Frei Miguel: Sacerdote e Educador

Durante a vida nos deparamos com várias pessoas que acabam fazendo parte do nosso cotidiano, outras desaparecem ou surgem esporadicamente. Seja como for, temos necessidade de ser sociáveis, de dialogar com os indivíduos. Frei Miguel foi o exemplo da fácil comunicação. Com humildade e capacidade espiritual extraordinária soube atrair para si muitas amizades que foram além do Estado do Paraná.

Frei Miguel na Itália e no Brasil – Seu nome de batismo é Ilário Bottacin que, ao se tornar religioso, mudou para Miguel Ilário Bottacin conforme exigência, na época, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.

Ilário Bottacin, de origem humilde, filho de Graziano Bottacin e Maria Ceccon, nasceu aos 14 de agosto de 1921, na Itália, no pequeno povoado denominado Loreggiola, sendo batizado no dia seguinte no mesmo local.

Na adolescência, Ilário Bottacin recebeu o Crisma, confirmando sua fé em Deus, aos 16 de novembro de 1930, com nove anos de idade.

Iniciou a caminhada religiosa aos 20 de setembro de 1938, no Seminário Seráfico de Rovigo (Itália), e o noviciado, (período de amadurecimento da vocação religiosa) aos 11 de outubro de 1939, na cidade de Bassano del Grappa (Itália).

A profissão dos votos temporários (pobreza, castidade e obediência), ou votos simples, ocorreu em Bassano (Itália), aos 12 de outubro de 1940. A cerimônia dos votos perpétuos ou profissão solene transcorreu na cidade de Villa Franca (Itália), aos 19 de março de 1945.

Frei Miguel chegou ao Brasil aos 18 de julho de 1957, na condição de irmão religioso capuchinho não sacerdote. Em nosso país, teve oportunidade de percorrer diversas casas da Província São Lourenço de Brindes do Paraná e Santa Catarina, trabalhando como enfermeiro, porteiro, atuando também na formação dos vocacionados à vida religiosa não sacerdotal.

Além da vida religiosa, fr. Miguel aspirava ao sacerdócio. Conseguiu realizar seu desejo aos 8 de dezembro de 1973, sendo ordenado presbítero, pelo arcebispo de Curitiba d. Pedro Fedalto. A primeira missa de fr. Miguel ocorreu em 9 de dezembro de 1973, no CIC-Cidade Industrial de Curitiba, na igreja da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, onde permaneceu até 1981.

Em 1981, construiu com ajuda da população local a capela da comunidade São Leopoldo Mándich, localizada no Conjunto Osvaldo Cruz I, no bairro do CIC-Cidade Industrial de Curitiba, que faz parte do território da paróquia da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Na comunidade São Leopoldo Mándich, fr. Miguel pôde realizar sua missão apostólica especial que teve repercussão interestadual.

Em 10 de abril de 1997, fr. Miguel faleceu na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, tendo como motivo do óbito: Arritmia ventricular + aterosclerose coronariana. O sepultamento foi realizado no pátio da capela São Leopoldo Mándich onde os seus restos mortais permanecem até hoje. Ali recebe quase todos os dias pessoas que depositam flores, fazem orações e solicitam graças.

Espiritualidade de fr. Miguel – Frei Miguel, desde os primeiros momentos de sua caminhada religiosa, procurou ter uma vida disciplinada, a fim de entender e praticar de forma intensa os valores presentes no caminho que havia escolhido. Esteve sempre atento ao evangelho de Jesus Cristo, que se tornou base de vida. Amou com fervor Nossa Senhora, inclusive carregava consigo uma pequena medalha da mãe de Jesus que havia recebido de sua mãe quando era garoto.

Frei Miguel teve oportunidade de breve contato com fr. Leopoldo Mándich. Esse contato foi de muita valia para ele, uma vez que lhe serviu de fonte de inspiração para a sua vida.

O sacerdote Leopoldo Mándich, falecido em 1942 e canonizado pelo papa João Paulo II, em 1983, foi um ser humano iluminado, que deixou como herança a vida de fé. Conforme explica Bernardi (1983), “a fé que é o fundamento de todas as virtudes, foi a virtude característica do Bem-aventurado Leopoldo”.

Da mesma forma, fr. Miguel foi transparente na fé que possuía. Os testemunhos das pessoas que o conheceram confirmam a espiritualidade transparente do frade capuchinho. No livro Frei Miguel Bottacin, capuchinho, seu testemunho cristão e franciscano são apresentadas as diversas declarações que confirmam os talentos espirituais do sacerdote.

São Leopoldo Mándich possuía o dom de ser excelente conselheiro e confessor. De acordo com Bernardi (1983), “Frei Leopoldo ouvia a todos atentamente, concentrava-se em si mesmo, pedia luz a Deus e depois dava, com a máxima clareza e certeza, o conselho que lhe pediam. E sua palavra era sempre de prudência e da mais elevada sabedoria”.

Frei Miguel, admirador e conhecedor dos ensinamentos de São Leopoldo, tornou-se conselheiro e confessor, sendo procurado para atender às mais variadas necessidades do povo que recebia palavras firmes e decisivas.

Além de ter o dom da palavra, fr. Miguel foi, em vida, considerado “milagreiro” no imaginário da sociedade, por ser procurado constantemente pelas famílias das pessoas enfermas e estas terem se recuperado de seus males. Após sua morte, as pessoas continuam acreditando que fr. Miguel pode ajudá-las, e por esse motivo quase diariamente no pátio da capela São Leopoldo Mándich as pessoas depositam flores, solicitam graças e fazem orações, reivindicando emprego, curas físicas e harmonia familiar.

Por causa dos fenômenos que transcorreram em vida e após a morte de fr. Miguel, existem, na comunidade São Leopoldo Mándich, no Conjunto Osvaldo Cruz I e em locais alternados de Curitiba e outras regiões, iniciativas em reconhecer esses fatos, ocorridos com fr. Miguel. Em conversa com o arcebispo metropolitano de Curitiba, d. Pedro Fedalto, temos a seguinte afirmação: “Para que haja um milagre é necessário que o caso se realize sem nenhum poder da medicina e deve ser, em primeiro lugar, científico. Por isso, o médico e até uma junta de médicos devem assinar se o fato é natural ou sobrenatural.

Sabemos que há fatos de pessoas que, por uma auto-sugestão bem forte, podem até recuperar a saúde e, através de uma regressão, até vencer traumas contraídos na infância, adolescência, ou em outra época. Por isso, a parapsicologia é hoje uma ciência de grande valor que, reconhecida cientificamente, exerce muita influência sobre a pessoa humana.

Eu perguntei a d. Pedro Fedalto: Qual a sua posição, por que será que as pessoas procuram tanto fr. Miguel e os fenômenos ocorrem, como que se explica isso?

“Eu vejo, duas causas. Uma pode ser totalmente sobrenatural, espiritual, pela qual a pessoa procura fr. Miguel. A outra: vejo que há muitas pessoas hoje sofrendo, sem emprego, sem recursos, sem casa, sem nada. Então, elas recorrem a Deus através de fr. Miguel para que obtenham de Deus o que não conseguem de outras maneiras. Novamente aqui vale o princípio: a Deus tudo é possível. No entanto, não se pode dizer que tudo é de Deus ou, então, provar cientificamente que tudo veio de Deus. Os milagres propriamente confirmados não são tantos, senão teríamos todo dia milagres. A Igreja só aceita o milagre depois de uma prova muito profunda da vida do próprio cristão”.

Ao frei Dionysio Destéfani, secretário provincial dos Capuchinhos, perguntei se ele poderia acrescentar alguma coisa sobre fr. Miguel. A este pedido, respondeu-me:

Conheci e convivi um pouco com frei Miguel Bottacin. Gostaria, porém, de mencionar alguns fatos que precederam sua vinda ao Brasil. Uma sua colega de estudos do primeiro grau afirmou que o jovem Ilário (nome de batismo de fr. Miguel) foi um dos alunos mais inteligentes da classe e que poderia muito bem encaminhar-se para a vida sacerdotal. Mas, como ele entrou na Ordem Capuchinha com 18 anos, preferiu ser religioso não sacerdote. Este fato é citado pelo frei Emílio de Cavasso, que também se interessou sobre fr. Miguel. Outro frade capuchinho italiano (fr. Humberto De Carli) lembra que, antes de vir ao Brasil, frei Miguel tinha facilidade em conversar e manter um diálogo, era extrovertido, muito devoto à Virgem Maria, com uma religiosidade concreta que amava os sinais externos. Ainda na Itália, quando perguntado ouvia com atenção, interessava-se pelas pessoas e seus problemas; se devia dar uma resposta, pedia um tempo para refletir. Normalmente, ainda como frade jovem e vivendo na Itália, dava respostas precisas, seguras e consoladoras. Por isso, ainda antes de vir ao Brasil, fr. Miguel demonstrava certa tendência para ouvir os outros e procurar ajudá-los. Esta tendência, quase natural, aumentou e se aperfeiçoou aqui no Brasil e, principalmente, na Vila N. Sra. da Luz e na capela S. Leopoldo Mándich, em Curitiba”.

Há alguma frase significativa de fr. Miguel que revele sua personalidade, sua atividade ou outros aspectos? continuei a perguntar e recebi estas informações do mesmo fr. Dionysio:

“Pouco é o material significativo deixado diretamente por fr. Miguel. Nesta frase, por exemplo, escrita aos 17 de março de 1978 a seus confrades italianos, percebe-se algo de sua personalidade interior. Disse: “Quero, por meio de meu trabalho apostólico, dizer que este o posso fazer por causa da minha formação recebida como irmão capuchinho. Faço-o sempre pensando em vós e somente por vós. Trabalhemos, cansemo-nos e consumemos nossa vida somente para este fim: Deus”.

Na carta enviada (20.03.1990) a fr. Raimundo Ambrosi, superior provincial em Veneza (Itália), manifesta sua realização pessoal, escrevendo: “Sinto-me feliz, contente e realizado: são 33 anos que estou aqui (no Paraná). O Senhor deu-me quanto desejava”.

Aos 20 de janeiro de 1994, escrevendo ao então superior provincial de Veneza, fr. Flório Tessari, novamente manifesta seu espírito apostólico e de dedicação, dizendo: “Quero morrer aqui (em Curitiba). Dei a Deus tudo o que Ele me deu. Já vivi 53 anos de consagração religiosa e, dos quais, 37 no Brasil. Sinto-me contente e realizado. Depois de ter vivido 26 anos neste lugar de pobreza (na Vila N. Sra. da Luz) juntamente com o Cristo pobre, não saberei o que desejar de melhor para mim”.

Poucos meses antes de sua morte, assim escrevia ao capuchinho italiano fr. Humberto De Carli, muito seu amigo: “Agradeço a Deus; estou bem, mas não sou mais jovem porque estou completando quase 75 anos. Sinto-me feliz, contente, realizado. Sim, caro irmão, como é belo oferecer-se pelos irmãos. Em julho completarei 39 anos de Brasil. Quero morrer aqui (na capela S. Leopoldo, Vila N. Sra. da Luz)”.

Frei Miguel homem que educa – Frei Miguel soube conduzir sua missão apostólica, integrando os princípios educacionais, especialmente em dois momentos: por meio da criação da creche na comunidade São Leopoldo Mándich, hoje Creche Frei Miguel. Ali as crianças são acompanhadas com amor e orientadas para os valores humanos, tão difíceis de serem encontrados na vida cotidiana; por meio de seu carisma, fr. Miguel proporcionou a circularidade cultural (Ginzburg, 1986), uma vez que os indivíduos que se aproximavam dele representavam todas as camadas sociais, fato que contribuía para a comunicação entre a cultura popular e a cultura oficial. Com isso pôde promover a interpenetração das culturas que continuam vivas até hoje, por causa da aproximação das pessoas que se dá quase todos os dias ao seu túmulo.

Considerações – A Creche fr. Miguel, situada na capela São Leopoldo Mándich, no Conjunto Osvaldo Cruz I, hoje é conduzida pela Associação Cultural e Assistencial, tendo na presidência fr. Ivo Severino Bonamigo (capuchinho).

A creche acolhe crianças de zero a seis anos, sob os cuidados de 16 funcionários registrados. Conta com a ajuda da Prefeitura e da comunidade. Para cobrir as despesas da creche, existe a ajuda dos benfeitores interessados em fazer doações de objetos (roupas, ofertas, brinquedos, etc.). De posse das prendas, instala-se um bazar, sendo as mercadorias vendidas a um preço baixo. A renda é convertida em favor da creche. Alguns empresários contribuem com doações de alimentos.

Frei Ivo menciona que, independentemente da creche, às terças-feiras, distribuem-se sacolas de alimentos para 220 famílias carentes. Este também foi um trabalho iniciado por fr. Miguel.

Na comunidade São Leopoldo Mándich continuam os aconselhamentos e confissões às segundas e sextas-feiras e aos domingos, das 14h às 16h. Frei Ivo diz fazer o trabalho com muita boa vontade, porém, substituir fr. Miguel não é fácil porque ele era um homem carismático.

Pelo brilhante trabalho realizado, fr. Miguel recebeu o título de Cidadão Honorário de Curitiba aos 31 de maio de 1984 e o título de Cidadão do Estado do Paraná aos 20 de junho de 1984. Foi merecedor do último título principalmente por ter criado na mentalidade da sociedade o espírito de partilha e doação, virtudes essenciais para a vida em sociedade. No dia seguinte após o recebimento desse título, fr. Miguel escreveu (21.06.1984) ao Ministro provincial de Veneza (Itália), dizendo-lhe: “Tudo isto seja para a glória do Senhor e exaltação de nossa Igreja, de nossa Ordem capuchinha, pela qual desejo lutar até o fim. Sim, Reverendo Padre, nada disto mereço e, se o recebi, devo-o à formação que a Ordem Capuchinha me deu”.

O livro Frei Miguel Bottacin, capuchinho, seu testemunho cristão e franciscano pode ser encontrado nos seguintes locais: capela São Leopoldo Mándich, Rua José Lacerda Junior, 273, Conjunto Osvaldo Cruz I, CIC – Cidade Industrial de Curitiba; paróquia da Vila Nossa Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, praça central s/n., no CIC; Paulinas Livraria, Rua Voluntários da Pátria, 225, centro, Curitiba-PR; Livraria do Chain, Rua General Carneiro, 441, centro, Curitiba-PR.

Jorge Antonio

de Queiroz e Silva é pesquisador especialista em Metodologia do Ensino de História e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.e-mail:
queirozhistoria@terra.com.br

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