A autofagia do Paraná e o cargo de ministro do STF

A Constituição Federal diz em seu art. 101 que um dos requisitos para alguém ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal é o de ter notável saber jurídico.

Notável, diz o dicionário Aurélio, é o que é digno de louvor, extraordinário, considerável.

Assim, não é com qualquer saber jurídico que alguém pode chegar ao Supremo Tribunal Federal. Mesmo que este saber jurídico seja bom, respeitável, ainda assim não será notável.

Fala-se que nosso Estado é tradicionalmente autófago; não precisa da concorrência de outros, os próprios paranaenses se destroem. Conta-se que alguém chegou no inferno e viu inúmeros caldeirões com água fervendo e cheios de gente tentando dali fugir. Em todos eles havia um diabinho com seu tridente vigiando para que ninguém escapasse, com exceção de um. O recém-chegado indagou por que aquele único caldeirão não tinha um diabinho vigiando. A resposta que recebeu é que aquele caldeirão era do Paraná; não precisava de vigia, pois quando um dos que ali estavam começava a escapar, os outros puxavam-lhe a perna fazendo-o retornar.

Acredito que há muito exagero nesse conto, mas às vezes isto parece ser real; não é à toa que até hoje, com exceção de Ubaldino do Amaral, nenhum paranaense conseguiu chegar ao Supremo Tribunal Federal. Para uns a explicação é que o paranaense é retraído, mas para outros é que é autófago mesmo.

Mas o aperfeiçoamento do conhecimento jurídico não é apenas para se chegar ao Supremo Tribunal Federal, apesar que esse deve ser um objetivo até mesmo para retirar o nosso Estado desta situação vexatória que eqüivale a uma reprovação nacional da nossa capacidade jurídica – equivalente a letra E no Provão -; o aperfeiçoamento jurídico dos nossos operadores do direito é um direito dos jurisdicionados, e aí deve-se dar uma particular ênfase à necessidade do aperfeiçoamento jurídico do juiz, pois o jurisdicionado, numa interpretação material do princípio do acesso aos tribunais, tem o direito de ser julgado por um juiz preparado, atualizado, que esteja constantemente evoluindo, pois a prestação jurisdicional não deve ser apenas formal, mas adequada e de qualidade.

O princípio do devido processo legal não garante apenas o juiz natural, mas também o juiz que esteja em perfeita sintonia com seu tempo e que tenha preparo para fazer tornar realidade um Estado que, segundo a Constituição de 1988, não deve ser mais apenas um Estado de direito, mas também um Estado de justiça.

Isso na verdade não é fácil, exige muita dedicação, muito estudo e acima de tudo um ideal. Existem vários caminhos para se alcançar esse objeto, mas nenhum mais eficiente do que o exercício do magistério porque ninguém consegue exercê-lo sem um constante aprimoramento do conhecimento e incansável atualização. Basta examinarmos os currículos dos ministros dos Tribunais Superiores para vermos quantos, para chegar ao conhecimento notável que os levou até ali, passaram pelo exercício do magistério. No caso específico do Paraná, os dois juristas que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça – Ministros Milton Luiz Pereira e Felix Fischer – sempre brilharam nas salas de aula.

Assim é que entendo que o exercício do magistério, pelo juiz, não é apenas um direito, mas um dever; um dever para consigo mesmo no sentido da realização pessoal, um dever para com o jurisdicionado, reconhecendo-lhe o direito a uma prestação jurisdicional eficiente e de qualidade, e um dever para com seu próprio Estado e acima de tudo com a nação.

É verdade que nem todos têm o dom para lecionar, mas aqueles que o têm não podem enterrá-lo; se assim o fizerem estarão cometendo um “crime” de “lesa-jurisdição”.

Por incrível que possa parecer já tivemos uma época, que felizmente já é uma página virada na história do nosso Judiciário, em que o juiz paranaense estava proibido de participar de cursos de aperfeiçoamento, ou seja, proibido de evoluir. Isto, que nos faz lembrar as normas restritivas do Brasil Colônia em benefício da metrópole, aconteceu em época não muito distante, mas espero que seja suficientemente distante para nunca mais voltar a se repetir.

Jorge de Oliveira Vargas

é juiz de Direito e professor universitário.

Voltar ao topo