Christine Röhrig: Goethe em versão juvenil

Fausto vendendo sua alma ao diabo em linguagem corriqueira. Uma mulher chamada Gemma Bovery que, entediada como a personagem de Flaubert, atira-se ao adultério. Um conto de Oscar Wilde narrado por personagens que são bichos da fauna brasileira. Exemplos de uma tendência -clássicos da literatura mundial invadem as prateleiras das livrarias com novo formato e com textos mais atraentes, dispostos a captar a atenção do jovem leitor, cada vez mais rodeado por máquinas eletrônicas que proporcionam diversão. ?Os mitos hoje estão mais acessíveis??, comenta Christine Röhrig, autora de Fausto 1 (Girafa, 76 páginas), edição adaptada especialmente para o público juvenil da obra de Goethe. ?Nesse trabalho, eu me coloquei como o primeiro contato com a obra do alemão.??

A história do homem que vende a alma ao diabo em troca de sucesso, embora conhecida, sempre incentivou um respeito até exagerado em relação ao original. ?Goethe era jovem quando escreveu Fausto e, para surpresa de muitas pessoas, que sempre vêem poeira demais em sua obra, usou muito do humor e da poesia em seu texto??, explica a autora. ?Tanto que preservei diversos trechos do original, alterando apenas quando o texto parecia um pouco pesado para o público jovem de hoje. Fiz uma tradução antropofágica.??

Tradução

Christine, que se notabiliza pelas recentes traduções da obra de Goethe, buscou também preservar o ritmo e não a rima da poesia do autor alemão, para facilitar a leitura e provocar uma fruição. Ela partiu de um princípio precioso: da mesma forma que há diferentes maneiras de uma pessoa se aproximar de outra, há também formas distintas de se envolver com livros. ?Goethe escreveu esse texto há quase 200 anos, mas ainda continua atual, a ponto de Fausto pertencer ao imaginário europeu nos dias atuais.??

Mesmo sabendo que pode contrariar os puristas, Christine defende a utilização de adaptações como um dos caminhos para se iniciar na leitura, pois o primeiro contato com um livro volumoso e sem ilustrações pode assustar. ?Da mesma forma que não é necessário ir até a Inglaterra para se conhecer Shakespeare, os jovens leitores não precisam ler Romeu e Julieta original para descobrir as peripécias do amor.??

Eis o ponto decisivo no trabalho dos adaptadores: fidelidade ao espírito da obra original, que é apresentada com uma roupagem mais condizente com o jovem leitor da atualidade. ?Foi uma tarefa árdua, em que tive de cometer algumas ousadias, mas com propriedade??, observa Christine. ?É preciso abrir uma porta de facilitação das grandes obras para os mais jovens.?? Esta certeza norteia o trabalho de editoras como a Jorge Zahar, que lança em capítulos a grande obra de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, e da Berlendis e Vertecchia Editores, que recentemente lançou uma versão do conto de Oscar Wilde, O amigo fiel, com um toque nacional: a fábula que põe em evidência o valor real da lealdade e da amizade é contada por personagens da fauna brasileira. Assim, a ingênua capivara Valentim e a esperta queixada Xicoqueixo têm condutas próprias dos seres humanos ao expor diferenças de princípios de ordem ética e moral.

Ilustração

A adaptação e as belas ilustrações foram feitas pelo artista plástico e caricaturista Gonzalo Cárcamo. A prática, aliás, tornou-se rotineira, grandes nomes do jornalismo e das artes visuais usam seu talento para apresentar os clássicos. A inglesa Posy Simmonds, por exemplo, colaboradora regular do jornal The Guardian, inspirou-se em Madame Bovary, de Gustave Flaubert, para criar Gemma Bovery, lançado agora pela Conrad. Ao encontrar equivalentes contemporâneos dos personagens, do enredo da ironia e até mesmo das ferramentas literárias de Flaubert, Posy elaborou uma sátira, deliciosamente inteligente aos yuppies britânicos e aos costumes contemporâneos, na avaliação do The New York Times.

A Conrad, aliás, consagra-se como a editora que mais aposta nessa vertente. Assim, além de trazer grandes obras estrangeiras, investe em trabalhos nacionais como na versão em quadrinhos de A relíquia, de Eça de Queiroz, que o cartunista Marcatti finaliza para lançar nos próximos meses. Famoso pelo traço escatológico e, talvez por isso mesmo, um dos mais geniais do país, Francisco Marcatti Jr. logo se apaixonou pela cruel caricatura apresentada por Eça. ?O texto mostra toda a cafajestada da burguesia do século 19 e o autor usa de muita pompa na linguagem para, na verdade, chutar o pau da barraca??, diverte-se.

Depois de decupar o texto, Marcatti elaborou um plano de criação de quadrinhos, em que várias cenas foram condensadas. A linguagem também foi adaptada para os dias atuais, quando o original revelava-se castiço demais. Na verdade, Marcatti seguiu os preceitos de outros adaptadores: ?Fui fiel ao conceito do original??. (AE)

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