Nova gestão para países em desenvolvimento

Brasília  – O atual modelo de gestão dos países em desenvolvimento, imposto pelos bancos internacionais à América Latina no início dos anos 90, poderá dar seu suspiro final ainda esta semana. As fórmulas de privatização, abertura de mercados, rigor fiscal e desregulamentação comercial – resumidas no antigo Consenso de Washington – estão sendo substituídas por novas prioridades, entre elas emprego, renda e aumento da produtividade.

Assim está escrito no documento redigido após o encontro que reuniu 14 chanceleres de países em desenvolvimento em Buenos Aires, na última semana. O texto final deverá chegar às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu colega argentino, Néstor Kirchner, durante a visita do brasileiro à capital argentina, a partir desta quarta-feira.

O documento, conhecido como Consenso de Buenos Aires, ainda é mantido sob sigilo. Nem mesmo parlamentares tiveram acesso a ele. Mas sabe-se que o texto tira o foco da fidelidade aos Estados Unidos e aos bancos internacionais de crédito e passa para o primeiro plano as áreas de desenvolvimento social. “Essa é a continuação de um jogo iniciado, por via da mobilização diplomática, pelos países que se uniram contra o protecionismo das nações ricas na reunião da Organização Mundial do Comércio ocorrida em setembro, no México”, avalia Flávio Sombra Saraiva, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, um dos principais centros de estudo diplomáticos do Brasil.

O grupo, que em Cancun abrigava 22 países e ficou conhecido como G-22 Plus, já não se mantém tão unido. Na reunião de Buenos Aires, juntou apenas 14 países, a maioria de latino-americanos, à exceção de China, Egito, Índia e África do Sul. Saraiva define o grupo como um “conjunto de países que não são ricos”, mas com capacidade industrial e de exportação. “Essas nações reivindicam políticas industriais e agrícolas internacionais que levem em consideração as metas de desenvolvimento sustentável desses povos para a geração de riquezas”, explica.

Analistas internacionais, no entanto, apontam o tratado como prejudicial à imagem brasileira. Temem o adiamento dos compromissos financeiros com credores internacionais e, por isso, a penalização social dos devedores. Saraiva não acredita que o Consenso de Buenos Aires chegue a extremos como o de apoiar moratórias a credores como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial ? a exemplo da moratória declarada recentemente pela própria Argentina. Neste caso, o Brasil não se solidarizou diretamente.

Cooperação mútua

Segundo a deputada Maria José Maninha (PT-DF), presidente do Grupo de Amizade Brasil-Argentina, que envolve parlamentares de ambos países, o documento prevê cooperação mútua em projetos e acordos sociais. “Brasil e Argentina, especialmente, traçam novos caminhos para que o Cone Sul ganhe mais força para barrar iniciativas dos países desenvolvidos que têm se revelado nocivas às nações mais pobres”, defende a deputada, também vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) é um dos que pede cautela ao governo. Membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, ele acha interessante o Brasil apoiar a Argentina como parceiro econômico, e até se solidarizar com ela. Mas considera fundamental o País não assumir as mesmas posições do vizinho numa época em que se recupera da queda no índice de credibilidade internacional (risco- país).

“Nossas indústrias são mais fortes, nossa economia também. O melhor ponto do atual governo é a macroeconomia e, nisso, Lula não pode perder autoridade”, avalia Azeredo. O senador reclama por não ter conhecimento formal do Consenso de Buenos Aires, uma matéria ainda obscura no Congresso Nacional. “Nós, da Comissão, temos insistido que o Executivo nos mantenha informados do que será feito. Até agora, só sabemos das coisas na hora de ratificar”, desabafa. Azeredo também participa da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. De fato, o Ministério das Relações Exteriores se esquivou de dar detalhes sobre o texto. Informou ter sido acidental e precipitado o vazamento do assunto para a imprensa.

O economista americano John Williamson, um dos autores do Consenso de Washington, sustenta que o acordo será prejudicial ao Brasil. Em entrevista concedida à BBC Brasil, na última semana, Williamson criticou a equiparação do Brasil com a Argentina nos dias atuais, de fraca credibilidade externa. “Existe pelo um menos um risco de eles pensarem que o Brasil pode mudar a política de continuar a pagar a dívida. E se o mercado internacional tiver essa impressão, isso não ajuda em nada o que Lula tem por fazer”, avaliou.

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