Pará é epicentro de conflito agrário

Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
Integrantes do MST no plenário da Câmara, ontem: nenhuma indenização até hoje.

 O massacre de Eldorado dos Carajás, que há 10 anos causou a morte de 19 trabalhadores rurais sem terra e deixou 69 feridos, após confronto com a Polícia Militar às margens da rodovia PA-150, encontra no Pará combustível suficiente para gerar novos conflitos violentos por terra. Atualmente, as atenções se voltam para a ocupação na fazenda Peruano. Há dois anos, 540 famílias ocupam as terras que fazem parte dos 11.600 hectares da propriedade, considerada o novo epicentro dos conflitos agrários no Pará.

A reivindicação é que o governo desaproprie as terras. Em 2003, o dono da fazenda, Evandro Mutran, foi autuado por manter 54 trabalhadores em condições análogas a de escravo. Os sem terra alegam que parte da fazenda é terra da União. Dos 11,6 mil hectares, "queremos todos, porque é uma fazenda que tinha trabalho escravo. Estamos nesses quatro mil hectares, mas lutamos pela conquista do todo", afirma o coordenador do MST no Pará, Ulisses Manacás.

Este ano, em retaliação ao despejo de 600 famílias acampadas na fazenda Rio Vermelho, os sem terra atearam fogo na sede da fazenda, no laboratório de inseminação artificial de gado e na casa do gerente Nelson de Sá. O prejuízo estimado é de R$ 5 milhões. Manacás diz que, "de fato, não é melhor forma de conseguir o que queremos. Existem melhores formas, mas decidimos e fizemos". Marcelo Souza, que também faz parte da coordenação do acampamento, diz que a ação "foi decisão do povo, porque a terra é improdutiva, tem crime ambiental e Eldorado dos Carajás não conseguiu ainda ver a cor da carne dessa fazenda. Então o povo tomou atitude para entrar na história."

Segundo Souza, o MST não teme a polícia e novas ações poderão ocorrer. "O movimento temerá mais a miséria que a morte. O povo cansou dessa repressão. Se é pra ser todo o tempo pisado, é melhor nem existir".

Sobre a destruição da fazenda, Ulisses Manacás diz que o MST "condena o ato, mas assumimos responsabilidade por ele, sabendo que isso vai ter conseqüências difíceis, porque a sociedade não permite". Ele conta que, na maioria dos casos, "expulsamos quem comete depredação, destruição de plantação ou matança de gado. Essas atividades são abominadas".

No entanto, diz, no caso da fazenda Peruano, os líderes não foram expulsos. "Estamos em processo de debate. Primeiro estamos identificando quem foram os que estimularam a ação, para poder tomar as medidas cabíveis", afirma o coordenador do MST no Pará. A coordenação do MST nega a autoria do sacrifício do boi. "Até hoje dizemos que não foi uma ação do MST. Naquela região tem muita quadrilha de roubo de gado, nenhuma investigação levou a dizer que fomos nós. Nada, nada, nenhuma família nossa assumiu a responsabilidade por isso. Não houve nenhuma ação nossa", afirma Manacás.

Na Câmara, movimento pede justiça

Brasília (ABr) – Os dez anos do massacre em Eldorado dos Carajás (PA) foram lembrados ontem durante sessão solene realizada pela manhã na Câmara dos Deputados. Em 1996, 19 trabalhadores foram mortos e 69 ficaram feridos em um confronto com a Polícia Militar. Marina dos Santos, uma das coordenadoras do MST, participou de sessão solene na Câmara e disse que há um sentimento de indignação pelo "clima de impunidade". Ninguém está preso pelos assassinatos.

Em setembro passado, o ex-comandante da Polícia Militar do Pará Mário Colares Pantoja obteve no Supremo Tribunal Federal relaxamento de sua prisão. Condenado a 228 anos de prisão pelo massacre, Pantoja aguarda em liberdade o julgamento de seus recursos. "Clamamos por justiça e que todos sejam punidos. Não só o comandante da operação", disse Marina.

A coordenadora também reclamou da falta de assistência oferecida aos sobreviventes do massacre. Segundo ela, não há nenhum tipo de política pública no estado do Pará para atendimento a essas pessoas. "Ainda há pessoas com projéteis, com balas no corpo e sofrendo todo tipo de abandono, sem condições de trabalho produtivo e não há nenhuma política pública por parte do estado atual do Pará de atendimento a essas famílias. Nenhuma família foi indenizada até hoje", afirmou Marina.

A coordenadora do movimento também disse que os trabalhadores vão continuar pedindo ao governo o assentamento de 170 mil famílias e que seja regulamentada portaria sobre índices de produtividade. Os atuais índices de produtividade utilizados para determinar se uma área está ou não apta a ser desapropriada foram estabelecidos em 1980, a partir de dados estatísticos de 1975. "Continuaremos ocupando os latifúndios que estão improdutivos e continuaremos até o fim do governo Lula, independente da reeleição, cobrando para que faça assentamentos das famílias acampadas e atualize os índices de produtividade", destacou.

MST invade 10 fazendas no Paranapanema

Sorocaba, SP (AE) – Integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) invadiram 10 fazendas na madrugada de ontem, no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São Paulo. A ação, do grupo ligado ao líder José Rainha Júnior, serviu para marcar os 10 anos do massacre de sem terra, em Eldorado dos Carajás (PA). Foram mobilizados mais de mil militantes na ação que eles chamaram de "uma ocupação para cada ano de impunidade".

Os sem terra programaram uma série de protestos em todo o País para lembrar o caso. ontem, no local do massacre, a Curva do S, na rodovia PA-150, entre Eldorado dos Carajás e Marabá, no sul do Pará, foi realizado um ato de protesto para o qual participaram pelo menos dez mil pessoas, segundo a direção estadual do MST.

O secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, participou da manifestação, representando o governo federal. Além de Eldorado dos Carajás, ocorreram protestos contra o Judiciário em várias capitais, entre elas Belém, Brasília, São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. Os manifestantes pediram punição para os responsáveis pelo massacre, já que, decorridos dez anos, ainda não existe nenhuma sentença definitiva sobre o caso e nenhum dos acusados se encontra preso.

Para protestar, MST ocupa reflorestamento na Bahia

Salvador (AE e ABr) – Em mais uma ação contra o projeto de plantio de eucalipto, cerca de dois mil trabalhadores rurais ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam desde domingo uma fazenda de 975 hectares, da Suzano Papel e Celulose, no município de Teixeira de Freitas, extremo sul da Bahia. Para montar o acampamento, os sem terra arrancaram centenas de mudas de eucalipto. Pelo menos 300 barracas de lona e plástico preto foram montadas no local.

A invasão faz parte dos eventos relacionados com os dez anos do massacre de Eldorado dos Carajás, mas os sem terra baianos estão aproveitando para reivindicar a posse da propriedade da Suzano, alegando que a empresa adquiriu a área enquanto tramitava o processo de desapropriação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

As lideranças do MST repetiram as acusações segundo as quais os projetos de floresta plantada dos grandes grupos de celulose diminuem as áreas de plantio de gêneros alimentícios. Por isso resolveram substituir o eucalipto da fazenda por plantações de feijão e milho. A direção da Suzano garantiu que as terras são produtivas e que já solicitou à Justiça a reintegração de posse.

Saques em Pernambuco

O MST de Pernambuco saqueou dois caminhões carregados com massas em São Lourenço da Mata, município metropolitano de Recife, e bloqueou cinco trechos de estradas federais para marcar os 10 anos do massacre de Carajás.

Ministro afirma que massacre envergonha, mas serve de lição

Porto Alegre (AE) – O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, reafirmou ontem a meta do governo de assentar 400 mil famílias em quatro anos, apesar da demora na votação do orçamento de 2006, que compromete os investimentos da pasta. "Isso nos preocupa muito", disse Cassel, sobre o impasse na votação da proposta orçamentária.

Sobre o massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 sem terra foram mortos por policiais militares, Cassel afirmou que o episódio "envergonha, mas serve de lição". O MDA terá R$ 900 milhões para obtenção de terras, mas deverá negociar uma suplementação de mais R$ 1 bilhão. Apesar da meta "ambiciosa" de chegar a 400 mil famílias em quatro anos, o governo sabe que esse número não resolverá todos os problemas da reforma agrária, disse Cassel.

Missa no Paraná

No Paraná, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promoveu ontem, nos assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu, a 380 quilômetros de Curitiba, a comemoração dos dez anos de invasão de parte das terras da empresa Giacometti Marodin. A ação dos trabalhadores paranaenses, que resultou no abrigo de 1.498 famílias, aconteceu no dia 17 de abril de 1996, mesmo dia do massacre de Eldorado dos Carajás, que deixou como saldo 19 trabalhadores mortos por policiais militares no Pará. Para relembrar Carajás, o MST optou por uma movimentação pacífica. Hoje, às 19h, em Curitiba, será celebrada uma missa em homenagem às vítimas, marcando os dez anos da tragédia. A celebração acontece na Catedral Basílica, na Praça Tiradentes.

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