ECA, a intervenção na tragédia (IV)

Quando provocado, o juiz da Infância e da Juventude responde positivamente. Quando provocado, através de uma ação civil pública, através de uma ação mandamental, o juiz aqui do Paraná mesmo, quantos casos nós temos de decisão positiva por parte do Poder Judiciário naqueles casos significativos relativos à área da Infância e da Juventude. Então, nós temos que buscar a responsabilidade e aqui quando eu falo de responsabilidade, não é só uma responsabilidade profissional, é uma responsabilidade política, é uma responsabilidade social e ética diante daquilo que está previsto no ordenamento jurídico como conduta, como atribuição específica de cada instituição. Daí eu digo que o Ministério Público tem papel fundamental nesse aspecto porque ele é quem tem a titularidade para propositura de todas as ações destinadas para defesa dos direitos da criança e do adolescente. O promotor de justiça tem dever funcional de promover as medidas administrativas ou judiciais necessárias às garantias das crianças e adolescentes. Se antes do Estatuto nós já víamos, aliás, a área da infância sempre foi muito cara ao Ministério Público, especialmente ao Ministério Público do Paraná, mesmo antes do Estatuto nós já víamos promotores envolvidos com essa questão das crianças e adolescentes. Mas se antes isso se fazia como opção pessoal do agente do Ministério Público, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente isso é dever funcional, é por dever de ofício que o Promotor de Justiça deve acolher as reclamações em relação ao descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e promover as medidas necessárias para a garantia desses direitos.

O que eu queria deixar dito aos conselheiros de direito, aos conselheiros tutelares, é de que procurem o Promotor de Justiça, aliás, há que haver uma interação entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, os Conselhos de Direito, os Conselhos Tutelares, acho que no mínimo uma vez por mês deveria se fazer uma reunião com todos eles, a Defensoria Pública, os órgãos técnicos de atuação da área. Seria ideal que os juízes estivessem presentes na reunião dos conselhos de direito, os promotores, há uma recomendação inclusive, da nossa Corregedoria, no sentido de que os promotores de justiça devem estar presentes em todas as reuniões dos Conselhos de Direito. Quer dizer, se aproximar para saber o que está acontecendo. Nós temos uma experiência extraordinária aqui no Paraná, que é das Promotorias das Comunidades onde os promotores se deslocam para os bairros periféricos das cidades para fazer o atendimento da população inclusive na área da infância e da juventude. Agora no Bairro Alto a última reunião que fizemos foi exatamente para colher manifestação dos pais ou responsáveis de crianças de 0 a 6 anos que estão tendo negado o seu direito de acesso à creche e pré-escola. Essa perspectiva, claro, é uma obrigação do promotor de justiça estar buscando junto à comarca onde ele atua quais são as questões importantes relativas à área da Infância e da Juventude, mas isso pode ser também uma via de mão dupla.

Devem os conselheiros tutelares, devem os conselheiros de direito manter contato permanente com os Promotores de Justiça. Eu sempre digo para os nossos colegas do Ministério Público, nós vamos lá na reunião do Rotary, do Lyons, vamos ao casamento da filha do fazendeiro e eu acho que é uma relação social importante. É necessário que a gente saiba o que os vários segmentos sociais estão pensando, mas nós temos que ir lá na reunião da Associação de Moradores,temos que prestigiar os encontros do movimento de defesa dos favelados, nós temos que estar junto para cumprir esse papel efetivo de legítimo defensor dos interesses da sociedade.

Nós precisamos estar junto da sociedade, saber quais são os anseios e quais são as necessidades dessa mesma sociedade. Procurem o Promotor de Justiça para que a Justiça da Infância e da Juventude possa cumprir com esse papel de materializar os direitos das crianças e adolescentes. Mas eu quero fazer uma observação, que além dos Promotores de Justiça também tem legitimidade para a propositura das ações, essas ações civis públicas, defesa de interesses coletivos e difusos, também as entidades representativas da sociedade civil que possuam nos seus estatutos a previsão de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Qualquer dessas entidades pode também comparecer em juízo para propor uma ação em prol do interesse coletivo e difuso das crianças e adolescentes. Como nós vemos o pessoal já atuando dessa forma na área do meio ambiente, na área do consumidor, é necessário que também se organize a sociedade civil em entidades que possam realizar, também juntamente com o Ministério Público a defesa desses direitos. Na época em que eu estive na Coordenação do Centro de Apoio aqui do Estado, na área da Infância, todas as medidas que nós propúnhamos eram com a assinatura conjunta de 30, 40, 50 entidades também de defesa dos interesses da criança e adolescente e sempre nessa perspectiva de que essas entidades também devem aprender a caminhar com as próprias pernas.

Quando se tem a idéia de um bom Promotor de Justiça atuando na área da Infância e da Juventude numa comarca do interior, o que se quer é que ao mesmo tempo em que o promotor tem uma atuação conseqüente, adequada nos processos, na sua atuação profissional, ele também realize esse trabalho no sentido da organização popular, no sentido de organizar a sociedade no sentido de que no momento em que ele for promovido para outra comarca lá mesmo aquelas pessoas sozinhas tenham condições de dar seqüência a esse trabalho em prol das crianças e adolescentes. As outras observações que eu quero fazer é acerca do Conselho Tutelar e do Conselho de Direito.

Nós temos que entender ambos com espaços de democracia participativa. Cada conselheiro tutelar ou conselheiro de direito, representante da sociedade civil organizada, tem que ter em vista que eles estão lá atuando diante da existência de um novo preceito constitucional que trata da chamada democracia participativa. Não é uma intervenção qualquer, de palpiteiro, não se criou os conselhos para que alguém viesse dar palpites na área da Infância e da Juventude. O parágrafo único do artigo primeiro da nossa Constituição prevê que todo poder emana do povo que o exercerá através dos seus representantes eleitos ou diretamente nos termos dessa Constituição.

A regra de todas as nossas Constituições anteriores era de terminar o comando constitucional no sentido de que todo poder emana do povo que o exercerá através dos seus representantes eleitos. A chamada Democracia representativa. Mas o legislador constituinte de 1988 acrescentou que também o poder pode ser exercido diretamente nos termos dessa Constituição. Eu digo que na área da Infância e da Juventude os espaços, além da possibilidade de intervenção no Legislativo com emendas populares, com propostas legislativas populares, em qualquer nível, na Câmara de Vereadores, na Assembléia Legislativa ou mesmo no Congresso Nacional, a melhor maneira que o legislador do Estatuto encontrou para garantir a participação da sociedade civil na área da Infância e da Juventude foi através da criação desses dois Conselhos. O Conselho de Direitos, nessa perspectiva de que é um Conselho integrado por representantes de órgãos públicos em igual número por representantes da sociedade civil organizada.

Uma composição paritária para um órgão que tem como função formular as políticas de atendimento à Infância e da Juventude e controlar as ações governamentais em todos os níveis. O Conselho de Direitos não é, insisto, não é palpiteiro sobre a política de atendimento à Infância e da Juventude. Não é um órgão meramente consultivo, meramente opinativo sobre a política de atendimento à Infância e da Juventude. É um órgão, como diz expressamente o legislador do Estatuto, é um órgão deliberativo acerca da política de atendimento à Infância e da Juventude. A política formulada pelo Conselho de Direitos vincula o administrador. Quando o chefe do Poder Executivo indica este ou aquele representante para compor o Conselho de Direitos ele tem que ter em mente que aquele seu representante, junto com representantes da sociedade civil organizada é que vão formular a política estatal de atendimento à Infância e da Juventude a que ele passa a estar vinculado. É possível se exigir judicialmente o cumprimento daquilo que está previsto como política traçada pelo Conselho de Direitos. É possível pedir a prestação da tutela jurisdicional, é possível pedir ao juiz da Infância e da Juventude que determine ao poder público o cumprimento daquela política traçada pelo Conselho de Direitos. Que crítica nós podemos fazer? Que infelizmente, ainda, muitos Conselhos sequer formulam política. Aquilo que seria o instrumento legal para a garantia da efetivação dos programas e ações que foram diagnosticados como necessários, sequer consta de deliberação do Conselho de Direitos. Então, a crítica construtiva que eu gostaria de fazer nesse sentido é de que os Conselhos de Direito devem, por óbvio, formular a política e mais que isso, exigir do poder público, se necessário através do Ministério Público ou das entidades representativas da sociedade civil, exigir judicialmente a consecução, a efetivação daquela política que foi traçada. Quanto ao Conselho Tutelar, também fazendo análise apenas absolutamente sintética do motivo da criação e uma análise crítica do seu funcionamento.

A mim me parece que o que falta ainda é que a estrutura da justiça como um todo, esse sistema de garantias como um todo, mas especificamente os próprios conselheiros tutelares reconhecerem o poder que eles possuem. Os conselheiros tutelares reconhecerem o poder que o legislador da criança e do adolescente atribuiu a este órgão para o estabelecimento e a execução das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando se pensou nos Conselhos Tutelares a idéia principal foi a idéia da desjurisdicionalização, de retirar determinados temas do espaço da justiça e passar para um órgão administrativo permanente, autônomo, diz a lei. A idéia é de que determinadas matérias, que ainda não revestidas de conteúdo jurídico, pudessem ser resolvidas administrativamente com a intervenção do Conselho Tutelar.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto

é procurador de Justiça, membro da Comissão Técnica e Científica da Associação de Magistrados Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Paraná e coordenador estadual da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude.

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