Estudantes preparam montagem de Cosi Fan Tutte, de Mozart

São Paulo – No palco do Teatro São Pedro, a discussão gira em torno das cores. Com os figurinos já desenhados, as alunas da Faculdade Santa Marcelina agora conversam com os colegas do Instituto Tomie Ohtake sobre os tons utilizados nos cenários. A dúvida: vai combinar? Aos poucos, o som dos instrumentos sendo afinados pelos músicos da Sinfônica Jovem do Estado vão interrompendo a conversa. E a alguns minutos dali, no Centro Tom Jobim, os 11 cantores, com idades que vão de 15 a 20 anos, vão chegando para o ensaio com o tenor Mauro Wrona. Ao piano, vão se preparando para fazer a estréia, subir pela primeira vez ao palco para interpretar o Cosi Fan Tutte, de Mozart.

A estréia está marcada para o dia 29 de junho, no São Pedro. O projeto tem um nome, Ópera Estúdio, e vários objetivos. Entre as muitas deficiências do cenário operístico no Brasil, uma das mais graves talvez seja a formação. Em outras palavras, o jovem cantor, se dá sorte, sai da sala da casa do professor direto para as grandes produções, nos grandes teatros. O ideal seria que, entre um ponto e outro, tivesse a oportunidade de subir em palcos menores, onde pode aos poucos, refinar a voz e aprender, acompanhado por bons maestros e diretores e em um repertório adequado a sua voz, os diversos detalhes de sua arte: a projeção, o estilo, a postura em cena, a atuação, e assim vai.

E, pelas proporções e pelo repertório – mais leve – que nele pode ser feito, o São Pedro é o espaço ideal para isso. E o teatro sai ganhando também: tem a vocação para ser um espaço da ópera e não a mera casa de aluguel a que se reduziu desde sua restauração, na década de 90. O São Pedro é, hoje, um teatro sem projeto – e, se der certo, o Ópera Estúdio pode não apenas suprir uma lacuna no contexto da ópera brasileira como também dar um sentido a um de nossos principais teatros.

Tudo isso é a teoria. Na prática, os trabalhos vão entrando na reta final, com os ensaios se intensificando e os elementos – cenários, figurinos, direção cênica, direção musical – preparados individualmente começando a se integrar e esboçar alguma idéia de conjunto. ?É fascinante?, diz Michelle Egli, de 22 anos, uma das responsáveis pela criação dos figurinos. ?No início, nos pediram algo que ficasse entre o estilo de época e o moderno, o que nos oferecia um painel enorme de possibilidades. Agora, as coisas vão se fechando e ligando, é um prazer muito diferente ver isso no palco.?

Colega de Michelle, Livia Puppa, de 18 anos, concorda. E vai além. ?Quando a gente fala que faz faculdade de moda, todo mundo acha que é aquela coisa de Fashion Week e tudo mais. Tudo bem, isso existe. Mas há um outro universo, a chance de contar uma história por meio de um figurino, interferir no modo como as pessoas vão ver este ou aquele personagem?, diz, enquanto mostra os croquis, o modo como determinadas saias vão sendo encurtadas à medida que as personagens femininas vão se liberando. ?E tem todo um lado prático: a gente precisa pensar que o cantor vai ter, sei lá, um minuto para trocar de figurino, então tem de ser algo funcional, que permita isso. Não basta ter idéias, tem de pensar no lado prático também.?

Michelle e Livia dizem que encontraram uma vocação. ?Era um lado menos conhecido para nós, mas estamos pensando até em montar uma equipe que não se limite a esse projeto.? A idéia é música para os ouvidos do experiente tenor Mauro Wrona, diretor-geral do espetáculo. ?O objetivo é esse. As vozes são os elementos mais visíveis de uma ópera, mas também falta gente boa para fazer figurinos, cenários.? A tarefa de Wrona no espetáculo é fundamental. Ele brinca, garante que não interferiu demais. O que fez foi orientar os alunos. Foi à Santa Marcelina e, para as futuras figurinistas fez uma palestra sobre a ópera de Mozart, mostrou vídeos, apontou caminhos possíveis. Com os alunos de Guto Lacaz no Instituto Tomie Ohtake, responsáveis pelos cenários, o procedimento foi o mesmo. Com os cantores, o trabalho foi mais próximo, já que ele também assina a direção cênica do espetáculo.

Guto Lacaz diz ter se divertido com o trabalho. No dia em que conversou com a reportagem, o artista plástico acabara de voltar com seus alunos de um passeio por lojas na região do São Pedro, em busca de adereços e inspiração. Mais tarde, no palco, mostrava aos alunos como funciona a parte técnica, a disposição dos cenários, ?investigando o espaço cênico?.

E o mesmo trabalho foi feito por ele e Wrona com os cantores, passo primordial para que eles aprendam a se movimentar no palco. ?O cantor diz o tenor, não pode mais ficar parado cantando, por mais bela que seja sua voz. Precisa saber se comportar no palco. E, para isso, Mozart é um bom começo. Se bem-feito, não machuca a voz. E tem uma dinâmica que serve como bom treino. É fascinante acompanhar jovens nessas primeiras descobertas.?

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