Laçando o público antes da novela

Em toda estréia de novela, o telespectador tem uma certeza: vai ter de conviver com a abertura e a música tema da novela por vários meses.

Assim como as próprias novelas são amadas ou odiadas, as aberturas não se livram do mesmo destino. Por isso, na Globo, por exemplo, todas as aberturas passam pelo controle de Hans Donner, designer alemão responsável pelo visual da emissora desde 1975. No SBT, a única emissora a produzir novelas atualmente ao lado da Globo, também houve uma preocupação com a abertura de “Marisol”.

Entre as novelas globais no ar, utiliza-se a técnica da colagem, por exemplo, em “Malhação” e “Coração de Estudante”. Em “Esperança”, Hans Donner repete o recurso da projeção de filmes, já utilizado em “Nina”, de 1977. Para renovar o artifício, ele criou em computador o piano e as malas que surgem na abertura. Para não parecer falso, fotografou malas e um piano de verdade para obter a textura dos objetos. Mas foi a trilha gravada em quatro idiomas – italiano, hebraico, espanhol e português – que acabou virando novidade. “Além de atingir as colônias de imigrantes, a música não fica tão cansativa”, acredita Marcelo Barbosa, filho de Benedito e produtor da novela.

Das produções no ar, a abertura de “Desejos de Mulher” é a que menos recorreu à tecnologia. Mesmo assim, parece ser a mais requintada, provando que a abertura mais trabalhosa nem sempre é a melhor. Apesar das aberturas tornarem famosas as modelos que protagonizaram, como Isadora Ribeiro em “Tieta” e Mônica Carvalho em “Mulheres de Areia”, “Desejos” só deixa transparecer o contorno de um belo corpo feminino debaixo de um lençol de cetim. A modelo, que não mostra o rosto na abertura, é Cláudia Valenssa, irmã de Valéria Valenssa, a mulata Globeleza. A gravação levou apenas 8 horas. Cláudia deitou em um estrado e foi coberta por um lençol. Um ventilador serviu para marcar as curvas da modelo. Cláudia usou apenas tapa-sexo. “O importante foi o trabalho ficar excelente. Não tem problema meu rosto não aparecer”, jura a irmã da Globeleza.

Iguais

Enquanto a Rede TV! optou por fazer apenas uma versão para o tema espanhol de “Betty, a Feia”, o SBT resolveu não arriscar em “Marisol”. A abertura segue a linha das antecessoras. É só comparar as aberturas de “Amigas e Rivais” e “Cúmplices de Um Resgate”, exibidas pelo SBT, que mostram, simplesmente, cenas das novelas. A diferença de “Marisol” é que foram utilizadas também algumas cenas gravadas pelo elenco especialmente para a abertura. O processo levou duas semanas, já que o departamento visual da emissora introduziu, por computador, as imagens de vidros se quebrando, numa referência ao acidente que marcou o rosto da protagonista. “Abertura é como capa de um livro. Tem de ser bem-elaborada para atrair o espectador e resumir a história”, explica Everaldio Verão, diretor do departamento visual do SBT.

Até o início dos anos 70, as novelas não tinham aberturas diferenciadas. As emissoras simplesmente emendavam o final de um capítulo no início do seguinte. “Beto Rockfeller”, exibido em 1968 pela extinta Tupi, inovou ao exibir o nome dos atores em fichas de arquivo em movimento. Até então, o elenco era citado como nos créditos finais de um filme.

Pioneira

A primeira abertura a utilizar animação na Globo foi “Corrida do Ouro”, em 1974. Um desenho animado mostrava uma pessoa correndo atrás de uma moeda até que se transformava em uma multidão ávida para pegar o dinheiro. Após quase 20 anos, o mesmo recurso vai ser utilizado na próxima das sete, “O Beijo do Vampiro”. Um desenho vai mostrar os personagens da novela em situações engraçadas. “As aberturas viraram tradição no Brasil. Antes da estréia, existe uma expectativa para ver a nova abertura também”, assegura Rixa, roteirista do “Vídeo Show” e autor do “Almanaque da Tevê – 50 anos de Memória e Informação”.

A chave do sucesso

O necessário para uma abertura de novela se tornar inesquecível é difícil de se prever. Muitas vezes, as aberturas mais simples são as mais marcantes. Uma que as pessoas mais comentam com Hans Donner é a de “Locomotivas”, exibida em 1977.

A abertura mostrava apenas uma mulher sendo maquiada. Produzida, ela colocava uma luva de boxe e dava um soco na câmara. Outra que chamou a atenção pela simplicidade foi “Duas Vidas”, novela de Janete Clair exibida em 1976. Nela, duas mãos faziam a singela brincadeira da “cama de gato”, que compreende apenas um cordão. Ambas as aberturas são de Hans Donner, que logo partiu para produções mais complicadas. Polêmica causou a de “Brega & Chique”, de 1987, que exibia o “bumbum” do modelo Vinícius Manne. Devido a reclamações, foi colocada uma folha de parreira sobre a região glútea do modelo. Com uma reação ainda maior pela censura, a Globo teve de voltar atrás e deixar mesmo à mostra o famoso traseiro.

Um início sem abertura

# A primeira novela diária da tevê brasileira, “2-5499 Ocupado”, de 1963, não tinha abertura. O público via apenas um logotipo.

# Uma das aberturas mais bizarras da tevê brasileira foi de “As Bruxas”, exibida em 70 pela Tupi. A abertura trazia cartazes com o nome do elenco e um rastro de luz iluminava os créditos.

# A polêmica com o Mico Leão que aparecia na abertura de “Mico Preto”, exibida em 1990 na Globo, causou mais alarde do que a própria novela. A Sociedade Protetora dos Animais considerou as imagens abusivas e a emissora tirou da abertura as cenas com o bicho.

# Em “Carinhoso”, de 73, a Globo testou pela primeira e última vez uma abertura e um fechamento diferente para uma novela. A abertura foi gravada nas ruas de Nova Iorque e o fechamento no Flamengo, no Rio.

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