Cooperativas se destacam na Cidade Industrial de Curitiba

Presidindo uma cooperativa com “mãos-de-ferro”

Das mãos e dos olhos de Julieta Maria Cerri, 59 anos, não passa nada. É ela quem faz o controle de qualidade das peças que são produzidas na Cooperativa das Costureiras da Vila Verde (Coopercostura), na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Analisa uma a uma. Qualquer defeito, mínimo que seja, e a peça volta para a linha de produção.

Dona Julieta sabe que tamanho rigor é imprescindível para que a cooperativa receba mais encomendas, envolva novas pessoas e gere maior renda. E ela, mais do que ninguém, quer que a Coopercostura dê certo: em 2001 deixou outra cooperativa então instalada no bairro, de panificação, e foi atrás de um sonho antigo, o de montar uma estrutura de costura.

“Eu nem sabia o significado da palavra cooperativa. Meu marido fez parte de uma cooperativa agrícola, no interior, mas eu nem me interessava em saber o que era”, conta Julieta, que preside a Coopercostura com mãos-de-ferro, mas com coração de mãe.

Nesses sete anos comandando a cooperativa, ela viu dezenas de mulheres passarem pelo empreendimento. Entravam, ficavam por um tempo e abandonavam o projeto. Das 26 mulheres que fundaram a Coopercostura, em 2001, só restou ela e mais uma senhora.

Também não foram poucas as vezes, principalmente no início, em que precisou tirar dinheiro do bolso para investir no sonho. “Tem pessoas que acham que a cooperativa vai dar um rio de dinheiro, e não é isso. Aqui é uma oportunidade para muita gente que não tem mais idade para trabalhar, que está fazendo tratamento de saúde”, explica.

Aliás, a idéia de criar uma cooperativa na Vila Verde partiu do médico da Unidade de Saúde do bairro, há cerca de dez anos. “Havia muitas mulheres com depressão, pressão alta. Numa conversa com a assistente social, surgiu a idéia de criar uma cooperativa, mas ninguém daqui sabia o que era, como funcionava”, lembra ela.

Experiência

A primeira experiência das mulheres da Vila Verde com o cooperativismo foi a Dipães, uma cooperativa de panificação que deu certo durante um tempo mas que acabou fechando.

“A integração é a parte mais difícil. Uma coisa é trabalhar para alguém; outra, é ser dono. E aqui, todas nós somos donas, cada uma tem o direito de querer ou de não querer uma coisa”, diz.

Unidas por um sonho

Cooperativa das Costureiras da Vila Verde (Coopercostura).

Algumas estão lá por indicação médica, outras para complementar a renda. Independentemente do motivo, as mulheres que hoje fazem parte da Cooperativa de Costura da Vila Verde têm em comum o sonho de uma vida melhor. Algumas estão conseguindo ir até mais longe do que imaginavam.

Caso de Maria Aparecida de Paula, 35 anos, há quatro na cooperativa, separada e mãe de duas adolescentes. Através da parceria da cooperativa com uma faculdade privada, Cida, como é conhecida entre as colegas, conseguiu uma bolsa de estudo para o curso de Administração. Iniciou em 2005, mas teve que abandonar um ano depois, quando se separou e a bolsa, que era integral, passou a ser de 75%.

“Fui obrigada a trancar, mas pretendo voltar em junho do ano que vem quando estiver mais estabilizada”. Batalhadora, Cida sai de casa todos os dias às 5h20. Pega ônibus e segue até a Positivo Informática, onde é auxiliar de produção e recebe salário bruto de R$ 600.

Deixa a empresa às 14h20 e, assim que chega à Vila Verde, vai direto para a cooperativa, onde trabalha até às 18h ou 19h. “Quem quer vencer, tem que lutar”, diz. Na Coopercostura, diz, chega a tirar R$ 500 dependendo o mês. No futuro, pensa em ajudar a administrar a cooperativa.

“Sonho em terminar meu curso, ver minhas filhas formadas e a cooperativa no auge.” Outr,a batalhadora é Benedita Silva, 50 anos, uma das fundadoras da Coopercostura, ao lado de dona Julieta Cerri.

“No começo foi muito difícil, a gente tinha pouco serviço, só consertava. Batalhamos, fomos teimosas”, diz. Com dores no joelho, dona Benedita trabalha na cooperativa cinco horas por dia.

Com 69 anos de idade, dona Maria da Luz Lopes Ferreira é a mais velha entre as cooperadas. Trabalhava como doméstica até que teve que abandonar o serviço para tratamento cardíaco e de osteoporose.

“Eu estava desempregada, doente. Agora, estou 100% melhor”, conta a cooperada, que trabalha das 8h às 13h. “Por mim, ficaria mais tempo, mas o médico não deixa”. Com o dinheiro que recebe na cooperativa, compra remédios e paga algumas contas.

Há quase três anos na cooperativa, dona Cecília da Costa Santos, 56, conta que estava desempregada há dois anos quando foi chamada para conhecer a cooperativa. Como já era costureira, foi bem mais fácil se adaptar ao novo trabalho.

“Aqui é bem sossegado e perto de casa”, diz. O problema, conta, é quando não sobra dinheiro para ser dividido entre as cooperadas no final do mês. O salário médio de R$ 500 do marido pintor não é suficiente para sustentar a família, que inclui filhos e netos.

Período de experiência é muito importante

Para fazer parte da Coopercostura, é preciso antes de mais nada saber o que é uma cooperativa, como funciona – é aí que entra o senhor Sílvio Galdino, engenheiro agrônomo aposentado que há dez anos trabalha como voluntário, assessorando cooperativas da periferia. É ele quem explica, de maneira simples, os princípios do cooperativismo.

Depois de ficar de dois a três meses em período de experiência, a futura cooperada precisa ser aprovada pelo conselho. “É um tempo para ela se adaptar ao grupo e também para o grupo se adaptar a ela”, explica Julieta Maria Ceni.

“Ela tem que conversar, tem que dividir.” Se aprovada, a nova cooperada paga uma cota-parte de R$ 50, valor dividido em dez parcelas. “Quando começamos, não tínhamos um centavo no bolso. Essa cota-parte poderia ser até maior, mas optamos por esse valor.”

Hoje a Coopercostura é composta por vinte mulheres – duas delas em período de experiência -, a maioria com idade acima de 35 anos e muitas com problemas de saúde.

Na cooperativa instalada na sobreloja de um mercado, numa área de aproximadamente 200 metros quadrados, elas medem os tecidos, cortam, costuram, arrematam, tudo em máquinas industriais, a maioria delas doadas pela Bosch, que inclui a cooperativa em um de seus projetos sociais.

O horário de funcionamento da Coopercostura varia conforme o número de encomendas: quando há bastante serviço, a cooperativa abre às 7h e fecha às 19h. Quando há pouco, o horário é das 8h às 18h.

Não sobra

Mesmo com tantas encomendas, muitas vezes a Coopercostura não consegue fechar as contas “no azul”. O aluguel no valor de R$ 480, contas de água, luz, telefone, matéria-prima acabam consumindo todo o faturamento da cooperativa, e o resultado é final de mês sem dinheiro a ser distribuído entre as cooperadas.

“Primeiro pagamos todas as contas. Mês passado, por exemplo, não sobrou nada, foi um desespero. Esse mês, vai sobrar uns R$ 6 mil”, prevê a presidente da Coopercostura. Segundo ela, são os altos impostos que mais pesam nas despesas da cooperativa.

“Pagamos impostos como uma empresa grande. Não somos incluídos no Simples”, reclama. A cooperativa, que conseguiu recentemente a parceria do Banco do Brasil, nunca teve capital de giro.

A fábrica de botões que se transformou

Aliocha Maurício
Cooperativa de Produção Industrial de Trabalhadores da Nova Diamantina Botões.

Quatro anos já se passaram desde que os quase 200 funcionários da antiga fábrica de botões Diamantina Fossanese, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), ocuparam o local.

Com salários atrasados, eles não queriam apenas receber os direitos trabalhistas. Queriam assum,ir a direção da fábrica, trabalhar para reerguê-la, lutavam para transformar a fábrica, que já foi a maior do ramo na América Latina, em uma cooperativa.

Assim surgiu a Cooperbotões – Cooperativa de Produção Industrial de Trabalhadores da Nova Diamantina Botões Importação e Exportação. “Os dois primeiros anos foram os mais difíceis. A gente precisou aprender, na marra, a administrar a fábrica. Foi um desafio para todos”, conta o atual presidente da Cooperbotões Renato Luiz Nunes, que era projetista na época da Diamantina Fossanese.

De empregado para um dos donos, Nunes diz que a principal mudança foi o aumento da responsabilidade. “A responsabilidade agora é muito maior. Essas 150 pessoas dependem da parte administrativa de forma geral”, explica.

Dos quase 200 funcionários que trabalhavam na antiga fábrica, muitos não acreditaram ou não puderam esperar pelo sucesso da Cooperbotões. O resultado é que dos 97 que inicialmente faziam parte da cooperativa, restaram apenas cinqüenta. “Muitos deles voltaram, mas agora como contratados”, explica o presidente da Cooperativa.

Conforme o estatuto da entidade, para que uma pessoa possa se tornar cooperada é preciso que fique trabalhando no local durante dois anos como funcionária, com carteira assinada.

Depois disso, ela decide se quer se tornar cooperada; paga, então, a cota-parte e precisa ser aprovada pelo conselho – hoje há seis pessoas que se tornaram cooperadas dessa forma.

Se não quiser, precisa deixar a cooperativa. Atualmente a Cooperbotões conta com 50 cooperados e 82 funcionários, divididos entre a linha de produção, a manutenção e o setor administrativo.

“Nos dois primeiros anos, como a produção ainda era muito pequena, trabalhavam só os cooperados. Mas como crescemos muito rápido, precisamos chamar mais pessoas”, conta Nunes.

Segundo ele, o período de dois anos é importante tanto para o funcionário – para ter certeza de que realmente quer fazer parte da cooperativa – como para a própria entidade.

Funcionários são antigos

Entre as pessoas que conheceram os tempos áureos da Diamantina Fossanese está o senhor Donizete do Nascimento, 50 anos, que passou praticamente a metade da vida trabalhando na fábrica.

“A produção não parava, era 24 horas por dia”, lembra Nascimento, que acreditou na cooperativa e está lá até hoje, sempre no setor de torno. “Agora, como um dos donos, trabalho com muito mais garra, com mais vontade de crescer e de vencer”, diz Nascimento, que recebe cerca de R$ 900 por mês.

Para Marli Orlandi, 32 anos, o primeiro emprego na antiga Diamantina se tornou também o único. “No começo, pensei em sair, estava muito difícil. Mas agora não. O que mudou de funcionária para cooperada é que hoje sinto mais vontade de trabalhar, o que eu puder fazer pela cooperativa, eu faço”, diz Marli, que trabalha na contagem dos botões, recebe cerca de R$ 970 por mês e tem 15 pessoas sob o seu comando. “Daqui eu não saio mais”, conta.

Outra que viveu a transformação de empresa para cooperativa foi Leila Ferreira, que trabalhava na linha de produção e hoje é vice-secretária do Conselho Administrativo.

Conhece a cooperativa de ponta a ponta, da linha de produção à comercialização, passando pela administração. Ela explica que o que os cooperados recebem não é salário, mas uma antecipação dos lucros.

Outra que está na cooperativa desde o início é Dorléia Silva Davi, 24 anos, que de tele-atendente passou a responsável pelo setor financeiro. “Eu acreditava na cooperativa. Meu pai trabalhou aqui na fábrica durante vinte anos.”

Ícone

“Quando se fala em criar uma cooperativa, as pessoas pensam que basta fazer os procedimentos legais. Elas não sabem que esta é a parte mais fácil. O difícil é entregar empresas nas mãos de pessoas e querer que elas cresçam e se desenvolvam sozinhas, sem qualquer assessoria”.

A declaração é do engenheiro agrônomo aposentado Sílvio Galdino de Carvalho Lima, 80 anos, um dos ícones do cooperativismo no Paraná que se dedica hoje, de forma voluntária, assessorando cooperativas para geração de trabalho e renda ,a pessoas carentes da periferia de Curitiba.

“São pessoas carentes de tudo, sem formação, capacidade, escolaridade. A gente não pode entregar a cooperativa nas mãos delas. Tem que ficar acompanhando durante anos”, diz Galdino. “A cooperativa começa pela busca do dinheiro, mas a idéia é criar condições de progresso”, explica o engenheiro agrônomo que participou da criação da Cooperativa das Costureiras da Vila Verde e até hoje presta assessoria.