Encontro de um tempo que não se perdeu

“Quanto ao dia de hoje, monologuei comigo tenho de falar algumas palavras. Lembrei de uma verdade de Mark Twain: um bom improviso demora 10 dias para se escrito. O melhor seria um curto discurso. Veio-me a memória o sábio conselho de Horácio: se vai pronunciar um discurso seja breve e agradará. O difícil é falar pouco do homenageado e de seu pranteado pai. Fui apresentado a Raul Lins e Silva quando me iniciava como um obscuro andarilho dos corredores do Foro. No correr do tempo Raul se destacou como excelente advogado. Nos tornamos amigos, algumas vezes companheiros, em outras, adversários. Assim, me considero em condições de lembrar as virtudes que marcaram sua vida. Trajava-se com simplicidade, sempre com um sorriso sereno nos lábios. Era tranquilo e apesar de aparência branda, dentro daquele corpo magro e esguio, ao defender seus réus, surgia um veemente gigante, sem ser teatral. Possuía poder de persuasão, demonstrando cultura e escorreito linguajar. Foi um vencedor. Amigo dos amigos. Sua coerência de ideias iluminava sua mente. Praticava a solidariedade por amor a ela, sem visar gratidões ou louvores.

Raul e meu pai foram amigos e um dia lhe perguntei como podia ser juiz e, ao mesmo tempo, amigo de advogado militante, obtendo a resposta: “Sou amigo do Raul como fui do Evaristo de Moraes, como sou do seu irmão Evandro, do Romero Neto, do Bulhões Pedreira, do Frederico Marques, do Nehemias Gueiros, pelo singelo motivo de serem portadores de cultura jurídica e, notadamente, de retilínea ética profissional. Quando lhes dou ganho de causa não agradecem, porque ao juiz não se agradece. Quando minhas decisões são contrárias aos seus constituintes, tão somente recorrem isentos de queixumes. Ainda mais, em tempo algum, pessoalmente, me fizeram pedidos sobre o mérito de suas causas”.

Um dos equívocos da natureza foi Raul, prematuramente, ter nos deixado. O ilibado magistrado Raul Celso Lins e Silva tornou mais real o velho adágio: “quem sai aos seus não degenera”. Foi advogado padrão, dono de vastos conhecimentos jurídicos, exerceu seu ofício com reconhecido êxito, ainda que modestamente. O advogado Raul Celso, adquiriu uma fazenda e nos fins de semana e feriados à ela se dedicava, em parceria com sua mulher, Márcia que, citadina, se fez camponesa. Paradigma de magistrado, impoluto, brilhante e corajoso, se distinguiu em sua classe e na dos advogados. A homenagem hoje é pelos 70 anos do Raul Celso, e não por sua aposentadoria compulsória, que não é louvável. Ninguém discorda que ela é um instituto rigoroso: o servidor é retirado de suas funções em sua plenitude. Do princípio do século XX para antigamente ela não existia. Pela autocrítica o magistrado encerrava sua labuta. Mas, as vezes surgia despautério. Em 1909, Nelson Hungria, quintanista da Faculdade de Direito, foi assistir a sustentação oral de Ruy Barbosa no Supremo e se surpreendeu, não pela eloquência e cultura do grande tribuno e sim porque viu entrar no Plenário quatro contínuos carregando duas cadeiras, sentados nelas dois ministros, que deviam estar próximos do centenário, e postos em seus lugares, sob silêncio sepulcral. Em seguida o presidente da Corte dava início aos trabalhos, anunciando os recursos e seus relatores. Proferido os votos destes, eram inquiridos os outros magistrados. Os dois macróbios quando acordados pelos contínuos e depois do susto, de imediato balbuciavam:

– Com o relator, e voltavam a cochilar.

O mesmo acontecia na Suprema Corte de Washington. Na atualidade, na nação do norte, é adotado um sistema que os tribunais do mundo deviam assumir: quando um justice (juiz da Corte) se aproxima dos 80 anos, os demais se reúnem, em Seção Secreta e ponderam se o idoso deve ou não continuar judicando, inclusive, o que está sendo submetido a esta espécie de votação, tem direito a opinar. Nem tanto ao mar nem tanto a terra. Só o jovem homenageado de hoje saberá se vai retornar ao ofício da advocacia ou, com a Márcia, voltar a se dedicar a Fazenda Dianna.

Co,mo quer que seja, aqui ficam as nossas congratulações ao Desembargador Raul Celso Lins e Silva, pelos êxitos que conseguiu, augurando-lhe o máximo de felicidades, extensivas a todos os seus. É o que tinha a dizer.

Saudação de Clemente Hungria em homenagem ao Desembargador Raul Celso de Lins e Silva, pela sua aposentadoria compulsória como Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Clemente Hungria é advogado no Rio de Janeiro e filho do imortal Nélson Hungria, o príncipe dos penalistas brasileiros.

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