A empregada doméstica e a estabilidade da gestante

1. INTRODUÇÃO

Outro aspecto polêmico na relação do trabalho doméstico é a que diz respeito à incidência do direito à estabilidade da gestante.

Como se sabe, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da CF/88, vedou a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, inciso II, letra b).

2. A ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA

Alguns intérpretes concluíram que essa estabilidade provisória também atingia a trabalhadora doméstica. Esse foi o caso de Guilherme Augusto Caputo Bastos e Sebastião Pinheiro Neto, quando asseveraram: “o constituinte, ao estabelecer a garantia em questão, visou a amparar a gestante, bem como o nascituro, dando-lhes segurança econômica pelo menos até cinco meses após o parto. Fere, portanto, o princípio da razoabilidade entender que a condição de doméstica tira dela e do nascituro a proteção que a Constituição definiu para a empregada gestante em geral” (Garantia no Emprego da Gestante Doméstica. Revista Jurídica Trimestral Trabalho e Doutrina. n.º 9. São Paulo: Saraiva, Junho de 1996. p. 41).

Lídia Maejima e Neide Akiko Fugivala Pedrosa, em recentíssimo trabalho publicado, afirmam que “a CF não assegurou à empregada doméstica a estabilidade em face da gravidez”. (Manual prático do empregador doméstico. São Paulo: LTr, 2003, p. 29).

Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villatore registram tratar-se “de uma questão de interpretação lógico-formal do texto constitucional, pois a estabilidade da trabalhadora gestante está prevista no art. 10, inciso II, letra b, do ADCT, cujo caput já se refere ao fato que os dispositivos ali constantes têm vigor até ‘que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7.º, I, da Constituição’. Ora, o referido inciso I (…) também não está incluído no parágrafo único do art. 7.º da Constituição Federal de 1988” (Direito do trabalho doméstico. São Paulo: LTr, 1997, p. 93).

3. O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Essa, aliás, vem sendo a orientação jurisprudencial predominante, como se vê do seguinte aresto: “Não se aplica à doméstica gestante a garantia da proibição da dispensa arbitrária ou sem justa causa prescrita no art. 10, II, letra “B”, do ADCT, por se referir este dispositivo exclusivamente aos empregados beneficiados por esse direito previsto no inciso I, do art. 7.º da CF/88, dos quais a doméstica foi excluída pela omissão do parágrafo único deste preceito constitucional” (TRT 10.ª Reg. RO 5.386/89 – Ac. 2.ª T. 2.693/90, 13.11.90, Rel. Juiz Sebastião Machado Filho, Revista LTr, 55-04/480).

No mesmo sentido: “A empregada doméstica gestante não detém estabilidade provisória, haja vista tal direito não estar elencado no parágrafo único do artigo 7.º da Constituição Federal, tampouco existir legislação outra que o assegure” (TRT 9.ª Reg. PR-RO 10.980/94 – Ac. 4.ª T. 11.188/95. 22.3.95, Rel. Juiz Tobias de Macedo Filho, Revista LTr 59-11/1556).

E, mais recentemente, “a garantia de emprego decorrente da estabilidade gestante não se aplica à empregada doméstica, por força do disposto no “caput” do artigo 10 do ADCT, que faz referência expressa ao inciso I do artigo 7.º, da Constituição Federal que, a seu turno, estabelece a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, não assegurada à categoria dos trabalhadores domésticos, conforme se infere do parágrafo único, do artigo 7.º da Constituição Federal” (ROPS 312/03, 2.ª T. do TRT da 9.ª R., julgado em 03.06.03, Rel. Juiz Arion Mazurkevic).

Desse modo, parece certo concluir que é muito forte a corrente doutrinária e jurisprudencial que entende não haver estabilidade à trabalhadora doméstica gestante.

4. O SALÁRIO-MATERNIDADE

A empregada doméstica, no entanto, tem direito ao salário-maternidade, nos termos do inciso XVIII e parágrafo único, do art. 7.º, da Constituição Federal (ROPS 312/03, Rel. Juiz Arion Mazurkevic, 2.ª T., TRT 9.ª Reg., julgado em 03.06.03).

Se o empregador obsta a percepção desse benefício pela empregada, quando a demite imotivadamente, responde por indenização, conforme o art. 159 do Código Civil Brasileiro, não sendo relevante o conhecimento ou não da gravidez, constituindo-se em responsabilidade dita objetiva (julgamento citado).

A esse respeito, o C. TST, em acórdão relatado pelo Min. Rider Nogueira de Brito, da 5.ª T., entendeu: “O desconhecimento da gravidez quando da despedida sem justa causa da empregada, não exime o empregador da obrigação pelo pagamento do salário-maternidade, pois o art. 7.º, parágrafo único, da Constituição Federal, combinado com inciso XVIII do mesmo dispositivo constitucional, ao contemplar a empregada doméstica com a licença à gestante, não impôs qualquer condição” (RR 356978, DJU 02.06.00, p. 321).

É absolutamente minoritária a corrente que entende ser sempre o salário-maternidade de responsabilidade da Previdência Social “e mesmo que o empregador venha a despedir a empregada durante a gravidez, ele não será responsável pelo pagamento do referido benefício” (ZAINAGHI, Domingos Sávio. A questão da estabilidade da empregada doméstica durante a gravidez. Revista Genesis de Direito do Trabalho. Curitiba: Genesis, abril 2001. p. 506).

Ressalta Valentin Carrion que: “a Previdência Social não paga o salário-maternidade se desempregada; por isso, o despedimento responsabilizará o empregador por tê-la impedido de receber o benefício” (Comentários à consolidação das leis do trabalho. 28. ed. São Paulo Saraiva, 2003. p. 46).

Como explicita didaticamente Cláudia Salles Vilela Vianna, em seu Manual Prático das Relações Trabalhistas: “Aos trabalhadores domésticos foi também garantido o direito à licença-maternidade (120 dias) pela CF/88, artigo 7.º, parágrafo único, mas não o direito à estabilidade provisória, predominando o entendimento, portanto, de que o empregador poderá rescindir o respectivo contrato de trabalho quando do retorno da empregada (retorno da licença-maternidade), pagando-lhe somente as verbas rescisórias correspondentes, sem que lhe seja devida qualquer indenização”(5. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 610).

5. CONCLUSÃO

Assim, embora não reconhecido o direito da estabilidade à gestante, previsto no art. 10, II b, do ADCT, tem a doméstica o direito ao salário-maternidade previsto no art. 7.º, XVIII, da CF/88, a ser pago pelo INSS, ou pelo empregador, quando este obsta a percepção do benefício por dispensa injustificada.

Luiz Eduardo Gunther e Luiz Celso Napp

são juízes do TRT da 9.ª Região.

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