Governo inaugura 1.ª farmácia popular, promessa de campanha

Brasília, 6 (AE) – Depois de um ano e seis meses de governo, o Ministério da Saúde inaugura amanhã (7) a primeira unidade do Programa Farmácia Popular, em Salvador. Dá o primeiro passo para concretizar uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sob o olhar cético de especialistas em saúde, que desaprovam a idéia.

Além das críticas de consultores, o ministério terá de enfrentar outro desafio: fazer com que o programa, ainda alinhavado em formato de projeto-piloto, seja posto em prática em várias partes do País sem que haja filas ou desabastecimento nas unidades. A julgar por experiências anteriores, a tarefa é difícil. À parte os escândalos colecionados, a gestão da saúde demonstra dificuldades em tirar do papel programas lançados com alarde e plataformas defendidas com ardor.

“A exceção do Farmácia Popular, a gestão do ministro Humberto Costa traz algumas iniciativas adequadas, mas que mostram lentidão em ser implantadas”, constata o consultor de sistemas de saúde Eugênio Villaça. Antigo colaborador da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), ele elogia, por exemplo, a proposta do ministro, feita no primeiro mês de governo, de duplicar o número de equipes de saúde da família até o fim de sua gestão.

Villaça observa que, concentrando esforços na atenção básica de saúde – a que faz a prevenção e o controle de doenças como diabetes, hipertensão, obesidade e desnutrição -, é possível reduzir de forma drástica as internações hospitalares. Uma entre três internações em Unidades de Terapia Intensiva do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorre porque o atendimento ambulatorial foi feito de forma inadequada. “Se essas internações fossem evitadas, o sistema público de saúde teria uma economia anual de R$ 1,1 bilhão”, garante Villaça.

O número das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) foi ampliado, mas numa velocidade bem inferior ao que havia sido inicialmente planejado. Em um ano e meio, o número de equipes subiu 14,87%, um acréscimo de 2.484 grupos de profissionais para trabalhar no programa.

“O índice está abaixo dos 25% anuais previstos, isso é fato. Mas encontramos uma série de dificuldades ao longo do caminho”, afirma a diretora do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Assistência à Saúde, Afra Suassuna. Entre elas, a de atrair médicos para trabalhar no PSF. “Há ainda uma cultura de que médicos especializados têm valor muito maior. E especialistas às vezes relutam em abandonar suas atividades para trabalhar com atenção básica”, justifica Afra.

Precariedade – Para Villaça, porém, as dificuldades têm razões muito mais práticas. “Cerca de 80% dos profissionais trabalham de forma precária, o que gera uma grande insegurança. Poucos são os que se dispõem a deixar os centros ou locais com melhores condições de trabalho para se aventurar em uma atividade que nem mesmo estabilidade proporciona”, comenta.

Afra admite que há ainda um grande contingente de profissionais trabalhando com contratos precários. “Estamos fazendo todos os esforços para mudar esse quadro.”

O consultor lembra ainda que o aparelhamento das unidades básicas é muito inferior ao desejado. “Há a idéia de que basta pintar a casa e entregar aos profissionais. Atenção básica requer aparelhamento, mas para isso é preciso vontade política, concentrar esforços.”

Outro programa que caminha a passos lentos é o De Volta para Casa. O projeto, que tem como objetivo incentivar a “desospitalização” de pacientes psiquiátricos, foi lançado ano passado com metas ambiciosas. Mas somente 350 pacientes são atendidos pelo programa, que prevê o pagamento de R$ 240 mensais para aqueles que deixam os hospitais e vão morar em residências terapêuticas ou retornam às suas famílias.

A lentidão também se manifesta em duas áreas consideradas vergonhas nacionais na saúde: os programas de combate à hanseníase e à tuberculose. A atuação nessa área rendeu ao Brasil críticas contundentes da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mesmo com o pito, o ministério demorou mais de um ano para remodelar a atuação. Somente há poucos meses foi lançado um novo modelo de combate a ambas as doenças.

A dificuldade em agir também pode ser constatada na reformulação da Lei dos Planos de Saúde. Antes mesmo de tomar posse, o ministro Humberto Costa anunciou seu interesse em revisar as regras, que descontentam operadoras de saúde, pacientes e prestadores de serviços, hospitais e médicos.

Uma conferência foi realizada, com várias reuniões em Brasília de representantes do setor. Os encontros terminaram em dezembro, mas, até agora, seis meses depois, a sociedade não sabe quais são as propostas de reformulação.

“Esperávamos mudança na política de saúde suplementar. Mas as experiências acumuladas até agora são frustrantes”, avalia o representante dos clientes no Conselho Nacional de Saúde, Mário Scheffer. “As poucas alterações registradas contemplam os interesses de planos de saúde, não de consumidores.”

“Falta visibilidade” – O ministro Costa tem uma avaliação benevolente de sua própria administração. “O que nos falta é visibilidade social”, afirma. Para ele, as medidas devem ser adotadas com cuidado e sem atropelos. “Não podemos fazer nada de forma açodada”, diz.

O presidente da Frente Parlamentar de Saúde, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), tem outro diagnóstico. O fato de a área da saúde ser associada somente aos escândalos colecionados nos últimos meses se deve à atuação política titubeante do ministro. “Além dos grandes escândalos, a área viveu no governo Lula grandes embates, mas o ministro teve uma atuação pálida, para não dizer inexistente, em todos esses episódios.” Guerra refere-se principalmente a dois debates.

O primeiro ocorreu no ano passado e diz respeito à aplicação do orçamento em saúde. O Ministério do Planejamento incluiu gastos na área social como se fossem na saúde, desrespeitando a Emenda Constitucional 29, que vincula uma porcentagem do Orçamento da União para a área. “O ministro nada fez. Nós, da frente parlamentar, é que nos mobilizamos contra essa manobra.”

Mais recentemente, o problema foi com a mudança nas regras da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). “O ministro mais uma vez mostrou-se inerte. Nós é que tivemos de nos articular para evitar as alterações que prejudicariam a área.”

Voltar ao topo