Um lampejo de vibração

São Paulo – Assim como a João Gilberto e Milton Nascimento, a maior acusação que se faz a Roberto Carlos é que ele é repetitivo, redundante. Seus discos mais recentes – das últimas duas décadas, pelo menos – têm primado pela execução de arranjos rotineiros, letras melosas, ideologia comodista e mise-en-scène messiânica.

Pra Sempre (Sony Music), o seu novo álbum, não vai livrar Roberto dessa acusação. Até porque ele não a repele. “O importante é dar à música o que ela pede. Mais importante que manter uma opinião, é dar ao público o que ele pede”, disse o cantor, num “statement” rápido, durante entrevista à imprensa, na quarta-feira.

Há nesse disco, no entanto, o retorno de um Roberto Carlos vibrante em pelo menos duas canções: o rock’n’roll Cadillac e a balada Pra Sempre, que dá nome ao disco. Na primeira, ele exercita sua bagagem jovem-guardista com uma tonalidade cinza, crepuscular, olhando o passado com orgulho dos cabelos brancos e sem excesso de nostalgia.

Na segunda, Roberto é o intérprete por excelência, um raro cantor, dos poucos que conseguem fazer o encaixe perfeito em versos imperfeitos, como “tudo nesse mundo pode se modificar / pode até mudar a posição do sol e o mar”. Ele conta que buscou um andamento similar aos arranjos de Glenn Miller na música, que é sem dúvida uma séria candidata a entrar no rol dos hits sagrados do artista.

Excentricidades

Embora ele tenha aberto mão de incluir no disco uma de suas “mensagens” religiosas, suas excentricidades não deixaram de marcar presença. A maior de todas está na canção Acróstico, cujas iniciais de cada primeira letra de cada verso forma a frase “Maria Rita Meu Amor”.

O disco é romântico até a medula dos ossos. Traz oito baladas arrastadas, algumas mais monótonas que as outras (caso de Com Você). Todas falam de um amor extremado, o amor que sobrevive ao tempo e à morte. Uma delas, como O Encontro, prevê um encontro além mesmo da morte. “O nosso encontro será sob a luz / De um milhão de estrelas / E no azul mais bonito que um dia / No céu já se viu”, canta Roberto.

O rei confessa a mudança de posições – políticas, culturais, sociais, ecológicas -sem o menor pudor, porque julga que já fez sua parte na construção da MPB.

“Acontece que os anos passam, e a gente descobre um monte de coisas. Naquele tempo eu tinha 30 anos, e hoje tenho mais de 35”, brinca o cantor, demonstrando um bom humor que o mostra praticamente refeito de todos os percalços por que passou recentemente.

“Eu tenho de seguir meu caminho e, para seguir, tenho de continuar fazendo as coisas da melhor forma que eu possa”, afirma. Desses discos mais românticos, sobra sempre uma canção que parece refletir angústias universais, que se destaca no dial dos rádios e encontra eco em diferentes classes, diferentes ouvidos.

Cadillac

Mas Pra Sempre vai marcar mesmo como o disco de Cadillac, sua parceria com Erasmo Carlos. “Peguei meu Cadillac / Mil novecentos e sessenta / E nele me sentia / Com metade de quarenta / Em meu Cadillac, meu Cadillac”, canta ele, com a gaitinha de Milton Guedes solando e um combo musical mais encorpado do que nas baladas.

Roberto também falou do passado, coisa que só faz em textos estandartizados lidos durante seus concertos, e emocionou-se ao lembrar de quando foi para Niterói, com 14 anos, tentar a sorte na vida. “Tinha aprendido a dançar, virei um seresteiro. Hoje eu olho, é uma coisa engraçada. Estudei no Colégio Brasil. Pegava a balsa, vinha tentar a sorte nos programas de auditório. Até que consegui alguma coisa”.

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