Livro conta história das bandas dos anos 60 e 70 no País

The Bubbles, Os Abutres, The Innocents, Os Lobos, Karma, Os Selvagens, Outcasts, The Sound, Soma, Os Baobás, os Beatniks, Módulo 1000, Analfabitles, The Terribles.

Num tempo anterior à invenção do fogo por Raulzito, caminhou pelas terras do Brasil uma legião de bandas obscuras que tentou se afirmar heroicamente num mundo de adversidades de todo tipo e cujos nomes se perderam no tempo. Poucos se lembram. Mas eis que um dos nossos mais persistentes “arqueólogos” musicais, o jornalista e pesquisador Nelio Rodrigues, mergulhou nesse mundo, entre os anos 1960 e 1970, e o resultado é o livro “Histórias Secretas do Rock Brasileiro” (editora Grupo 5W, 352 págs., R$ 59,90), que chega às livrarias esta semana.

Rodrigues, que já tinha feito em 2000 um trabalho admirável na recuperação da primeira viagem dos Rolling Stones ao Brasil, ainda nos anos 1960, não faz o tipo de cientista distanciado do seu objeto de análise. “Eu não só ouvi todas as gravações de que falo no livro, como tenho todas elas na minha coleção, a maioria em vinil, inclusive. Além do mais, vi algumas dessas bandas ao vivo, como Módulo 1000, The Bubbles, O Terço, Soma, assim como vi outras pela televisão na época mesmo, como Os Selvagens, Brazilian Bitles, Outcasts”, conta o autor.

Ele chega mesmo a assegurar que uma dessas bandas da pré-história do rock brasileira, a Soma, foi protagonista de um dos melhores shows de sua vida, no salão do Museu de Arte Moderna. “E olha que foi em um show dividido com Os Mutantes e O Terço!”, lembra. O cantor inglês Richie (do hit Menina Veneno) fazia parte do Soma. “Eles fizeram um set acústico, ao estilo Crosby, Stills & Nash, e um elétrico de altíssimo nível. Ou seja, repertório muito bom, músicos de primeira linha e som espetacular, já que o Soma estava usando o equipamento que o Bruce Henry (baixista da banda) trouxera de Londres. E o local tava absolutamente abarrotado. Já conhecia O Terço e obviamente Os Mutantes, que também vi ao vivo algumas vezes, mas o Soma só conhecia de nome. Então fui pego de surpresa e fiquei literalmente babando.”

Segundo Rodrigues, seu livro traz, “modestamente”, um vislumbre histórico de uma cena esquecida. “Conta-se a história do rock brasileiro dos anos 60, por exemplo, pelo viés da Jovem Guarda, e isso é apenas um ladinho da história. O mais evidente, obviamente, por conta do sucesso obtido, sobretudo entre as camadas mais populares. Ou seja, reduzem todo o rock e o cenário roqueiro do nosso país nos anos 60 à Jovem Guarda, o que não é um retrato apurado da realidade. Bandas como o Som Beat, de São Paulo, Analfabitles, Outcasts, entre outras, não tinham nada a ver com a Jovem Guarda. Tinham outro jeito de encarar o rock, tanto esteticamente quanto estilisticamente. Depois, reduzem o nosso rock dos anos 70 a poucos nomes, como Raul Seixas, Rita Lee, Erasmo, Secos e Molhados. Mas essa é apenas a pequena parte visível, daqueles que conseguiram sair do gueto a alcançar fama. Dos demais, a grande maioria, pouco se sabe”, lamenta.

O trabalho de pesquisa de Nelio Rodrigues já tinha tido um fruto em 2009, quando publicou Histórias Perdidas do Rock Brasileiro, bancado por ele mesmo. Mas considera que foi incipiente, era apenas uma reunião de textos que publicara na revista eletrônica Senhor F.

Ele destaca, entre os grupos, o trabalho de O Terço (bem mais conhecido), que ele viu em julho de 1976, no Rio, no Teatro João Caetano, quando o grupo tocou músicas de dois dos seus discos, “Criaturas da Noite” e “Casa Encantada”.

Outro show marcante foi do Módulo 1000, “por que ninguém fazia aquele som de psicodelia pesada no Brasil naquela época; era experimental, transgressor e nada radiofônico, como Raul Seixas ou Rita Lee”. O Módulo 1000 produziu um dos mais raros discos de vinil do Brasil, Não Fale com Paredes, segundo o catálogo Record Collector Dreams, de Hans Pokora. Formado em 1969, sob influência de Black Sabbath e Pink Floyd, um exemplar do seu único disco pode ser comprado por até R$ 600 na internet.

Por ser um mercado incipiente, era difícil se afirmar numa cena ainda inexistente, segundo conta Rodrigues. Para ele, um dos nomes que mais trabalharam a favor do rock underground no Rio foi Carlos Alberto Sion. “Enquanto nos anos 60 as bandas costumavam se apresentar, sobretudo, em clubes, fazendo os famigerados bailes, Sion conseguiu conquistar para os roqueiros, logo no início dos anos 70, espaço nos teatros e em salões como o do Museu de Arte Moderna. Ao contrário dos bailes nos clubes, para divulgar a apresentação das bandas nos teatros preferiu adotar o conceito de Concerto de Rock. Atribuía-lhes assim mais respeitabilidade, atraindo um público que ia curtir o som das bandas e não para dançar.”

Outros nomes foram importantes, ele menciona, como o do empresário Marinaldo, do Módulo 1000, em cuja casa, nos altos do Rio Comprido, várias bandas ensaiavam e guardavam seus equipamentos. “E, claro, o inesquecível radialista Big Boy, que dava força pra essas bandas, divulgando seus discos em seu programa. Aliás, quando do lançamento, Big Boy tocou inteirinho o primeiro disco dos Mutantes.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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