Destino na encruzilhada

Quem já não teve vontade de procurar ajuda milagrosa para resolver problemas? Ou simplesmente buscar informações sobre o futuro nas cartas do baralho? Descobrir se o namorado briguento vai ou não voltar, ou se o trabalho que pretende dará certo?

A curiosidade sobre o futuro e dúvidas a respeito do passado movem a humanidade. E transferem milhares de reais das mãos de clientes ansiosos para os bolsos de sortistas, videntes e milagreiros de plantão.

Não é difícil encontrar um deles. Basta abrir as páginas dos classificados dos jornais e pronto. Lá estão vários anúncios, de “pais” e “mães” de santos, “irmãs”, gurus e afins. Todos prontos a resolver qualquer tipo de problema, desde impotência sexual até desastres financeiros. Alguns garantem que só cobram a consulta e não os “trabalhos” que porventura precisem ser feitos. Outros, só cobram pelos tais “trabalhos” e dão de brinde a consulta. O fato é que todos ganham dinheiro com isso, usando e abusando do imaginário e da fé das pessoas.

A reportagem do Paraná-Online foi conferir como atuam esses videntes, que se dizem capazes de operar verdadeiros milagres. As jornalistas Mara Cornelsen e Bia Moraes visitaram três “mães” e relatam suas experiências. Ambas contaram a mesma história para as videntes: tinham problemas sentimentais com um namorado que as traía com uma colega de trabalho, e queriam saber se o relacionamento daria certo. E ouviram das três uma ladainha parecida, como se fossem histórias decoradas. Confira o resultado.

“Ele te ama mas tá enrolado”

Cinco e meia da tarde e o calor é arrasador. Achei a casa de “Mãe Joana” (nome fictício), dona de um centro de umbanda que funciona há 15 anos em um bairro da periferia. Na frente da residência, um toldo azul indica que ali se lê baralho cigano, tarô e búzios. Uma placa na calçada, escrita a giz, anuncia solução para vários problemas, desde os matrimoniais até os de saúde.

O centro de umbanda fica nos fundos, isolado da casa. A consulta havia sido marcada uma hora antes, por telefone. Não tem campainha e um cachorrinho poodle branco anuncia com latidos a chegada da cliente. Simpática e sorridente, “Mãe Joana” abre o portão de ferro e convida para entrar. É uma mulher de pequena estatura e cabelos pretos, longos. Ela indica o caminho, lava as mãos no tanque de roupas que fica na garagem e me acompanha até o centro.

Uma salão amplo, com imagens de santos espalhadas por todos os cantos, capas bordadas penduradas em um cabideiro, quadros de “preto velho”, velas e uma pequena mesa, na parte dos fundos, onde estão as guias (colares feitos com contas coloridas) e o baralho cigano.

A consulta custa R$ 30,00, pagos antecipadamente. O dinheiro é colocado na mesa e delicadamente empurrado por “Mãe Joana” para o canto.

Ela pergunta meu nome, coloca as guias no pescoço, prende na cintura uma bela saia vermelha, de rendas e babados, com penduricalhos dourados nas pontas. Liga um ventilador, reza um pai-nosso, uma ave-maria e pronto: em menos de três minutos a “Mãe Joana” dá lugar para a “Cigana Sandra”, a entidade que vai ler as cartas.

Destino

Não menos simpática que sua hospedeira, a “Cigana Sandra”, já incorporada, também reclama do calor. Faz perguntas sobre a minha pessoa e demonstra especial interesse em como fui parar ali. Quer saber também se eu já havia consultado outros espíritos. Digo que não enquanto corto o baralho com a mão esquerda, três vezes.

Virando as cartas, uma a uma, a cigana as lê com desenvoltura. Fala de minhas qualidades e garante que se quiser, vou conseguir meu namorado – fictício – de volta. Mas para isso, é necessário fazer um trabalho de descarrego. A cigana acusa minha colega de trabalho de ter dado em cima do meu homem, e assegura que ele é um sujeito muito enrolado, mas que me ama.

A cigana também afirma que com o trabalho que precisa ser feito, caso eu não o queira de volta, terei os caminhos abertos para conhecer outros homens – 21 ao todo! – e achar a pessoa certa para me casar. Diz que vou realizar o sonho de ter uma casa na praia, não sem antes enfrentar dificuldades e encontrar a ajuda de um homem claro, alto, que tem entre 40 e 50 anos, que está próximo de mim e a quem eu não dou bola.

Num segundo corte feito nas cartas, a entidade notou um anel de ouro que uso na mão esquerda e o elogiou. Depois de garantir que minha vida foi “amarrada” com um trabalho feito por um ex-companheiro que não aceitava a separação, elogiou mais uma vez o anel e perguntou se era “de verdade”, ou seja, de ouro. Diante da resposta positiva, disse que se fosse “de mentira” (uma bijuteria) ela iria pedi-lo de presente.

Trabalho

Depois de me deixar fazer algumas perguntas sobre o futuro e dizer que vou ter mais um filho, do sexo feminino, ela ditou uma lista de coisas que preciso levar para fazer o trabalho de “descarrego” e abrir os meus caminhos. Além de velas, mel, rosas e outras coisas, é necessário também pagar R$ 80,00. O serviço é garantido, diz ela. O namorado volta – se eu o quiser de volta – ou encontro outro pretendente. O feitiço que foi feito contra mim no passado será quebrado e tudo se resolverá.

A cigana, com seu sotaque arrastado, numa mistura de português e espanhol, ainda dá alguns conselhos úteis a toda mulher. Por exemplo, não expor demais o seu amor ao companheiro, porque “homem é tudo igual e desfaz da mulher quando tem garantias de que é amado”.

No fim da consulta, com uma bonita oração que fala de paz, amor e proteção, a cigana se despede e vai embora, tão simples e rapidamente como chegou. Tem-se a impressão de que fazer um contato com almas do além é mais fácil e rápido do que conectar a internet.

“Mãe Joana”, já de volta, prolonga a conversa, convida para a sessões espíritas no centro, que acontecem em sábados intercalados, e conta que hoje em dia muitos homens também a procuram para saber da sorte e resolver problemas. Com olhar malicioso, revela secretamente que faz muitos trabalhos para desmanchar mandingas que deixaram homens safados impotentes. “As mulheres descobrem a traição e fazem trabalhos para que eles deixem de ser viris. Aí, quando o negócio não funciona mais, eles correm aqui, para desmanchar o que foi feito”, comenta. Algumas curas e muitos casos de amores resolvidos – com final feliz – também fazem parte do currículo de “Mãe Joana”, que se transformou em uma espécie de socorrista do bairro: “Todo mundo me procura quando tem alguma problema e a gente tenta ajudar como pode”, explica.

Vidente louca por dinheiro

Das três videntes que escolhemos em anúncios de jornal, coube a mim visitar uma “irmã” que diz cobrar dez reais pela consulta e promete resolver tudo em sete dias. Tive azar. Caí nas mãos de uma mulher mais agressiva, que queria arrancar dinheiro (ou jóias) de mim a todo custo, tentando me fazer acreditar que pagar pelo “trabalho” dela era o único jeito de salvar meu destino e “desfazer o mal que me amarrou”.

A “irmã” atende em um apartamento no centro. Cheguei dez minutos antes do horário marcado, debaixo de chuva pesada. “Tadinha, se molhou toda”, diz a vidente, com ar maternal, assim que abre a porta. Com um cigarro nas mãos, pede que eu espere um pouco na sala de visitas, pois está “no horário das orações”.

Tudo no ambiente evoca a palavra “gasto”. O cheiro do tapete, os sofás velhos, a mesinha de canto com uma Bíblia puída, paredes descascadas e um pedaço de plástico tampando o vidro quebrado da janela. Logo a “irmã” aparece e me chama para a sala de consultas.

É uma mulher idosa, baixa e com olhar vivo. Pergunta de cara se eu prefiro baralho, búzios ou borra de café. “Gosto mais das cartas”, respondo, e ela logo dá o preço: vinte reais. Vamos em frente. A vidente quer saber se eu sou casada, se tenho problema no amor, namorado… “Pois é”, respondo, e vou contando a história ensaiada. “Já fui casada, mas era infeliz. Agora, gosto de um cara, estamos juntos, mas desconfio que ele está me traindo com uma amiga do trabalho.”

História

Depois de me pedir para cortar o baralho três vezes com a mão direita, a “irmã” começa a desfiar meu suposto passado, presente e futuro. Com um leque de cartas nas mãos, ela vai repetindo mecanicamente uma história que parece ter sido decorada e já contada centenas de vezes para moças “infelizes” como eu. Coincidência ou não, a “irmã” repetiu quase que exatamente as mesmas palavras que outras videntes haviam dito para minha colega Mara.

“Você é uma moça boa de coração que não quer o mal pra ninguém… já sofreu muito, mas o destino te reserva o amor sincero… sua muito e batalha para ganhar seu dinheiro, mas não consegue ficar rica… você é muito invejada… tem muita gente querendo te ver andar pra trás… já pegaram teu nome e botaram no cemitério… amarraram teu destino, por isso você não consegue ser feliz com esse rapaz… ele também te ama, mas está confuso porque também o nome dele foi posto na encruzilhada e feito trabalho pra separar de você… mas Deus é pai e te trouxe aqui hoje pra eu te ajudar. Porque eu ajo pelas mãos das nossas Mães do céu e das águas… e olha, é uma loira que tá te traindo… falta pouco tempo pra conseguir te desamarrar, depois vai ficar muito difícil.”

Raposa

Conforme ia falando, a vidente ia tirando cartas que pareciam legitimar suas palavras. A “loura que está me traindo” era a imagem de uma raposa. O “trabalho de amarração”, um rato com um pedaço de queijo, e assim por diante.

Acreditando já ter me convencido do meu destino, ela abre novas cartas e começa a prenunciar um futuro cor-de-rosa. Viagem ao exterior, felicidade ao lado do meu amado e dinheiro para abrir meu próprio negócio. Tudo isso, desde que ela fizesse o tal “trabalho” para “desamarrar” meu destino e do meu namorado.

Essa conversa não durou mais do que quinze minutos. Até esse ponto, a vidente falava com voz meiga, num tom protetor, como uma mãe que quisesse ajudar sua filha a sair de uma encrenca. Quando pergunto, porém, o que devo fazer para o tal “trabalho”, a mulher muda o tom. Olha firme para meu anel de ouro, depois bem dentro dos meus olhos, e dispara, ameaçadora: “São 230 reais. Vou fazer dois trabalhos diferentes. E olha, é urgente. Minhas mensageiras já vão hoje mesmo (era uma sexta-feira) comprar as coisas, e vão pras matas, pra serra, pra cachoeira, limpar teu destino”.

Garantia

Respondo que não tenho esse dinheiro todo. Abro minha carteira e mostro: 32 reais. Ela desdenha. “Bom, então você se entenda aí com as nossas mamãezinhas do céu e das águas”, ameaça, apontando as imagens de Nossa Senhora Aparecida e Iemanjá. “Eu, minha filha, sou só a mensageira delas, elas que te mandaram aqui”, lembra. “Pelo menos deixa uma garantia. Você não tem um anel, um relógio? Eu preciso de garantia, vou gastar pra comprar tudo que precisa: velas, flores, taças, champanhe”, insiste a mulher, de novo olhando para meu anel.

É hora de reagir. “Não tenho nada, nem mais dinheiro aqui comigo. Esse anel é da minha mãe. Não vai dar pra fazer hoje.” A “irmã” ainda tenta me convencer de que, sem dinheiro, ficaria difícil fazer alguma coisa por mim.

Antes que ela arranque meu anel com a força do olhar, levanto para ir embora. Digo que volto dali a uma semana, se conseguir os 230 reais. “Faz um esforço lá, vê se arruma o dinheiro antes, se não, vai demorar muito e eu não vou poder te desamarrar”, finaliza a vidente – não sem antes pegar, claro, os meus 32 reais.

Serviço rápido, retorno garantido

Duas horas depois da consulta à “Mãe Joana”, procurei a “Irmã Jandira” (nome também fictício). Ela também lê buzios, tarô e baralho cigano e atende em um antigo casarão, no centro da cidade, que serve ainda de pensão para um grupo de rapazes e de residência para a própria vidente e sua família. O ambiente é escuro. Uma longa escada leva ao primeiro andar do velho sobrado, que não guarda nada do glamour dos tempos de outrora, mas que ainda parece abrigar centenárias histórias. Paredes descascadas. Mobília surrada.

“Irmã Jandira” é uma bela moça – não deve ter mais de 25 anos – com cabelos pretos, longos, que lhe batem na cintura. Brincos, anéis, pulseiras e um sorriso de menina a enfeitam. O corpo é franzino e quase não dá para acreditar que ela já é mãe de duas crianças – fato revelado pela babá, uma jovenzinha que não desgrudava os olhos da tevê instalada na ante-sala, onde os clientes aguardam.

“Irmã Jandira” aparece e convida para ir a uma sala anexa. Reparo na mesa, quadros, velas e uma estante com vários enfeites. Na mesa está apoiado um quadro com a imagem de Santo Antônio, o casamenteiro. Diante do comentário de que ela é muito jovem, “Irmã Jandira” ri e diz que já está acostumada com isso. “Todo mundo acha que vai encontrar uma senhora de meia-idade, gorda e de cabelos grisalhos. Quando apareço, quase não acreditam que sou eu quem leio as cartas”, diz, com simpatia.

Baralhos

Profissional, a jovem não perde tempo. Pergunta que tipo de leitura a cliente quer: “Tem búzios, que custa R$ 10,00; carta cigana, que custa R$ 15,00, e o tarô, de R$ 25,00. Este é mais caro porque é mais difícil de ler, mais completo”, explica ela. Escolhido o baralho cigano e feito o pagamento, a vidente pede que as cartas sejam cortadas com a mão direita, em três partes. Abre-as todas na mesa e rapidamente faz a leitura.

Diz que sou alvo de muita inveja e recomenda que tome cuidado com falsos amigos. Afirma que tudo o que ganho com muito suor perco rapidamente, e que sou infeliz no amor porque me foi feito um trabalho – “dos brabos” – no passado, com mortalha e vela preta, em porta de cemitério.

A recomendação imediata é de que eu faça outro trabalho, para desmanchar aquele que me prejudica. Embaralhando tudo, ela diz que tenho o direito de fazer três perguntas e pede que novamente corte o baralho. Conto a história do namorado fictício e ela diz que ele me ama e que pode voltar para mim, desde que eu desmanche o feitiço que me atrapalha.

Desenrosco

Terminada a leitura, “Irmã Jandira” se empenha em explicar como será feito o trabalho que me libertará dos infortúnios e sugere até que ele acontecesse naquela mesma noite. Era “só” pagar R$ 160,00 reais, que tudo seria providenciado. Não precisava levar nada. Apenas estar presente para assistir o desenrosco, que seria feito por várias entidades espirituais, numa sessão que aconteceria à noite. Expliquei que não dispunha do dinheiro, mas que iria pensar no assunto.

Com um sorriso a jovem vidente se despediu. A consulta custou R$ 15,00 e durou cerca de 15 minutos. Ao sair, tive a impressão de que havia utilizado um serviço 0300, daqueles que você paga um real por minuto de ligação telefônica.

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