Por que saiu

“Não fui ministro da covid, fui da Saúde”, afirma Nelson Teich sobre saída da pasta

Foto: Marcello Casal / Agência Brasil

Ministro da Saúde por menos de um mês, até o dia 15 de maio, o médico Nelson Teich comentou neste domingo (24) a crise gerada pelo coronavírus no Brasil. Em entrevista à Globo News, ele disse que teve divergências com o presidente Jair Bolsonaro na gestão da saúde. “Isso era público. Mas eu sempre sentei e conversei por mais difíceis que fossem as conversas”, afirma o ex-ministro que pediu demissão.

Segundo Teich, como ministro da Saúde, ele precisou “olhar para o todo”. Ele também diz que não é possível mensurar o impacto que o coronavírus trará em longo prazo para outras doenças.

“São 23 mil mortes [por coronavírus no Brasil]. Isso é horrível, um sofrimento. Mas eu não fui ministro da Covid. Fui ministro da Saúde. No Brasil, devem ter morrido 500 mil pessoas [de todas as causas]. Então tenho que chorar por isso. Eu não posso deixar de ver as outras coisas. A redução de cirurgia oncológica foi de 70%. A quantidade de não encaminhados à radioterapia foi de 40%”, afirmou.

Cloroquina

Teich afirmou que a insistência do presidente Bolsonaroem mudar o protocolo da cloroquina teve peso em sua saída. Tanto que um dia após a saída do ministro, o Ministério da Saúde mudou o protocolo da cloroquina. Mas garante que não foi pressionado para assinar a mudança.

LEIA MAIS – Para Moro, mudança na PF reforça que Bolsonaro esvaziou agenda anticorrupção

“Por mais problema que eu tivesse com ele [o presidente], não teria como me pressionar. Até porque eu não iria aceitar. E a opção por antecipar o uso [da cloroquina para pacientes com sintomas leves e moderados] é uma escolha. O presidente achava melhor antecipar. E eu achava que não, porque não há dado efetivo [sobre eficiência do medicamento]”, afirmou.

E foi além: “Não dá para deixar essa decisão na mão do médico”, disse. Para Nelson Teich, a partir do momento em que a cloroquina foi “autorizada” por conselhos de Medicina para uso médico em casos de covid-19, seria a “mesma coisa que recomendar”.

Pelo fato de não haver uma pesquisa que comprove a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina, o atual momento é para que o Ministério de Saúde e conselhos de medicina revejam suas políticas, na avaliação de Teich. Ele defende que a revisão é necessária devido a um estudo publicado sexta-feira (22) com 96 mil pacientes hospitalizados, que aponta maior risco de mortalidade nesse público, e de arritmias cardíacas, em comparação às pessoas que não receberam as substâncias.

“Tem vários estudos acontecendo. Eu acompanhava semanalmente. No Brasil devemos ter uma resposta em duas semanas e da OMS (Organização Mundial da Saúde) teremos em meados de junho”, defendeu.

Polarização

O ex-ministro lembrou que assumiu a pasta em um período em que a maior polêmica não era a cloroquina. “Era sobre isolamento social. E eu sempre falei pouco para evitar mais polarização. O silêncio veio para não piorar a polarização”, disse.

Durante a entrevista, Nelson Teich evitou criticar diretamente o presidente Jair Bolsonaro e dizer se é a favor do isolamento horizontal ou vertical. “Eu sou é a favor de um isolamento mais seletivo”, afirmou. Nesse sentido, deixou claro que não há critérios claros do que são ou não serviços essenciais.

LEIA MAIS – Presidente do STF, Dias Toffoli está internado com suspeita de covid-19

“Tem que ter um critério mapeado, inclusive sobre o que é um hospital de campanha. Estética é essencial? Não sei. Mas hoje não tem diagnóstico de câncer. Isso é essencial. É preciso critério. Planejamento”, criticou.

Ele relembrou que as decisões do isolamento social, atualmente, são dos governos estaduais e prefeituras – algo decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contrariando a vontade de Bolsonaro. E chegou a ficar irritado ao dizer que estava tomando cuidado para que não “se coloque a culpa no presidente”. “Ele está preocupado com as pessoas. Mas a forma de comunicar é ruim”, avaliou.

Economia

Segundo o ex-ministro, inicialmente havia o alinhamento com o presidente sobre a discussão da continuidade econômica. “A área da saúde cuida da economia também. Um erro é que se tratou economia como dinheiro, e não como vida”, afirmou.

Nesse sentido, Teich tentou lembrar uma “lição de administração comum”: o custo de oportunidade. “Quando eu digo que estou alinhado, é porque trato economia como gente, e não como dinheiro. O problema da economia é que, quando se toma uma decisão, somente se olha a o lado bom, e não olham para as perdas”, avaliou.

Em vários momentos da entrevista na Globo News, Teich se irritou com as perguntas. Falou que sua gestão foi sempre foi com base na “compaixão”. “Eu estive na linha de frente nos hospitais. Quando chega na sala dos pacientes mais graves, o ar é diferente. Você ver aquilo é algo muito diferente”, comentou, lembrando suas visitas a Manaus e ao Rio de Janeiro, duas das cidades mais atingidas pelo coronavírus.


A Tribuna precisa do seu apoio! 🤝

Neste cenário de pandemia por covid-19, nós intensificamos ainda mais a produção de conteúdo para garantir que você receba informações úteis e reportagens positivas, que tragam um pouco de luz em meio à crise.

Porém, o momento também trouxe queda de receitas para o nosso jornal, por isso contamos com sua ajuda para continuarmos este trabalho e construirmos juntos uma sociedade melhor. Bora ajudar?