Critérios para a Valoração das Circunstâncias Judiciais(art. 59, do CP) na Dosimetria da pena (IV)

Dando seqüência aos últimos artigos, passa-se a abordar a terceira circunstância analisada pelo Juiz na fixação da pena-base:

Da conduta social do sentenciado

A terceira circunstância do artigo 59, do Código Penal que, antes da reforma de 1984, era abrangida pelos antecedentes, diz respeito ao comportamento do sentenciado em relação à comunidade em que vive.

Esse exame traduz verdadeira “culpabilidade pelos fatos da vida” (ao invés da “culpabilidade pelo fato praticado”), tão criticada pelos penalistas, mas que tem, por escopo, auxiliar o Juiz na busca da perfeita graduação da censura penal.

Devem ser examinados, nessa ocasião, os elementos indicativos da inadaptação ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade em que está integrado (e não na sociedade que o Magistrado considera saudável ou ideal)(1). Vale dizer: quando o ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não poderá o Juiz exigir-lhe comportamento típico das classes sociais mais abastadas.

É preciso haver uma circunstancialização para que se entenda a forma como o agente se comporta em seu meio.

Aufere-se a conduta social do apenado, basicamente, da análise de três fatores que fazem parte da vida do cidadão comum: família, trabalho e religião(2).

Nestes três campos da vida (familiar, laborativo e religioso), pode-se analisar: o modo de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo ou prestatividade, rispidez ou finura de trato(3), seu estilo de vida honesto ou reprovável(4).

José Eulálio de Almeida(5) leciona que o juiz deve colher da prova produzida nos autos: “…a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (Á) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e freqüenta, com habitualidade, locais de concentração de delinqüentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar.”

No seu dizer, também pode o julgador considerar o trabalho social realizado pelo agente em favor de determinado grupo comunitário, contudo, desde que essa atividade tenha fins sinceramente filantrópicos.

Gilberto Ferreira(6) adota, como critério para a valoração da conduta social, a caminhada de vida percorrida pelo agente. Avalia, com esmero, como comportava-se o agente na condição de estudante, de pai, de trabalhador, de componente da vida social: “…um mau aluno, um pai irresponsável, que deu causa à separação e não paga alimentos aos filhos, ou que se entrega constantemente à embriaguez ou a uma vida desregrada. Um empregado que vive encrencando com seus colegas de trabalho. Uma pessoa insensível que não tem a menor consideração para com o próximo, vivendo à margem da sociedade.”

Deve-se ponderar, todavia, que o uso freqüente de bebida alcoólica, por si só, não justifica valoração negativa da conduta social do agente, pois o alcoólatra é um doente que carece de tratamento(7).

A breve justificativa do Magistrado de que o apenado tem má conduta social porque “se revela perigoso” à sociedade também não é acertada, pois ao agente que se apresenta perigoso, pela probabilidade de voltar a delinqüir, a legislação estabelece a aplicação de medida de segurança(8).

A valoração da conduta social também não se confunde com o exame dos antecedentes. Pode haver casos em que o sujeito com registro de antecedentes criminais tenha conduta social elogiável(9), assim como é possível encontrar situações em que o sujeito com um passado judicial imaculado seja temido na comunidade em que vive.

No enfoque da conduta social, não pode o Magistrado restringir-se a afirmar que o réu “aparentemente não possui boa conduta social”, sem tomar por base minimamente os elementos probatórios dos autos(10). Não bastam meras conjecturas(11), é necessário que se ponderem as provas, geralmente orais, produzidas nos autos: a palavra das testemunhas que conviveram com réu (inclusive das abonatórias), eventuais declarações, atestados, abaixo-assinados, etc(12), que demonstrem um comportamento habitual. A constatação de um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente.

Notas:

(1) Fernando Galvão, Aplicação da Pena, Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 147.

(2) Maurício Kuehne, Teoria e Prática da Aplicação da Pena, 4.ª ed.,Curitiba: Juruá, 2003, p. 61.

(3) Francisco Vani Bemfica, Da Lei Penal, da Pena e sua Aplicação, da Execução da Pena, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 92.

(4) Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, 14.ª ed., Rio de janeiro: Forense, 1992, p. 322.

(5) José Eulálio Figueiredo de Almeida, Sentença Penal, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 74.

(6) Gilberto Ferreira, Aplicação da Pena, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 86.

(7) Alberto Silva Franco, Código Penal e sua Interpretação Judicial, 7.ª ed., São Paulo: RT, 2001, p. 1053.

(8) Fernando Galvão, ob. cit., p. 147.

(9) Ismair Poloni, Técnica Estrutural da Sentença Criminal, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 186.

(10) TJ-PR, 2.ª Câm. Crim., Apelação Criminal 64.501-6, Rel. Juiz Conv. José Maurício Pinto de Almeida, DJ 22/11/99

(11) Alberto Silva Franco, ob. cit., p. 1054.

(12) José Antonio Paganella Boschi, Das Penas e seus Critérios de Aplicação, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.210.

Juliana de Andrade Colle

é advogada criminalista, professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Curitiba e no Curso Jurídico (
julianacolle@onda.com.br).

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