Nova lei de drogas: retroatividade ou irretroatividade? (II)

Na primeira parte deste artigo citamos seis situações de conflito temporal entre a nova lei de drogas (Lei 11.343/2006) e a antiga. Outros exemplos que podem ser lembrados são as seguintes:

g) Sétimo:

O art. 34 da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 13, previu conseqüências penais (pena pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente.

h) Oitavo:

O art. 35, caput, da Lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 14, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Deve ser lembrado que a pena para o art. 14 foi alterada pela Lei 8.072/90, passando para a baliza de 3 a 6 anos (a mesma do art. 288 do CP). Atenção apenas para a Súmula 711 do STF. O art. 36, parágrafo único, é lei nova incriminadora, aplicável somente para os casos futuros (irretroativa).

i) Nono:

O comportamento descrito no art. 36, antes da novel lei, era punido com a mesma pena do tráfico (3 a 15 anos), agravado pelo art. 62, I, do CP. Logo, a inovação é irretroativa, ressalvando-se os casos que se ajustarem à Súmula 711 do STF.

j) Décimo:

O comportamento descrito no art. 37, antes da nova Lei, era encarado como partícipe do tráfico, respondendo com a mesma pena do traficante (3 a 15 anos), na medida de sua culpabilidade (art. 29 do CP). Agora, prevendo-se uma exceção pluralista à teoria monista, pune-se o mero colaborador (?papagaio?) com pena mais branda, devendo a norma retroagir, alcançando os fatos pretéritos. Sobre a competência para aplicar a lei nova mais favorável, veja nossos comentários ao art. 33, § 3.º, supra.

l) Décimo primeiro:

O art. 38, repetindo os mesmos núcleos do art. 15, previu nova forma de negligência com conseqüência penal (pecuniária) mais gravosa. A mudança, portanto, é irretroativa.

m) Décimo segundo:

Antes da nova Lei o comportamento descrito no art. 39 era mera contravenção penal de direção perigosa (art. 34). Agora, etiquetado como crime, tem pena mais grave, sendo a mudança irretroativa.

n) Décimo terceiro (causas de aumento de pena, art. 40):

O antigo artigo 18, III, da Lei 6.368/1976, previa como causa de aumento de pena (de um a dois terços) o tráfico decorrente de associação. Também era previsto (no art. 14) o delito de associação para o tráfico. A diferença entre tais dispositivos era a seguinte: no caso de associação permanente (estável) incidia o art. 14. No caso de associação ocasional (temporária) tinha aplicação o art. 18, III (ou seja: art. 12 c.c. art. 18, III).

Essa causa de aumento de pena não foi repetida na Lei 11.343/2006 (o assunto foi disciplinado no art. 40). São muitas as causas de aumento de pena previstas neste último dispositivo legal, entretanto, da associação ocasional ele não cuidou. Conclusão: houve uma espécie de abolitio criminis, isto é, desapareceu do ordenamento jurídico essa causa de aumento de pena. Nesse ponto a lei nova é favorável. Quem antes foi condenado e sua pena foi agravada em razão dessa causa, deve agora ser beneficiado com a lei nova. E quem aplica a lei nova mais favorável? Juiz do processo ou tribunal ou juiz das execuções (conforme o caso, como vimos acima nos nossos comentários ao art. 33, § 3.º).

o) Décimo quarto (aumento mínimo do art. 40 mais favorável):

As causas de aumento novas incluídas no art. 40 (e que não constavam do antigo art. 18) só terão incidência de 8.10.06 para frente (ou seja: para crimes ocorridos dessa data para frente). No que diz respeito às causas de aumento de pena que já constavam no antigo art. 18 temos o seguinte: antes o aumento mínimo era de um terço; agora o aumento mínimo é de um sexto. Nos casos em que o réu já tenha sido condenado e o juiz fixou o aumento mínimo (um terço), impõe-se o ajuste para um sexto. Lei nova mais favorável retroage. Nas situações em andamento (processos em andamento relacionados com crimes ocorridos antes de 8.10.06), o juiz já deve levar em conta que o aumento mínimo é de um sexto (não de um terço).

p) Décimo quinto (tráfico ocasional: novo art. 33, § 4.º):

O § 4.º do art. 33 traz uma nova causa de diminuição de pena que não existia antes. Diz o diploma legal: ?Nos delitos definidos no caput e no § 1.º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa?.

No chamado tráfico ocasional a lei nova prevê uma causa de diminuição da pena, que tem incidência retroativa. O juiz ou tribunal deve levar em conta a pena antiga (para os crimes antigos, cometidos até 7.10.06). A nova causa de diminuição da pena incide nos crimes antigos, ou seja, na visão do legislador, o injusto penal (tráfico) praticado por traficante ocasional conta com menor reprovação. Essa diferenciação de tratamento deve alcançar os fatos passados. Mudou a perspectiva do legislador assim como a graduação punitiva do fato. Não há dúvida que tudo isso trouxe benefício para o criminoso. E lei nova mais favorável, sempre deve retroagir. Não pode o juiz, em relação aos fatos antigos, levar em conta a pena nova (de 5 a 15 anos). Nesse ponto a lei nova é mais severa (não retroage). Sintetizando: aplica-se a pena antiga com a diminuição nova.

q) Décimo sexto (benefícios penais cabíveis):

Para crimes ocorridos de 8.10.06 para frente não cabe sursis, graça, anistia, indulto, penas substitutivas etc. (art. 44). Os crimes ocorridos anteriormente (até 7.10.06) contam, entretanto, com tratamento distinto: antes do advento da nova lei, por exemplo, o STF admitia penas substitutivas (penas restritivas) para o caso de tráfico (STF, HC 84.928, rel. Min. Cezar Peluso). Os crimes anteriores devem ser regidos pelo direito anterior, sempre que mais benéfico.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-Geral do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultor e Parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais ? www.lfg.com.br)

Rogério Sanches Cunha é professor da Escola Superior do MP-SP. Professor de Direito penal e Processo penal na Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes Rede LFG e promotor de Justiça em São Paulo.

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