Emancipação e casamento à luz do novo Código Civil

Novo mundo, novo século, novas ideologias, novas leis…

Acostuma-se ainda a sociedade brasileira com os ditames legais oriundos da nova legislação civil pátria.

O ditado popular dizia que “de médico e louco, todos têm um pouco”. Nos anos 60 (sessenta), em função das permanentes pendengas acerca do futebol, notadamente no que se referia à seleção brasileira, o “médico” foi substituído pelo “técnico” e o ditado ganhou novo sentido: “de técnico (de futebol) e de louco, todos têm um pouco”.

Desde meados dos anos 70 (setenta), quando a economia brasileira passou a enfrentar uma série de adversidades, expressões como “crise do petróleo”, “dívida externa”, “indexação”, “moratória”, “inflação”, “compra e venda de dólares”, entre outras, tornaram-se parte da rotina de todos os brasileiros. Naquele momento, soluções criativas e milagrosas eclodiram na tentativa de superação das crises enfrentadas pelo país. A partir daí, não mais parecia exagerado afirmar que “de economista e de louco, todos passaram a ter um pouco”.

Esse envolvimento da sociedade brasileira com a economia derivava não somente das dificuldades econômicas que acometiam o país, mas também do fato de que entender um mínimo das “coisas da economia” tornou-se fundamental até para a preservação dos interesses pessoais de cada cidadão(1).

Recentemente, em conseqüência aos primeiros suspiros vitais da nova legislação civil, percebeu-se uma verdadeira explosão no interesse social pela conscientização das alterações decorrentes do novo Direito Civil. Tal anseio é compreendido na medida em que se verifica tratar de diploma legal capaz de afetar diretamente o cotidiano de todos os cidadãos brasileiros. Afirma-se, portanto, que na atualidade, “de jurista e de louco, todos têm um pouco”.

Esse furor social requer especial acautelamento, visto a possibilidade de equivocadas interpretações, capazes de dissipar princípios irreais sobre a extensão de determinadas regras jurídicas.

A necessidade de alterações legislativas decorre, dentre outras causas, da coexistência das normas jurídicas com as normas morais, por exemplo.

Vale ressaltar, por oportuno, que não somente de regras jurídicas vive uma sociedade organizada, havendo clara superposição de outros regramentos capazes de ditar regras e padrões comportamentais no seio social (normas morais e religiosas, entre outras).

Na medida em que a sociedade altera seus padrões morais, exige-se uma imediata adequação dos regramentos legislativos, a fim de evitar um verdadeiro choque entre ambos.

Surge, então, a necessidade da edição de normas jurídicas mais modernas, capazes de acompanhar o desenvolvimento social. Sob esse aspecto, considerando-se a flagrante diferença entre a sociedade do início do século XX e a atual, fez-se imprescindível a criação do Novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002).

O advento de uma nova lei requer cuidadosa interpretação, no sentido de se absorver seu real alcance e significado.

Conveniente, nessa etapa, rememorar as palavras de Josaphat Marinho: “Quando um Código Civil passa a vigorar em substituição a outro, de conteúdo e de tendências diferentes, como no caso brasileiro, maior há de ser o cuidado na sua aplicação, consequentemente na sua exegese, para que não se confundam instituições de caracteres diversos, nem se distingam as de mesma índole só por localizadas em textos distintos e épocas distanciadas. A tarefa de comparar institutos, do texto velho e do novo, é empolgante e tormentosa, porque pressupõe a ciência perfeita dos dois documentos legislativos e capacidade de síntese na revelação de sua substância…”(2)

Embrenhados dessa cautela necessária e fomentadora da boa hermenêutica é que procuramos refletir sobre o aspecto referente à capacidade matrimonial, à luz da nova lei, considerando, para tanto, o instituto da emancipação, em suas mais diversas espécies.

Estatui o artigo 1517, Código Civil, que: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.” (grifamos)

Estipula, portanto, o referido texto de lei, que os jovens que ainda não alcançaram a maioridade civil, para contraírem o matrimônio, deverão obter autorização dos pais ou de seus representantes. Trata-se, como visto, de simples interpretação gramatical (ou literal) da regra legal.

A emancipação, sabe-se, é uma forma de cessar a incapacidade individual. Nesse ponto, vale mencionar que toda pessoa, ao nascer com vida, é detentora da denominada “capacidade de aquisição”, sendo que a “capacidade de exercício” é alcançada durante o transcorrer da vida. Os indivíduos que detém as duas são considerados plenamente capazes.

A gradação da incapacidade refere-se, portanto, à capacidade de exercício (capacidade para exercer, por si só, atos na vida civil), ao passo que a outra (capacidade de aquisição), todos têm, bastando que estejam vivos.

O artigo 5.º, “caput”, Código Civil, estabelece que: “A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.” Percebe-se, portanto, que o legislador fixou para o alcance da maioridade civil, um critério meramente cronológico (dezoito anos completos).

No mesmo artigo 5.º, em seu único parágrafo, aduz o legislador que “cessará, para os menores, a incapacidade…” (grifamos), prosseguindo nos incisos I, II, III, IV e V, com as espécies de emancipação (voluntária, judicial e legal, respectivamente).

Dessa forma percebe-se, portanto, que a emancipação não tem o condão de antecipar a maioridade civil (dezoito anos), no critério adotado pelo legislador brasileiro, sendo, somente, causa de cessação de incapacidade.

A interpretação sistemática e integrativa do artigo 1.517 com o artigo 5.º, ambos do Código Civil e anteriormente expostos, nos remete à conclusão de que, como a maioridade civil somente é alcançada com os 18 (dezoito) anos completos, e, por outro lado, a emancipação somente faz cessar a incapacidade das pessoas, o jovem emancipado por qualquer de suas espécies (voluntária, judicial e legal) para casar, ainda necessita da anuência dos pais ou responsáveis.

O casamento, portanto, constitui exceção à regra de que o jovem emancipado pode praticar, individualmente, os atos da vida civil.

Tal preocupação do legislador é perfeitamente compreensível, na medida em que a família é a célula principal da sociedade, o que requer cuidados especiais e total certeza de discernimento e maturidade por parte daqueles que a querem constituir.

Nesse sentido, portanto, a celebração do casamento de jovens emancipados, sem a natural anuência dos pais ou representantes legais, ensejará a anulabilidade do ato, observando-se o disposto no artigo 171, “caput”, 1.ª parte, Código Civil (“Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico…”) sendo, portanto, passível de anulação, a menos que se convalide na forma prevista no artigo 176, do mesmo diploma, que define “Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente).

Em que pesem valiosas opiniões no sentido de que o matrimônio civil reveste-se de características eminentemente negociais, ou seja, um contrato em que as partes dispõem sobre o relacionamento sexual e o regime de bens, é indisputável, ainda, que a relevância do ato tem natureza essencialmente institucional. Daí, não basta plena capacidade civil decorrente da emancipação para conferir eficácia à declaração dos nubentes. A natureza institucional, ainda que se compatibilize com alguns aspectos negociais do casamento, estabelece norma cogente no sentido de que são exigíveis mesmo os 18 (dezoito) anos completos.

(1) LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia brasileira: fundamentos e atualidade, 2.ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.(2) GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso dedireito civil: parte geral: volume 1, São Paulo: Saraiva, 2002.

Leonardo Pantaleão

é advogado e professor universitário.

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