Luto

Marcelo Rezende: o jornalista era maior que o personagem

Marcelo Rezende foi tratado por médico que não tem licença

A morte de Marcelo Rezende teve o impacto inevitável de um acontecimento como este na era digital. Rapidamente redes sociais replicavam a informação, muita gente falando do cara que era visto todo dia na televisão, até mesmo aqueles que não o conheciam tão bem. E, por conta dessa agilidade que faz com que esqueçamos agora o que aconteceu nos últimos quinze minutos, pouca gente mesmo sabia que o cara do programa policial era apenas um personagem de um dos grandes jornalistas de sua geração. Um profissional que ajudou a modernizar a linguagem do nosso trabalho.

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Até ser o “Marcelo Rezende do Cidade Alerta”, ele teve uma longa trajetória, que vem lá dos anos 1970, dos tempos de repórter esportivo de Jornal do Brasil, O Globo e Placar. Ao mesmo tempo que trazia profunda influência de João Saldanha e Nelson Rodrigues, os caras com quem batia papo nas redações, era o jovem que ia à geral do Maracanã torcer pelo Flamengo. E seu texto trazia esse calor que o futebol precisava para ser descrito nas páginas de um jornal ou de uma revista. Lembro de ver o nome Marcelo Rezende em algumas das primeiras matérias que me fizeram pensar em ser jornalista.

Depois, ele foi ser o repórter do futebol da TV Globo. Estamos há tanto tempo acompanhando o talento de Tino Marcos como o principal repórter esportivo do País, mas ele era novato quando Marcelo estava nas coberturas dos grandes jogos. Era aquele sujeito ágil e combativo. Se você se surpreendia com as tiradas dele na Record, era tudo visto há trinta anos – ou lido há quarenta.

Mas o jornalismo esportivo ficou pequeno para Marcelo Rezende. E ele foi ser o maior repórter investigativo do seu tempo. Descobriu a máfia do DPVAT, foi o primeiro a acompanhar de perto a saga dos sem-terra no Portal do Paranapanema, revelou as falcatruas de Ricardo Teixeira. E mudou a relação do cidadão brasileiro médio com os órgãos de segurança ao descobrir a chacina da Favela Naval.

Quem viveu os tempos de repressão já sabia que o aparelho policial não era exatamente um primor de virtude. Mas, para aquele que vivia o seu dia-a-dia corriqueiro, sem estar ligado à política e pensando apenas no seu sustento, a autoridade da polícia militar era inquestionável. Em tempos de crescente violência, eram neles que “poderíamos confiar”.

Até o dia em que, em pleno Jornal Nacional, Marcelo Rezende revelou o que policiais faziam nas comunidades pobres. Preconceito, abuso de autoridade, frieza, crime. Tudo se apresentava em uma matéria, e ainda mais diretamente em uma imagem, a do PM paulistano atirando para matar em um carro. Qual era o crime dos jovens que estavam no carro? O de serem pobres, estarem andando à noite, serem morenos ou negros. Um deles morreu, o Brasil passou a ver a polícia também como ameaça.

Apenas por esta matéria, Marcelo Rezende seria lembrado como um dos grandes repórteres que o País já teve. Mas a imagem que foi explorada neste sábado (16) foi a do apresentador que mostrava a violência crua do cotidiano, sem refletir e sem buscar soluções. O jornalista que hoje virou notícia foi mais que o histriônico das tardes de segunda à sexta. Era um jornalista com alma de repórter, um grande jornalista com alma de repórter.