A “marvada”

O Planalto reagiu indignado a uma reportagem publicada por um jornal norte-americano (o The New York Times) que, entre outras considerações, aborda hábitos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o jornal, a suposta ingestão de bebidas alcoólicas estaria prejudicando o desempenho do presidente a ponto de estarem os brasileiros todos preocupados com a “marvada pinga”, branca ou amarela, no copo ou na tigela, imortalizada pela canção de Inezita Barroso.

“Hábito de beber do líder brasileiro torna-se preocupação nacional”, diz o jornal no título de matéria em que se afirma que Lula “nunca escondeu sua predileção por um copo de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, um gole de cachaça, a forte bebida brasileira feita com cana-de-açúcar”. O artigo teria conseguido chamar a atenção de parte dos leitores do jornal americano, tanto que a matéria estaria em 17.º lugar entre as que maior volume de e-mails provocou.

Bobagem. Lá, e não aqui. No Brasil, ninguém, até hoje, tinha colocado reparo nessas coisas. A publicação, entretanto, passou a ocupar o tempo – primeiro do próprio presidente, ao recomendar moderação na reação – de muita gente palaciana. A começar pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro. Bastos teria manifestado seu entendimento segundo o qual o artigo do NYT é agressivo, nada tem a ver com o jornalismo e “é algo feito como se fosse para demolir a imagem de uma pessoa”. Na outra ponta, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, também considerou a reportagem um “insulto feito para ferir e não para informar”, enquanto o ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação, insiste na tese de que o artigo “pode estar a serviço de posturas de governos centrais (sic) que desprezam a soberania alheia, buscam interferir em questões internas e tentam impor uma visão unilateral sobre questões que, num mundo cada vez mais complexo, exige outra ótica de solução para os conflitos”.

Como não poderia deixar de ser, o texto aqueceu também os discursos na área política. Do presidente do PT, José Genoino, para quem a matéria é “maldosa e preconceituosa”, ao líder do partido na Câmara, Arlindo Chinaglia, e ao líder do governo na mesma Casa, deputado professor Luizinho, todos reagiram imediatamente. Luizinho fala numa tentativa de “desqualificar” o presidente, que, além de trabalhar de forma incansável, “demonstra todo o seu vigor físico e intelectual”. Segundo Chinaglia, há “sinais de digitais norte-americanas (sic) no artigo e quem apurou a matéria “só ouviu fontes que têm ódio figadal do presidente”. Até nas oposições se disse que a vida pessoal do presidente da República é problema dele. Assim, como quer o líder do PSDB na Câmara, Custódio Mattos, o governo se esforça para convencer a opinião pública de que a informação não é verdadeira.

Uma nota oficial da Presidência da República, entre outras coisas, afirma que Lula “conduz-se na Presidência da República com absoluta, extenuante e responsável dedicação aos problemas do País”; que o presidente “comanda todas as grandes decisões do Poder Executivo”; e que “os hábitos sociais do presidente são moderados e em nada diferem da média dos brasileiros”. Anuncia que o embaixador brasileiro em Washington foi orientado para transmitir ao jornal toda a “indignação e a surpresa do governo brasileiro” que “estudará as medidas cabíveis para a defesa da honra do presidente da República e da imagem do Brasil no exterior”.

Convém. O que foi dito seria pior à nossa imagem exterior que a divulgação da explosão da violência urbana, em cujo combate as Forças Armadas são convocadas a contribuir, da violência no campo com invasões e saques de fazendas produtivas, fazem estrago maior e mais imediato que as enormes filas de desempregados à busca da sobrevivência, etc., etc., etc. Onde se viu, com tudo isso acontecendo, dar importância a eventuais tragos presidenciais que, por outra, poderiam servir de marketing a um dos poucos produtos nossos com nome internacionalmente protegido?

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