Mutantes, com Zélia Duncan, retornam aos palcos em Londres

O clima já é de celebração. O guitarrista Sérgio Dias, o tecladista e baixista Arnaldo Baptista, seu irmão, e o baterista Dinho já definiram o repertório do show (veja lista completa no quadro ao lado) que os Mutantes realizarão no dia 22 de maio no Barbican Hall, em Londres, dentro do evento "Tropicália – A Revolution in Brazilian Culture". Depois de muita especulação em torno dos nomes da mineira Fernanda Takai (do Pato Fu) e da baiana Rebecca Mata, eis que a fluminense Zélia Duncan foi a escolhida para o lugar de destaque que já foi de Rita Lee. Na segunda-feira ela começa a ensaiar com o trio, que já está com tudo em cima.

A expectativa do grupo paulistano é enorme, os 2 mil ingressos estão praticamente esgotados, a mídia e fãs se movimentam. O compositor e cantor americano Devendra Banhart, um dos ícones do neofolk, é um desses entusiastas do grupo. "Ele entrou em contato com o Barbican e disse que queria fazer qualquer coisa com a gente, nem que fosse para trabalhar de roadie", conta, bem-humorado, Sérgio Dias. Banhart – que em entrevista ao Estado declarou ser fã de Novos Baianos, Secos & Molhados e classificou Caetano Veloso de "gênio" – vai participar do show cantando "El Justiciero".

Há outras apresentações dos Mutantes marcadas para os dias 21 de julho, no Webster Hall, em Nova York, e no dia 23 no Hollywood Bowl, em Los Angeles, dentro do KCRW?s World Festival. Depois, o Brasil tem chances. "Eventualmente vamos fazer aqui, lógico", considera Dias. Todos os shows do retorno do trio – que não se reunia desde 1973, já então sem Rita Lee no vocal – vão ser gravados para provável lançamento em CD e DVD. No grupo de apoio estarão Simone Soul (percussão), Vinicius Junqueira (baixo), Henrique Peters (teclado), Vitor Alexandre (vários instrumentos), Fábio Reco e Esméria Bulgari (backing vocals).

Além de muitos clássicos que os fãs esperam (e vão) ouvir, a melhor notícia é que eles vão soar exatamente como as originais. O arsenal é formado por violões e baixo Giannini, teclado similar ao Hammond, pedais e uma das famosas guitarras criadas pelo genial Claudio Baptista, irmão de Sérgio e Arnaldo.

Segundo o guitarrista, recriar a sonoridade original dos Mutantes tem sido um trabalho muito complexo, uma vez que os transistores e outros recursos usados nos anos 60 já não existem Mas nada que a tecnologia atual não desse um jeito. "Estou usando exatamente tudo igual. Só estamos levando instrumentos brasileiros. Os violões são novos, é claro, mas a guitarra foi reformulada inteirinha. Faz muito tempo que venho mexendo nesse som, perdi a conta de quanto ensaiamos", conta Dias.

Todo esse empenho é emblemático da história de quem é mestre na burilação de engenhos sonoros. Vale lembrar que em 1972, impedidos de lançar mais de um disco por ano, os Mutantes inventaram de produzir o que seria um álbum-solo de Rita Lee ("Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida") só pelo prazer de experimentar as novas possibilidades oferecidas pelo Estúdio Eldorado. Diante das precárias condições técnicas da época no Brasil, um estúdio equipado com 16 canais de gravação era no mínimo um luxo necessário. Assim como o é hoje preservar aquela sonoridade – imbativelmente moderna, como se pode constatar ouvindo toda a discografia essencial dos Mutantes, de 1968 a 1972, relançada em fevereiro pela primeira vez em versão masterizada.

O repertório do show é todo dessa fase, psicodélica, antes da saída de Rita Lee e das incursões pelo rock progressivo Das 21 canções do roteiro, 10 são do álbum "Technicolor", gravado em inglês na França em 1970 e só lançado em 2000. Eles aproveitam até para devolver o título original a "Cabeludo Patriota"(de "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets", de 1972), rebatizada na época de "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer" por causa da censura.

Para Dias não se trata de revival nostálgico. "Nossa trip nunca foi dirigida por oportunismo ou interesse monetário. Rolou porque tinha de rolar." Rita Lee foi convidada, naturalmente, abençoou o encontro, mas declinou. "Jamais poderíamos fazer esse show sem falar com ela antes e a porta está eternamente aberta", frisa Dias, "mas ela está envolvida com um monte de coisas que não permitem que se dedique aos Mutantes, porque isso dá trabalho." É o mesmo caso do baixista e produtor Liminha.

Não houve corrida nem Zélia se ofereceu para a vaga de Rita, como chegou a ser noticiado. "Foi coincidência. Conheci Zélia no Rio no ano passado, conversamos uns dez minutos e parecia que já nos conhecíamos há uma eternidade. Parece papo de hippie, mas foi mágico", diz, entusiasmado. "Chegaram a comentar que a voz dela era muito diferente, mas não queríamos clone da Rita. Marcamos um encontro, Zélia cantou com a gente e deu o maior pé. Ela cantando ‘Baby’ é um sonho", elogia Dias.

"Sérgio é um gentleman", retribui Zélia. "O poder de sua guitarra permanece intacto e foi uma das maiores emoções do nosso primeiro encontro. Me sinto extremamente privilegiada", diz a cantora, que dos Mutantes de sua infância tem a música Top Top como a lembrança mais marcante. "Porque eu era criança parecia meio indecente, parecia uma coisa que não se devia ouvir e que nos convidava insistentemente para ser ouvida."

Zélia recebeu o convite com um misto de "alegria, emoção e receio, natural de quem acompanha a história das coisas". Pela personalidade e a coerência com que conduz sua brilhante carreira, quem a conhece sabe da relação de sua música com a de Rita, e que nem passaria pela cabeça encarnar a persona da parceira de Pagu. "Meu trunfo é ser eu mesma, trazendo todos eles dentro de mim. Não tentarei substituir Rita Lee, missão que já nasceria falida. Me sinto representando alguém que sempre foi fundamental pra mim e que foi a primeira a saber e aprovar."

A cantora sempre disse que queria fazer vocal para Itamar Assumpção. Agora vive situação idêntica com os Mutantes. "É um peso afetivo e emocional bem parecido, sendo que nesse contexto existe uma responsabilidade muito maior, para a qual me sinto madura e especialmente feliz."

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