Arma de fogo: mais uma prorrogação da ?anistia?

g11.jpgOs possuidores de armas de fogo (isto é, quem tem arma de fogo em casa ou em seu local de trabalho, sendo dele proprietário), por força da Medida Provisória 253/2005, acabam de ser beneficiados (aliás, pela terceira vez) com uma espécie de ?anistia? que assegura a total irresponsabilidade penal.

Vamos recordar: no Estatuto do Desarmamento três foram as ?anistias? contempladas:

(a) no art. 30 aparece a primeira modalidade de ?anistia?? em relação às armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: podem seus proprietários solicitar o registro, livrando-se da responsabilidade criminal;

(b) no art. 31 acha-se a segunda espécie de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: caso não queiram registrar a arma, podem entregá-la para a Polícia Federal, a qualquer tempo, mediante recibo e indenização;

(c) no art. 32 foi contemplada a terceira forma de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas (e adquiridas licitamente ou não): podem entregar a arma (de uso permitido ou restrito, porque a lei não distingue) para a Polícia Federal, mediante recibo e, presumida a boa-fé, poderão ser indenizados.

Tais anistias, sempre é bom frisar, só beneficiaram os ?possuidores? de arma de fogo, leia-se, quem possui arma em sua residência ou em sua empresa (nesta última hipótese, só o proprietário desta é que foi contemplado). Não se pode confundir posse com porte de arma: a posse (em residência ou empresa) está anistiada; já o porte (arma fora da residência ou da empresa) não conta com nenhum favor legal.

Entre castigar penalmente quem se encontra com arma ilegal em sua residência ou em sua empresa (sendo dela proprietário), de um lado, e, de outro, estimular o seu possuidor e proprietário a registrá-la ou entregá-la para a Polícia Federal, para efeito de sua destruição (art. 32, parágrafo único, da citada lei), a preferência vem recaindo sobre a última conduta.

Durante seis meses, contados da edição do regulamento da Lei 10.826/03, vigoraram as ?anistias? acima descritas. Só nesse período, mais de 200 mil armas foram recolhidas pelo Estado. Essa anistia expirou-se em 23 de dezembro de 2004.

Por força da Medida Provisória 229, de 17 de dezembro de 2004 (art. 5.º), foram prorrogados os prazos previstos nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03, tendo por termo final o dia 23 de junho de 2005. Em outras palavras: até essa data vigoraram as ?anistias? dos arts. 30 e 32 (recorde-se que a do artigo 31 não tem nenhum limite temporal).

Na data de 23 de junho de 2005 publicou-se nova Medida Provisória (253/2005), com o seguinte teor: ?Art. 1.º. O termo final do prazo previsto no art. 32 da Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003, fica prorrogado até 23 de outubro de 2005. Art. 2.º. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação? (D.O.U. de 23.6.2005).

Comparando-se essa segunda Medida Provisória com a primeira, nota-se uma clara diferença: enquanto esta prorrogou os prazos dos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003, a mais recente (MP 253/2005), só cuidou do art. 32. Em outras palavras: até 23 de junho de 2005 os possuidores de arma de fogo adquirida licitamente tiveram a chance de registrá-la sem nenhum problema. Essa possibilidade acabou. A nova ?anistia? só favorece agora a entrega da arma de fogo à Polícia Federal, pelo seu possuidor. Trezentas e quarenta mil armas já foram arrecadadas (até junho de 2005). O governo quer atingir a meta das 500 mil armas, que serão totalmente destruídas. Daí a prorrogação da ?anistia? (do art. 32) até o dia 23 de outubro de 2005.

Em termos práticos: ninguém pode ser preso ou processado por ter arma ilegal em casa ou na empresa (sendo o seu proprietário). Todos esses possuidores contam com o direito de entregar tais armas para a Polícia Federal até o dia 23 de outubro de 2005, porque a anistia do art. 32 do Estatuto do Desarmamento foi prorrogada mais uma vez.

Novamente estamos diante de um benefício penal concedido por Medida Provisória. E isso é possível? Sem sombra de dúvida sim (STF, RE 254.818-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Medida Provisória não pode criar crime nem pena. Não pode prejudicar o réu em absolutamente nada no âmbito criminal (CF, art. 62), mas favorecer pode. Aliás, para favorecer o réu, em Direito penal, admitem-se inclusive a analogia e os costumes.

Toda Medida Provisória, em suma, que cuide de matéria que afete de alguma maneira o ius puniendi, em benefício do réu, conta com respaldo constitucional. Nada há de anormal ou irregular nisso. Em Direito penal sempre prevalece o princípio do favor rei. De outro lado, por força da teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni, o que está autorizado ou fomentado por uma lei não pode estar proibido por outra.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente do IELF PRO OMNIS: 1.ª rede de ensino Telepresencial da América Latina. www.proomnis.com.br

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