A revocatória falimentar no Projeto de Lei n.º 4.376/93

O Projeto de Lei n.º 4.376/93, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência foi encaminhado em outubro/2003 para o Senado Federal. O presente texto tratará dos “efeitos quanto aos atos prejudiciais aos credores”, cujos dispositivos legais vêm na Seção VI (a partir do art. 131) do referido projeto. Inicialmente, referida Seção VI está dentro do Capítulo VI, que trata da falência do devedor. O “caput” do art. 131 reproduz integralmente o contido no art. 52 do atual texto legal (Dec.-Lei n.º 7.661/45). O mesmo é dito em relação aos incisos I, II, III e V.

O inciso IV estabelece que será ineficaz a prática de atos a título gratuito, desde dois anos antes da decretação da falência, sendo que o dispositivo afasta o valor monetário constante em igual comando, ainda em vigor. O atual inciso IV não consta do projeto, até mesmo porque fala em ©restituição antecipada de doteª, que não mais é previsto no novo Código Civil. O atual inciso VIII vem estampado no inciso VI do projeto, cuja forma de notificação de credores vem estabelecida no § 2º. Esta notificação poderá ser levada a efeito via judicial ou pelo Oficial do Registro de Títulos e Documentos.

Por sua vez, o atual inciso VII vem expresso no inciso VII, esclarecendo que serão ineficazes os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a falência, conforme art. 89, inciso II, letra ©aª (que trata da fixação do termo legal de 90 dias a contar do primeiro protesto por falta de pagamento, excluídos aqueles cancelados antes da distribuição da falência ou da recuperação judicial), salvo se houver anterior prenotação do ato. O novo texto não mais fala em atos praticados após o seqüestro, como está escrito no atual inciso VII, mas esta medida cautelar está prevista textualmente no projeto (art. 139).

O art. 132 trata da revocatória falimentar por fraude (cabendo ao autor o ônus probatório quanto ao conluio entre devedor e terceiro; ciência deste quanto ao ato; intenção de prejudicar credores e o efetivo prejuízo ao universo componente da massa falida subjetiva), sendo que reproduz integralmente o contido no atual art. 53. Uma das novidades está no art. 133, que estabelece o prazo para propositura da ação: de um ano pela atual lei, passa para três. Atualmente, tal prazo é contado da publicação referida pelo art. 114 e seu parágrafo. Tal dispositivo vem gerando decisões judiciais no sentido de que a propositura da ação não pode ficar ao alvedrio do síndico. Discordamos de tal entendimento, data vênia, até mesmo porque, dada a pletora de processos em trâmite no Judiciário é praticamente impossível ao síndico seguir à risca todos os prazos elencados na lei. Em existindo falência com inúmeros credores, vários bens arrecadados, inclusive em outras comarcas, e diversos incidentes, poderão os prazos da atual lei (muitas vezes exíguos) serem cumpridos? Acreditamos firmemente que não. E mais: em muitos casos a verificação de créditos pode se arrastar por anos, de modo que o prazo somente pode começar a correr quando da publicação de tal aviso aos credores. Por fim, a falência cujo ativo seja elevado, com vários credores poderá ser encerrada em dois anos? Mas o novo texto vem simplificar as coisas: estabelece que o prazo de 3 anos (ampliado, portanto) é a partir da sentença que decreta a falência. Outra inovação diz com a legitimidade para intervenção de credores, como assistentes simples do administrador judicial (nova denominação de ©síndicoª) e isso vem expresso no § 1.º do art. 133. Caso a demanda (declaratória de ineficácia relativa ou revocatória falimentar) não seja ajuizada pelo administrador, em seis meses após a falência, poderá qualquer credor ou mesmo o representante do Ministério Público ingressar com a ação, facultando-se a intervenção do administrador judicial na qualidade de assistente litisconsorcial.

A legitimidade passiva está no art. 134, que mantém na literalidade o texto do parágrafo único do vetusto art. 55. No que se refere ao recurso de apelação, novidade não há, e o art. 136 repisa os termos do atual art. 56, § 2.º. O art. 137, que trata da forma como os bens devem ser restituídos à massa, esclarece que, julgado procedente o pedido, deverão eles retornar em espécie, com acessórios ou o “valor do mercado” (hoje não constante da lei), acrescidos de perdas e danos. O § 2.º é novidade, e estabelece que, em ocorrendo cessão de créditos à companhia asseguradora de créditos financeiros, o ato (de cessão) somente poderá ser objeto de revogação após o pagamento integral, pela massa falida, dos portadores dos valores mobiliários recebidos em cessão. Talvez a grande evolução legislativa tenha sido a inserção do art. 138, que trata da antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela almejada. E nesse passo, o projeto não trata de determinada ação, de modo que possível sim é a antecipação na declaratória de ineficácia relativa, prevista no art. 131 ou mesmo na revocatória prevista no art. 132.

Aliás, já vínhamos insistindo em tal possibilidade. Mesmo no que se refere a atual lei falimentar possível é a antecipação dos efeitos da tutela (total ou parcialmente) caso presentes os requisitos legais (art. 273 do Código de Processo Civil), em se tratando das ações em referência. Na Comarca de Curitiba já há decisões concedendo total ou parcialmente os efeitos da tutela, principalmente quando o objeto é bem móvel (veículos, por exemplo), e a ação é declaratória de ineficácia relativa de ato. No que se refere a medida cautelar de seqüestro, conforme já exposto, foi o instituto integralmente mantido no art. 139.

Outra evolução legislativa vem estampada no art. 140, que trata da possibilidade de o administrador alegar a ineficácia de ato como defesa em ação ou execução ajuizada em face da massa falida. A inovação está no fato de que tal argüição não retira a possibilidade de ajuizamento da ação autônoma. Portanto, a ineficácia poderá ser utilizada como defesa nas ações ajuizadas em face da massa e ao mesmo tempo caberá ao administrador argüir o fato em demanda autônoma. Pelo atual texto (art. 57) tal possibilidade não existe. É claro ao dispor que, alegada a ineficácia de ato, a massa perde o direito de propor a ação (declaratória ou revocatória). Houve melhoras significativas, portanto.

Importante destacar que a ineficácia de ato (aquela prevista no art. 131, tão-somente) pode ser declarada nos autos principais de falência, de ofício pelo juiz ou a pedido de qualquer interessado, inclusive credores e Ministério Público e administrador judicial, devendo existir prova de atos elencados em tal dispositivo. A inovação vem expressa no art. 140, parágrafo único. Atualmente, a doutrina diverge a respeito. Há autores que entendem plenamente possível a análise da ineficácia dentro do próprio processo falimentar e outros acreditam ser necessária a ação própria. O dispositivo em comento, no que diz com a ineficácia prevista no art. 131, acaba com a discussão. Não se deve olvidar da regra constante do atual art. 40 da lei falimentar, que prevê a possibilidade de ser declarada a “nulidade” de atos pelo juiz condutor do processo, independentemente de prova do prejuízo.

Por fim, o art. 141 estabelece que o ato pode ser revogado ou declarado ineficaz (aqui o projeto faz nítida distinção entre as duas ações possíveis), embora para sua celebração houvesse precedido sentença executória, ou fosse conseqüência de medida judicial assecuratória para a garantia de dívida ou de seu pagamento, conforme art. 131, §1.º do mesmo projeto. O art. 131, §1.º estabelece que os atos referidos nos incisos I a III e VI de igual dispositivo, desde que tenham sido autorizados judicialmente e previstos no plano de recuperação judicial aprovado na proposta de recuperação extrajudicial homologada serão insuscetíveis de revogação, exceto aqueles considerados lesivos ao praticados de má-fé. O parágrafo único do art. 141 estabelece que, revogado o ato, ficará rescindida a sentença que o motivou. A falha técnica, a nosso sentir, está em dispor que “revogado” o ato, ficará rescindida a sentença. Ora, tem-se na espécie a revogação e a ineficácia, e não aquela tão-somente.

Portanto, o projeto de lei em análise pelo Senado da República, no tocante a ineficácia/revogação de atos é bastante razoável, principalmente porque incluiu a possibilidade de ser concedida a antecipação dos efeitos da tutela (total ou parcialmente), notadamente nos casos que tratam de ineficácia de ato, prevista no art. 131 (mas é certo que na revocatória também o juiz poderá antecipar os efeitos, caso presentes os requisitos). Outra inovação é a prevista no art. 140 que estabelece a possibilidade de argüição da ineficácia como defesa, sem perder a massa o direito de ação própria. No mais, os ajustes do texto legal à realidade são dignos de aplausos.

Afora grandes alterações que certamente sofrerá o texto encaminhado pela Câmara Federal, no que pertine a outras questões polêmicas, acreditamos que os artigos 131 a 141 serão mantidos na integralidade.

Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial, professor assistente de Direito Falimentar e Societário das Faculdades Curitiba.

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