Copom conservador atende aos “apelos” do mercado

O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central decidiu, por unanimidade, reduzir o juro básico da economia (Selic) de 26% para 24,5% ao ano, atendendo a expectativa de diversos segmentos da sociedade, que reivindicavam um corte mais forte na taxa. Trata-se do maior corte promovido pelo BC na taxa básica de uma só vez desde 19 de maio de 1999, quando o juro foi reduzido de 27% para 23,5% ao ano. É também a segunda redução mensal do juro básico. Na reunião de junho, o Copom baixou o juro em 0,5 ponto percentual.

Para justificar o corte da taxa, o BC divulgou comunicado afirmando que a trajetória dos preços permitiram a medida. “As projeções de inflação continuam a indicar convergência para a trajetória das metas. Em razão disso, o Comitê decidiu, por unanimidade, fixar a taxa Selic em 24,5% ao ano, sem viés.”

Deflação

As apostas de uma redução mais ousada no juro cresceram após diversos indicadores de preços apontarem deflação em junho.

O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE, utilizado para monitorar as metas de inflação, terminou junho com deflação de 0,15%. O IGP-M (Índice Geral de Preços ao Mercado), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, teve variação negativa de 1%.O IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP), que mede a inflação da região metropolitana de São Paulo, apontou deflação de 0,16%.

Desaquecimento

A política econômica apertada têm sido o principal fator de desaquecimento não só da inflação mas da economia como um todo.

A produção industrial do país apontou queda de 0,3% em maio na comparação com igual mês de 2002, segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE. O nível de emprego no setor caiu 0,6% em maio em relação ao mesmo mês do ano passado.

E as perspectivas para os próximos meses não são muito animadoras. Sondagem Industrial feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e divulgada ontem mostra que houve uma piora nas expectativas dos industriais com relação ao futuro da economia brasileira.

Entre os fatores que influenciaram a piora na expectativa dos industriais estão a fraca demanda, que dificulta o repasse de aumento dos custos aos preços, a esperada recuperação do nível de atividade que não ocorreu no primeiro trimestre do ano e a queda nas vendas do segundo trimestre.

Segundo a CNI, mesmo que haja recuperação da demanda interna, dificilmente haverá um impacto positivo imediato na produção, em razão da expectativa de elevação no nível de estoque de produtos finais nos próximos meses. Ou seja, a produção só deverá ser retomada após a queima dos estoques. Sem aumento da atividade industrial, portanto, não há expansão no nível de emprego e muito menos na renda.

Além dos juros altos, também contribuem com o desaquecimento da economia os elevados recolhimentos compulsórios exigidos aos bancos pelo BC, o que reduz o dinheiro disponível para crédito no mercado.

Os recolhimentos compulsórios são limites estabelecidos pelo Banco Central sobre os depósitos à vista, a prazo e de poupança que os bancos são obrigados a depositar no BC. Desde fevereiro, o compulsório sobre depósitos à vista está em 68% (sendo 60% sem remuneração). O recolhimento sobre depósitos a prazo está em 23% e sobre poupança, em 30%.

O Copom volta a se reunir nos dias 19 e 20 de agosto.

Juro menor anima investidor

A redução dos juros possibilita que o Banco Central diminua a atratividade do investimento em títulos da dívida pública. Assim, começa a “sobrar” um pouco mais de dinheiro no mercado financeiro para viabilizar investimentos que tenham retorno maior que o pago pelo governo. É por isso que os empresários pedem corte nas taxas, para viabilizar investimentos.

Nos mercados, reduções da taxa de juros viabilizam normalmente migração de recursos para a Bolsa e para o câmbio de moedas.

É também por esse motivo que as Bolsas sobem em Wall Street ao menor sinal do Federal Reserve de que os juros possam cair.

Quando o juro sobe, acontece o inverso. O investimento em dívida suga como um ralo o dinheiro que serviria para financiar o setor produtivo.

Tira ainda dinheiro do câmbio de moedas e do mercado acionário – por que alguém vai correr riscos com ações se tem o rendimento garantido com papéis de títulos públicos?

Selic

Selic é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia, criado em 1979 pelo Banco Central e pela Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto) com o objetivo de tornar mais transparente e segura a negociação de títulos públicos.

O Selic é um sistema eletrônico que permite a atualização diária das posições das instituições financeira, assegurando maior controle sobre as reservas bancárias.

Hoje, Selic identifica também a taxa de juros que reflete a média de remuneração dos títulos federais negociados com os bancos.

A Selic é considerada a taxa básica porque é usada em operações entre bancos e, por isso, tem influência sobre os juros de toda a economia.

Analistas esperavam por queda maior

Olavo Pesch

Empresários e analistas entrevistados por O Estado consideraram conservadora a decisão do Copom. Para a maioria, o reflexo da redução de 1,5 ponto percentual na Selic vai demorar para ser sentido na ponta do consumo. Para que isso aconteça, os representantes das entidades de classe cobram outras medidas do governo federal. O aspecto positivo da redução da taxa de juros, entretanto, é a economia de R$ 5,1 bilhões nos juros da dívida pública.

Na avaliação do presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), José Carlos Gomes Carvalho, a elevação da taxa de juros e o aumento do compulsório dos bancos para 60% foram um “remédio amargo, mas absolutamente necessário no primeiro semestre para derrubar a inflação anualizada, que chegou a 29%”. “O remédio amargo deu certo e a inflação anualizada caiu para 7%, virando deflação nas últimas semanas, por isso o governo tinha espaço para baixar os juros. Esperamos que nos próximos dias o BC mexa no compulsório dos bancos, o governo lance programas de desenvolvimento e o BNDES lance programas de financiamento de médio e longo prazo para reativar a economia, gerando emprego e renda”, espera Carvalho.

O presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), Marcos Domacoski, classificou a postura do Copom de conservadora, já que alguns especialistas apontavam a necessidade de uma queda de 4 pontos para animar o crédito. “Mas é melhor errar pelo conservadorismo, até porque a segunda queda seguida aponta para uma tendência.” Ele projeta que a Selic recue para 20% em dezembro. “Nosso desejo é que o Banco Central também force a queda dos spreads bancários. Mesmo que a Selic seja reduzida para 20% em dezembro, a taxa real de juro será de 68% ao ano para pessoa física e 23% para empresas, se os spreads não caírem.”

Para o presidente do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon/PR), Norberto Ortigara, “a redução tímida é apenas um sinal positivo de tendências, que não vai provocar nenhuma modificação substancial nas expectativas nem no custo do dinheiro para empresas e pessoas”. “Precisávamos de um choque de juros, não só do Copom, mas no custo dos bancos. Quase a metade do custo para descontar uma duplicata é margem de lucro”, critica. Caso a reforma tributária seja aprovada como está, com elevação da carga tributária, Ortigara prevê um recuo maior nas vendas e mais demissões no País.

Médio prazo

Para Emerson de Almeida, gerente da Fair Corretora de Câmbio e Valores Ltda., o recuo de 1,5 ponto abre espaço para reduções mais agressivas nas próximas reuniões do Copom, que permitirão a retomada do crescimento econômico no último trimestre. O analista financeiro Marcelo Martenetz, da SM Consultoria Econômica, salienta que os efeitos da redução na Selic não são imediatos. “O corte demora 3 meses para começar a ter impacto na economia e 6 meses para ser sentido com força. Agora que a alta de 26% está criando problemas, por isso era preciso baixar para tentar salvar o Natal”. Para o consumidor, diz Martenetz, os juros do crédito devem baixar em 30 a 60 dias. “Vai depender da concorrência”.

Lojas antecipam queda do juro

São Paulo

– Grandes redes de varejo saíram na frente do governo e cortaram os juros ao consumidor ontem de manhã, antes de o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciar, no início da tarde, a redução de 1,5 ponto porcentual na taxa básica de juros (Selic). A Casas Bahia, por exemplo, começou o dia com uma promoção de juros pela metade para os eletroeletrônicos, válida só para ontem. A taxa do crediário, de 6,90%, caiu para 3,45% ao mês. No cartão de crédito, o juro encolheu de 2,9% para 1,45% ao mês. Mas, diante do sucesso da promoção, a rede decidiu prorrogar a oferta até sexta-feira.

A empresa informa que o objetivo da redução das taxas foi criar uma promoção com um mote de maior impacto, o juro, no lugar dos preços. De acordo com a rede, a queda nada tem a ver com a redução da taxa Selic.

As redes Eletro e Extra, do Grupo Pão de Açúcar, também fizeram um negócio de oportunidade ao anunciar de manhã corte no juro do cartão, de 2,29% para 1,99% ao mês. A companhia informa que avalia outro corte nas taxas do cartão e uma redução no crediário, depois que o Copom reduziu a Selic.

Já a Lojas Cem optou por esticar o prazo do crediário de 16 para 19 vezes a partir do dia 26. Para cobrir o maior risco de inadimplência do prazo mais longo, aumentou de 5,7% para 5,9% ao mês os juros desse plano. De acordo com o supervisor-geral da rede, Valdemir Colleone, é mais fácil num primeiro momento alongar os prazos. “Não precisa de tanta matemática.” Ele diz, no entanto, que, a depender da reação dos concorrentes e do mercado financeiro, os juros do consumidor poderão recuar a partir de 1.º de agosto. Colleone acrescenta que a sua empresa está estudando uma redução na taxa para durar, e que não se trata de uma promoção, fazendo alusão à concorrência.

A Arapuã, que vende a prazo por meio da Fininvest, pretende cortar as taxas, hoje em 6% ao mês, a partir de agosto, segundo o diretor-financeiro Fábio Marcondes. Ele diz que há sempre uma resistência das financeiras em ajustar a taxa para baixo. “Mas vamos reduzir para buscar volume. Falta negociar o porcentual.”

Outras redes de lojas que não aproveitaram a oportunidade da reunião do Copom para promover as condições de pagamento dizem já ter taxas inferiores à média do mercado e que nos últimos meses andaram reduzindo os encargos financeiros nas compras a prazo.

Esse é o caso do Magazine Luiza. A empresa informa que trabalha com taxas 1,5 ponto porcentual abaixo das da concorrência, e que se antecipou ao Copom ao reduzir as taxas no mês passado. O diretor de Vendas da Lojas Colombo, Marcelo Scarabichi, diz que, desde dezembro, a rede vem cortando os juros, de 6,99% ao mês para 1,99% (móveis) e 3,99% (eletroeletrônicos). “Hoje já estamos abaixo do mercado.”

O diretor do Cartão Carrefour, Eric Cohen, acredita que a redução da Selic irá demorar para ter impacto no custo de captação. Por isso, a rede não vai alterar neste momento a sua taxa de 2,29% ao mês.

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