Corporativismo e autodestruição

Está praticamente no fim a legislatura ferreteada de forma indelével pelo signo da podridão moral e ética, que alguns de seus componentes assumiram sem o menor respeito ao comportamento exigido dos eleitos pelo voto popular para a importante função de legislar. O que se viu no período 2003-2006 foi um ataque feroz desfechado contra os resquícios da honradez por elementos postados no lado de dentro das trincheiras, tornando ainda mais letal o processo de autodestruição.

Como nunca, o Congresso Nacional sofrera desgaste semelhante ao verificado nos últimos anos e, quando todos esperavam uma reação à altura dos malefícios trazidos à luz pela exposição nua e crua de fatos escabrosos perpetrados por não pequena quantidade de parlamentares, especialmente na Câmara dos Deputados, lançou-se ao rosto da cidadania – mais uma vez – o blandicioso resultado dos acertos de sacristia, do é dando que se recebe, enfim, o rasteiro expediente cevado pelo corporativismo encravado nos gabinetes parlamentares.

Muitos se esforçaram para que os faltosos fossem exemplarmente punidos pelos péssimos exemplos dados, mas, apesar de tudo, o trabalho realizado pelas comissões de inquérito e Conselho de Ética e Decoro Parlamentar não teve o desfecho aguardado. Vários deputados envolvidos no escândalo do mensalão escaparam, em votações secretas realizadas no plenário, da cassação dos mandatos e foram reeleitos. O mesmo ocorreu com dois que renunciaram antes do julgamento no Conselho de Ética.

Prova robusta do liame corporativista que amalgama o baixo clero deu-se na procrastinação do julgamento do deputado José Janene (PP-PR), salvo da degola na hora undécima, à custa de infindáveis recursos sempre acatados ou atestados médicos apresentados pelo acusado de sacar R$ 4,1 milhões da cornucópia oferecida à base governista por Marcos Valério de Souza.

A CPMI dos Sanguessugas, por sua vez, chegou ao término pedindo o indiciamento de dez pessoas, dentre as quais os ?aloprados? Gedimar Passos, Valdebran Padilha, Hamilton Lacerda, Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas e Expedito Veloso, acusados de formação da quadrilha que tentou comprar um dossiê contra o tucano José Serra, então candidato ao governo de São Paulo. Todos integravam os círculos diretivos das campanhas de Lula ou Aloizio Mercadante. Em fase anterior, a CPMI havia indiciado 69 deputados e três senadores, esses inocentados pelo próprio Senado.

O senador Amir Lando (PMDB-RO), alegando não dispor de elementos necessários, não incluiu no relatório final os nomes do ex-presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini, e do assessor especial de Lula, Freud Godoy, citado nos depoimentos dos assessores de campanha como autor intelectual do ?dossiêgate?.

Nesses termos, nada é conclusivo, e o dilema avulta pelo fato de a Polícia Federal sequer ter descoberto a origem do R$ 1,75 milhão, apreendido em poder de Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Ao contrário, tudo está encoberto pelo véu da dissimulação e da dúvida. Pior, o cidadão comum fica com a impressão de que as coisas aconteceram por acaso, numa sucessão de coincidências fortuitas e atos canhestros dignos de personagens de romance policial de quinta categoria.

Numa versão ainda mais descabelada: a culpa pela inflação da problemática é da imprensa, que não consegue dar nenhuma notícia boa em relação ao governo…

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