A primeira encrenca

Está armada a primeira encrenca do novo governo, ainda não instalado. E vem de Minas Gerais a liderança da grande ameaça, sob o comando de um colaborador de campanha e, ao que se anunciou, futuro embaixador do Brasil em Roma – o governador Itamar Franco. Imprevisível como sempre, o governador busca recursos para pagar o 13.º salário do funcionalismo. Não atendido como esperava, partiu para o ataque e distribuiu pancadaria para todos os lados. Sua pergunta é intrigante: quem é o presidente da República – o ex-prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci, beque da equipe do governo de transição e futuro ministro da Fazenda, ou o professor Fernando Henrique Cardoso, ex-desafeto de Itamar?

Disposto a cobrar bem cobrado o apoio explícito que deu na campanha eleitoral, o governador mineiro coloca as cartas todas na mesa: “O que é mais constrangedor, pelo empenho que fizemos pela candidatura Lula, é o PT nos tratar adversário”. Itamar não diz, mas sugere falar também em nome de seu sucessor, Aécio Neves.

Lula, que entre o primeiro e o segundo turno eleitoral havia prometido tratar o governador eleito de Minas como um companheiro do PT, não se manifestou. Por enquanto, ao menos. Seus colaboradores mais próximos, entretanto, correram para apagar o incêndio que tem jeito de assumir proporções nacionais: se o atual e o futuro governo concordarem na liberação do que Itamar está cobrando (R$ 1,2 bilhão), a conta ficará bem maior e poderá atingir R$ 9 bilhões, já que outros estados teriam o mesmo direito de reclamar ? e receber ? a ajuda da União. Está, assim, criado um pacau de bico para o governo de Fernando Henrique Cardoso, comprometido tanto quanto o de Luiz Inácio Lula da Silva na ajuda financeira a Minas Gerais. “Aquele tapete vermelho estendido naquele dia (da celebração da paz entre FHC e Itamar, em Belo Horizonte) não foi de graça”, lembra o ex-vice de Collor.

“Em briga de jacu, inhambu não pia”, disse o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Mas espreita entre as ramagens da floresta. E assim como Alckmin, que desde a primeira hora colocou-se contrário à renegociação das dívidas com os estados, outros governadores espreitam. E esperam o resultado dessa encrenca para tirar o proveito necessário. No mesmo pé estão estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e tantos outros, onde até empréstimos pessoais bancários estão sendo promovidos pela rede financeira privada com o aval do governo, que promete quitar a dívida e os encargos dela decorrentes em longas e suaves prestações. Cada estado tem um rosário de argumentos e razões, maior parte calcada na premência de atendimento a pessoas que dependem do salário para sobreviver…

A pergunta que se coloca, entretanto, é a mesma: é justo a União socorrer, com o dinheiro de nossos tributos suados, administrações estaduais que, em passado recente, foram perdulárias e não apertaram os cintos como deviam? O apoio eleitoral um dia fornecido não pode servir de moeda que avalize esse tipo de administração, sob pena de penalizar duplamente os que levam a coisa a sério. Embora as lideranças do PT tendem a descartar o problema, atirando-o no colo de FHC, o teste é procedente. Compromissos eleitorais sem responsabilidade fiscal tiraram até aqui a correia do couro dos contribuintes. Agora, chega!

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