Direito e antropologia: uma aproximação necessária

A diversidade cultural é um dos objetos constantes da reflexão humana e, porque não dizer, um dos mais salutares. Historicamente, a forma por meio da qual a humanidade lidou com a diversidade cultural sofreu variações que foram da rejeição à aceitação da diferença cultural. A partir do século XVI, porém, os intensos contatos estabelecidos entre europeus e povos nativos da América, da África e, mais tarde, da Oceania geraram reflexões filosóficas e sistemáticas a respeito da diversidade cultural. Essas reflexões fundamentaram e justificaram o desenvolvimento de uma nova ciência na segunda metade do século XIX, denominada de Antropologia.

Nesse século, a análise antropológica foi influenciada pela idéia de evolução biológica formulada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Essa idéia terá repercussões nas Ciências Humanas em geral e, particularmente, serve de fundamento para os estudos a respeito das culturas formadoras da humanidade. Neste momento, a análise antropológica estabelece uma classificação das diversas culturas humanas segundo estágios pré-estabelecidos de evolução. Lewis Henry Morgan (1818-1881), por exemplo, estabelecerá três estágios distintos: a selvageria, a barbárie e a civilização. Não por acaso, as culturas européias são tomadas como referência para se pensar este último estágio de evolução da humanidade para o qual caminhariam as demais culturas. O europeu é o civilizado. Seu domínio sobre suas colônias na América, na África e na Oceania poderia contribuir para acelerar a evolução dos povos ?atrasados? nativos desses continentes. A colonização européia estaria justificada, tendo em vista a necessidade de integrar à humanidade culturas consideradas pouco evoluídas. A teoria evolucionista do século XIX é, portanto, etnocêntrica ao estabelecer uma hierarquia entre as culturas, afirmando a suposta superioridade das européias em relação às demais. E, de quebra, serve de suporte à dominação colonial européia.

No início do século XX, no entanto, representantes da nova ciência criticam as premissas evolucionistas. Exemplo dessa crítica pode ser encontrado na análise do antropólogo polonês, radicado na Inglaterra, Bronislaw Malinowski (1884-1942). Ele e outros antropólogos desse início de século consideravam que as culturas não poderiam ser pensadas em termos hierárquicos e evolucionistas. Em lugar da análise, sugerem que cada cultura deve ser pensada em seus próprios termos. É o chamado relativismo cultural. Isso não significa dizer que o evolucionismo não encontrou seguidores no século XX. No entanto, foram muito menos numerosos do que no século anterior. Mas é certo que a análise antropológica adquiriu novos contornos ao sustentar as premissas do relativismo cultural. Essas premissas constituem o fundamento para se compreender, por exemplo, a natureza de conflitos internacionais cuja origem está relacionada às dificuldades dos povos em lidar com as diferenças culturais e religiosas que os separam.

No campo do Direito, a reflexão antropológica tem merecido cada vez mais atenção. No entanto, durante muito tempo a chamada Antropologia em geral e a Jurídica em particular não mereceram o devido tratamento por parte dos juristas. Dessa forma, esta reflexão não foi incorporada ao Direito de forma substantiva. A idéia de evolução está, ainda, presente no ensino e na reflexão jurídicos. Com ela, incorpora-se o etnocentrismo e a hierarquização das culturas proposta pela teoria evolucionista no século XIX. E, mais recentemente, leva o Direito a ter dificuldades em lidar com a diversidade cultural existente num país como o Brasil.

A diversidade jurídica expressa a diversidade cultural. Dessa maneira, pode-se observar no Brasil a convivência simultânea de distintos sistemas jurídicos cuja validade é assegurada pelos indivíduos. Exemplo dessa convivência pode ser observado quando se verifica que, no interior de uma cultura indígena, predomina um sistema jurídico próprio, validado pelos membros dessa cultura e que pode conflitar com o Direito oficial. A existência desse sistema jurídico indígena levanta problemas substantivos para o Direito. O recurso à ciência antropológica pode facilitar o trabalho dos juristas na compreensão desses problemas e na proposição de suas prováveis soluções. Por isso, justifica-se a recente introdução da Antropologia na grade curricular dos cursos de graduação em Direito no Brasil.

Por fim, é salutar a atual e crescente aproximação entre a Antropologia e o Direito, pois as contribuições da ciência antropológica à reflexão jurídica se farão sentir na capacidade do Direito enfrentar problemas derivados das características particulares da sociedade contemporânea.

Alexsandro Eugenio Pereira é doutor em Ciência Política pela USP e professor de Fundamentos de Antropologia no Curso de Direito do UnicenP.

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