Show, mas de quê?

Desde que foi criado, em 1973, o Fantástico tornou-se um modelo na tevê brasileira. A estréia, no último fim de semana, dos quadros Daqui pra Frente e Emprego de A a Z e a volta de O Super Sincero confirmam a alta qualidade técnica e profissional do programa e o carisma dos apresentadores Glória Maria e Zeca Camargo. E também as discutíveis orientações de suas reportagens. Misto de entretenimento com jornalístico, o Fantástico sempre primou pela grande variedade de atrações. Em duas horas e meia, foram apresentadas 20 matérias, além de depoimentos de atletas sobre os Jogos Panamericanos, notícias internacionais e gols dos campeonatos estaduais.

Mais do que as pautas, o que distingue o programa é seu esmerado acabamento. A edição é bem cuidada e, por vezes, chega a apresentar um corte de imagem a cada três segundos, como na ?escalada? de notícias, quando os apresentadores anunciam as principais atrações do Fantástico. Os efeitos de computador são utilizados com igual inteligência. A reportagem sobre o budismo, dentro da série Novos Olhares, ganhou uma requintada abertura com imagens tratadas por rotoscopia digital, que transforma um filme em desenho animado. A produção dos quadros, como Daqui pra frente, com Fernanda Lima, chegou ao requinte de levá-la à Pedra Bonita, montanha no Rio de Janeiro, e filmá-la saltando de asa delta, o que rendeu menos de 10 segundos de imagens na tela. Enviar os bons repórteres Marcos Uchôa ao Casaquistão e Vinícius Dônola ao interior do Piauí revela disponibilidade de recursos e agilidade na cobertura. E o retorno de O Super Sincero, veículo para a performance de Luis Fernando Guimarães, tem o tempo certo para uma boa piada.

Todas estas qualidades, porém, não alteram o problema conceitual do Fantástico, desde que era O Show da Vida, epíteto trocado há alguns anos para Sua Revista Eletrônica. Há uma tendência para o exótico e o bizarro, como na reportagem sobre histeria coletiva em colégio de freiras no México ou cirurgias plásticas malsucedidas no Brasil. Mais grave ainda são a superficialidade e a mistificação de certas reportagens. Dedicar quase 10 minutos ao budismo sem explicar questões-chave para uma religião, como Deus, dogmas, disciplina e desejos, foi um enorme desperdício de tempo. E tratar do aborto sem frisar o número recorde de casos no País – um milhão por ano – e a esmagadora pressão exercida pela Igreja Católica é, no mínimo, omissão.

Emprego de A a Z trouxe outro tipo de discussão: até que ponto dramaturgia e jornalismo podem ou devem se misturar. O quadro do consultor Max Gehringer usou e abusou de efeitos de sonoplastia e entrevistas ?representadas?. Finalmente, a reportagem sobre a Operação Furacão, que prendeu desembargadores, juízes e delegados envolvidos com a Máfia dos caça-níqueis, foi anunciada por todo o programa como exclusiva. Não era verdade. Duas horas antes, a Rede Record, no Domingo Espetacular, exibia as mesmas imagens sem fazer tanto alarde.

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