Greve e reforma

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou, dias atrás, que a greve do funcionalismo não atrapalha a votação das reformas no Congresso. Acrescentou que o que poderia atrapalhar seria uma greve de congressistas, o que é inimaginável, se bem que são freqüentes os períodos de gazeta de deputados e senadores. A declaração do presidente coloca, desde logo, uma questão que nos parece importante: a da representatividade dos congressistas. Quando pesquisas começam a revelar pontos da reforma da Previdência, em que a maioria dos consultados é contra, a certeza do presidente de que isso nada valerá para mudar a opinião dos parlamentares expõe uma falha nos mandatos eletivos. Se a maioria do eleitorado for contra, contra também deverá ser o Congresso, salvo se obediente ao Executivo e não à vontade popular.

É cedo para se chegar a tão drástica conclusão, pois parece que o presidente da República e seus aliados parlamentares levam a melhor, pelo menos em relação ao funcionalismo que se considera prejudicado e faz greve parcial. O benefício da dúvida salva o conceito de legitimidade parlamentar, pois desmereceriam seus mandatos os que votassem contra o eleitorado. É de se estranhar a declaração presidencial, considerando-se o passado de Lula, a sua luta nos movimentos sindicais. E como líder de trabalhadores fundou um partido e chegou à chefia da Nação. Lula liderou tantas greves, foi perseguido pelos poderosos por liderá-las e acreditou serem elas um instrumento legítimo e eficiente para os objetivos dos trabalhadores. Agora, mofa da greve de um largo grupo de trabalhadores, embora lhe reconheça a legitimidade. Mas não a efetividade.

Em alguns escritórios existe um cartaz impresso que diz: “Não falte ao trabalho porque seu chefe pode desconfiar que você não faz falta”. Uma advertência aos funcionários desleixados e, por isto mesmo, dispensáveis.

Não acontece o mesmo com o funcionalismo em geral, mesmo que alguns possam ser incluídos entre os que não fazem falta. Se na greve dos servidores públicos contra a proposta de reforma da Previdência foram 40% ou 50% dos quadros que pararam de trabalhar, sem dúvida a grande maioria deve fazer falta ao bom funcionamento das instituições governamentais. Isso deveria ser lamentado pelo presidente, que, ao contrário, minimizou os efeitos da paralisação.

Há outra hipótese que, por absurda que pareça, será aceita por muitos brasileiros, cansados de serviços públicos ineficientes e custosos. Quem sabe se é todo o funcionalismo público que não faz falta, ou melhor, o governo que é dispensável? Sem pensarmos no anarquismo, que prega a ausência de governo, digamos que o Brasil funciona mal com governo e funcionaria igualmente mal sem ele. Aí, o funcionalismo seria dispensável, o governo também e uma greve no setor se revelaria de nenhum efeito. A greve do funcionalismo deve ser levada em conta, mesmo que seja para contestar suas razões. Deve ser respeitada como expressão de protesto de uma numerosa classe de trabalhadores que é útil à população na medida em que faz, bem ou mal, funcionar o governo. E acreditar que o que poderia influir numa reforma tão importante como a da Previdência seria unicamente uma inimaginável greve dos congressistas é chancelar uma dissociação entre o povo e seu Congresso, o que põe em dúvida o bom funcionamento da nossa democracia.

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