarta diária e vigésima semanal, especialmente sob o enfoque de qual seria o alcance da expressão “dedicação exclusiva” de que trata a lei.

2. Jornada máxima de trabalho

A dedicação exclusiva definida no artigo 12 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia nada tem a ver com o tempo de duração da jornada de trabalho, sendo irrelevante, portanto, o fato de o empregado cumprir jornada de oito horas.

A jornada em dedicação exclusiva constitui exceção à regra geral (do contrário, inverter-se-ia: a geral, de quatro horas diárias, estabelecida na lei, seria a exceção, e a excepcional, de oito horas, tornar-se-ia a geral), restringe direitos do empregado, e, portanto, não se presume, suscitando ajuste formal entre as partes.

O Regulamento Geral do Estatuto da OAB diz que existirá dedicação exclusiva desde que a jornada não ultrapasse quarenta horas semanais e, para as hipóteses em que o advogado tenha sido contratado anteriormente à Lei n.º 8.906/94, se este regime for o adotado à época e no contrato então celebrado, não alterado posteriormente.

Frise-se não ser possível confundir dedicação exclusiva com tempo integral, já que regimes diversos, pois, mesmo quem se submete a este último, não necessariamente encontra-se sob a égide do primeiro.

Uma vez mais, considerado o caráter restritivo de direitos, é necessário o atendimento aos dois requisitos elencados para que a jornada adotada excepcione a normal de quatro horas e vinte semanais: 1) carga horária inferior a quarenta horas semanais e 2) adoção expressa do regime de exclusividade pelos contratantes.

Nesse sentido:

ADVOGADO EMPREGADO – JORNADA DIÁRIA – DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. A Lei n.º 8.906/94 assegura aos advogados empregados, como regra geral, jornada máxima diária de 4 (quatro) horas contínuas e semanal de 20 (vinte) horas, podendo a mesma ser prorrogada mediante acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva. A dedicação exclusiva não se presume, devendo constar a adoção deste regime – que excepciona a regra geral e restringe os direitos do empregado – formalmente, no contrato celebrado entre as partes, e desde que não ultrapasse a jornada de 40 (quarenta) horas semanais” (TRT 20.ª Reg. RO 2.571/98. AC 342/99. DJ 18.03.99. Rel. Juiz Josenildo dos Santos Carvalho).

Acórdão do E. TRT da 9.ª Região (n.º 23.297 – DJPR 24.8.01. Rel. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão) já acentuou:

O regime de dedicação exclusiva foi importado do Direito Administrativo, e deve conservar suas características quando aplicado ao Direito do Trabalho.

O advogado empregado que optar por este regime, fa-lo-á por escrito o desejo de a ele vincular-se, fazendo jus, então, a uma gratificação sobre os seus vencimentos. No caso de o advogado não assinar o termo de opção pelo regime de dedicação exclusiva, deverá constar expressamente no contrato de trabalho do advogado empregado, em cláusula específica, que o exercício da profissão se dá com dedicação exclusiva, e correspondente gratificação sobre seus vencimentos.

Em tal situação, o empregado fica impedido de exercer cumulativamente outra atividade particular ou não, de caráter profissional.

Assim sendo, pode haver a jornada de trabalho em tempo integral sem dedicação exclusiva, mas não há dedicação exclusiva divorciada da jornada de trabalho em tempo integral”.

A doutrina de José Augusto Rodrigues Pinto (Duração e retribuição do trabalho do advogado empregado. Revista LTr. Vol. 59, n.º 2, fevereiro de 1995. P. 161) corrobora esse entendimento:

“… dedicação exclusiva, ou exclusividade de prestação não tem que ver com o tempo de duração do trabalho, e sim com os sujeitos que justam a relação de emprego, significando que a energia do empregado, qualquer que seja o período diário ou semanal em que estiver à disposição do empregador, só poderá estar à disposição de um único empregador.

Vê-se a impossibilidade lógico-jurídica de relacionar a exclusividade com a duração do trabalho, em termos conceituais. Quando o artigo 20 as relacionou foi para dizer que a dedicação exclusiva poderia ser fator determinante do rompimento da duração de 4 x 5 fixada como limite para o advogado empregado.

Completando a confusão conceitual, o parágrafo único do mesmo artigo 12 do Regulamento Geral, veio a definir como duração normal do trabalho, além da prefalada proporção de 4 x 5, a que vier a ser dilatada até 8 x 5, se decorrer de decisão maior` (entendendo-se como ‘sentença normativa’), de convenção ou acordo coletivos, ou de contratação de dedicação exclusiva’.

Esses notórios deslizes técnicos nos dão a impressão de que o Regulamento Geral, procurando minimizar os excessos protecionistas da lei (v.g., a proibição do excesso de jornada e a própria redução da duração do trabalho para a metade do parâmetro normal da Constituição (8 x 5,5, ou seja 44 horas semanais), tentou tirar com uma das mãos o que o Estatuto dera com a outra, quando a explicação natural do artigo 20 deveria ser a de considerar-se como horas extraordinárias aquelas que, sob os fundamentos excepcionais da própria lei, ultrapassassem a duração de 4 horas diárias ou 20 semanais.

E, por fim, acórdão proferido pelo C. TST (RR 360095/97. 5.ª T. Rel. Min. Rider de Brito) é paradigmático:

“Com efeito, o fato de a reclamante haver sido contratada para a jornada de trabalho de oito horas diárias não caracteriza regime de dedicação exclusiva, como decidiu o eg. Regional. A dedicação exclusiva é exigida nos casos em que a empresa não admite que o servidor preste serviço em outro local, não estando, pois, relacionada ao número de horas diárias trabalhadas. Havendo, portanto, a Lei n.º 8.906/94, em seu art. 20, reduzido a jornada do advogado empregado, que se encontra no exercício da profissão, para 04 horas diárias, não há como exigir do empregado a jornada anterior, que era de 8 horas diárias”.

3. Conclusão

Do quanto se expôs, infere-se que, se o contrato inicial de um advogado-empregado dispõe sobre a jornada normal de oito horas, de segunda a sexta-feira, mas não registra qualquer cláusula ou referência expressa formalizando a adoção da dedicação exclusiva, que, se não exigível antes de 4 de julho de 1994, tornou-se necessária a partir da Lei n.º 8.906/94, pela excepcionalidade que caracteriza, ele tem direito a receber como extra o tempo trabalhado além de quatro horas. Este entendimento pode ser conferido no recente Acórdão n.º 16.153/02 da 2ª Turma do TRT da 9.ª Região, publicado no DJPR 12.7.02, da lavra do eminente juiz Arion Mazurkevic.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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