Aproveitar a onda

Para quem até há pouco tempo pregava a moratória ou um calote para valer no Fundo Monetário Internacional e nos demais credores estrangeiros, o governo Lula tomou uma atitude que é surpreendente. Pagou por antecipação a dívida com o FMI. Grata surpresa em especial para o próprio Fundo, que passa a nos ver como um mutuário melhor do que a encomenda.

O atual governo tem duas linhas distintas e paradoxais. Enquanto na área econômica, ou melhor, financeira, pois o ministro da Fazenda Antônio Palocci, que a conduz, trata quase que exclusivamente de assuntos de dinheiro, impostos, dívidas, etc., há uma linha conservadora ou, como diria a esquerda arrependida, neoliberal, ortodoxa, na área política está havendo uma encenação ?chavista?, um salto para a esquerda populista. Estamos nos entregando à idéia de uma América Latina una, desfilando de bandeira vermelha sob a liderança de Hugo Chávez ou de Lula, talvez sem a foice e o martelo. Apenas talvez.

O pagamento adiantado de US$ 15,5 bilhões de nossa dívida com o FMI, de qualquer forma, é um ato corajoso e positivo. A economia de cerca de 900 milhões de dólares anuais de juros não é o que impressiona, pois o custo do dinheiro do FMI não é dos mais altos. A vantagem maior está no fato de que esse comportamento de ótimo pagador levará outros mutuantes que nos emprestam dinheiro a baixar os juros cobrados. E permitirá ao governo empinar seus papagaios a juros mais comportados, pois até aqui tínhamos de oferecer vantagens extraordinárias para que nossos títulos se tornassem atraentes para os investidores.

No plano interno, também é de se prever que os juros poderão seguir mais rapidamente a trajetória de queda, ficando em patamares civilizados. Diríamos que os ?efeitos de onda? (wave efects), conseqüências da nossa atitude em relação à dívida com o FMI, poderão ser mais importantes do que a economia em juros que está sendo feita. Resta saber, entretanto, como será o andar da carruagem no campo da política interna e externa.

Se atropelarmos no campo político os que estão agora batendo palmas para o Brasil, satisfeitos porque estamos quitando com um ano de antecedência uma dívida que serve como termômetro para que o mundo financeiro aquilate a nossa temperatura, tudo poderá ir água abaixo.

É imprescindível que na política externa sigamos caminhos de independência, o que significa não nos curvarmos aos Estados Unidos ou a outros países capitalistas nem entrarmos no cordão de Hugo Chávez, que, além de criar inimigos pelo mundo, não tem sequer o apoio de sua própria nação. Seu populismo de esquerda não nos parece um modelo adequado para o Brasil.

No campo interno, é preciso acabar com o mar de lama em que estamos chafurdando, não só levando até o fim os processos já iniciados contra os que agiram na política em desacordo com a ética e as leis, como realizando no ano que vem um pleito limpo em que a vontade do povo seja respeitada. E se aja com a verdade, sem falsas promessas, dinheiro de caixa 2 e com a vontade política de mudar de fato, ?sem medo de ser feliz?.

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