Direito Ambiental (III – III)

Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, a Conferência da Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, reafirmou os princípios enunciados em 1972. No entanto adicionou a idéia de desenvolvimento sustentável e de uma natureza interdependente e integral da Terra.

Contribuindo para a mudança do paradigma de desenvolvimento existente. Adicionando, ainda, o princípio de que os seres humanos estão no centro das preocupação com o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

A idéia poluidor-pagador, consagrada na Declaração Oficial da RIO/92, insere a teoria do risco-proveito, ensejando transformações na teoria da responsabilidade no direito brasileiro, tornando-se a principal contribuinte para a responsabilização objetiva.

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do homem, com suas características de direitos a serem realizadas e direitos a não serem perturbados.

As normas do Direito Ambiental possuem um caráter fragmentário, dessa forma deve-se ter em vista a efetividade dos princípios constitucionais, servindo-se destes tanto para a compreensão das normas particulares quanto para suprir eventuais lacunas.

A Lei 6.938 de 31.10.81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. O artigo 2º determina que a Política Nacional tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. A Lei assegura a efetividade do princípio da prevenção e formaliza a responsabilidade objetiva, o primeiro exprime a necessidade de se desenvolver, promover e implementar uma ética para se viver forma sustentável. É através do posicionamento preventivo fundado na responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente e não somente pelos danos causados que a responsabilidade jurídica de prevenir decorrem obrigação de fazer ou não fazer.

A responsabilidade objetiva está consagrada no inciso VII do artigo 4º da Lei 6.938/81, determina a imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e ou indenizar os danos causados e ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos. Além de consagrar a responsabilidade objetiva em matéria de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, determina que sem obstar a aplicação das penalidades previstas nesse artigo da Lei de 6.938/81, é o poluidor obrigado, independente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.

Uma das razões da introdução da responsabilidade objetiva nessa área foi o fato de que a maioria dos danos ambientais graves eram e estão sendo causados por grandes corporações econômicas (industrias, construtoras etc.) ou pelo próprio Estado (empresas estatais de petróleo, geração de energia elétrica, prefeituras etc.), o que torna quase impossível a comprovação da culpa concreta desses agentes causadores de degradação ambiental.

A Lei de 1981 deu origem ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Acatando a idéia de que o desenvolvimento sócio-econômico esta estritamente relacionado com um equilíbrio entre os recursos ambientais. Contribuiu, ainda, com a avaliação dos impactos ambientais, através de estudos prévios de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental. Além de propiciar o zoneamento ambiental (artigo 9º inciso II da Lei 6.938/81), que possibilita a limitação de atividades em áreas determinadas pelo poder público. O zoneamento ambiental permite aos governos limitar o uso das propriedades, bem como disciplinar a atividade econômica mantendo o equilíbio ambiental. Essa limitação do direito de propriedade decorre de lei, dos princípios gerais do direito e da própria vontade do proprietário, predominantemente em função do interesse público. A principal importância da Lei 6.938/81 foi que pela primeira vez o ambiente era objeto de proteção, ao ponto de se sobrepor a tradicionais bem jurídicos, como a propriedade privada. Tornando-se o diploma legal básico para o tratamento jurídico do dano ambiental no Brasil.

Por sua vez, a Lei 9.605/98 trouxe diversas inovações ao Direito, tais como a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas e o alargamento da justiça consensual.

No seu artigo 3º a lei prescreve textualmente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. No parágrafo único do mesmo dispositivo, estabelece: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exlui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. A nova legislação prevê, ainda, a aplicação isolada, cumulativa ou alternativa às pessoas jurídicas, das seguintes penas: multa, restritiva de direitos e prestação de serviço à comunidade (art.21).

Todavia, as sanções previstas para as pessoas jurídicas não devem ser interpretadas como de natureza penal, muito embora possam ser aplicadas no juízo criminal. As pessoas morais constituem entidades fictícias, desprovidas de vontade própria, razão pela qual sobre elas não pode recair qualquer juízo de culpabilidade. A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas regra: societas delinquere non potest – remonta a Feurbach e Savigny. Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade natural de ação e a carência de capacidade de culpabilidade. Só se pode censurar alguém, por causa de sua conduta, em havendo liberdade de agir. Censurar é qualificar a conduta. Evidente, pressupões que poderia atuar de modo diverso. A pessoa jurídica desenvolve a personalidade jurídica através de pessoas físicas. Estas sim, dotadas de liberdade, atuam de uma forma ou de outra. A responsabilidade criminal dos entes coletivos não se harmoniza com o garantismo penal, baseado na proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana. Mesmo que se atribua à pena a missão de reafirmar a vigência da norma, numa concepção funcional do Direito Penal, a mensagem da norma, como modelo de orientação para as relações sociais, só pode dirigir-se a pessoa.

No Brasil, a previsão do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada à responsabilidade subjetiva e individual. Raúl Cervini denuncia que: a grande mídia incutira na opinião pública a suficiência dessa satisfação básica aos seus anseios de justiça, enquanto as pessoas físicas verdadeiramente responsáveis poderiam continuar tão impunes como sempre, atuando através de outras sociedades. Ninguém pode ignorar que por traz de uma pessoa jurídica sempre há uma pessoa física, que utiliza aquela como simples fachada, pura cobertura formal.

O que não significa que o ordenamento jurídico, no seu conjunto, deva permanecer impassível diante dos abusos que se cometam, mesmo e principalmente, através da pessoa jurídica. Deve-se, porém, punir com sanções próprias as pessoas jurídicas.

Ocorre que o direito penal não pode abrir mão das conquistas históricas consubstanciada nas suas garantias fundamentais. Por outro lado não há um consenso de que o meio penal, que se fundamenta na culpabilidade, seja o mais eficiente para combater a moderna criminalidade e, particularmente, a delinqüência econômica. O que importa é que exista uma preocupação da caracterização do crime ambiental e não simplesmente o seu afastamento por dificuldades de caracterização, ou, ainda, por existirem dificuldades de caracterizar o seu fundamento. Em suma, a sociedade e o meio ambiente não podem ser onerados em virtude de discussões acadêmicas.

Patrícia Carvalho é advogada em Curitiba, especialista em Direito Tributário, MBA em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e autora do livro Joint Venture Ä Uma Visão Econômico-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial.

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