Curitiba

Bar O Torto em Curitiba é templo de Garrincha, futebol, boemia e até de polêmicas

Escrito por Gustavo Marques

“O Bar do Torto é como a Caverna do Dragão. Todo mundo quer voltar para casa, mas ninguém consegue”, é a definição “cirúrgica” do local, exposta em um espaço de 50 metros quadrados com grandes histórias, polêmicas, duelos valendo taça na mesa de sinuca e muito mais. Tudo com a benção do “anjo das pernas tortas”, o imortal jogador de futebol Garrincha.

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A frase acima é de Arlindo Ventura, 49 anos, natural de São Paulo, mais conhecido como Magrão, proprietário do bar O Torto, no bairro São Francisco, em Curitiba. O botequim tem balcão de madeira com partes descascadas e marcados por copos, garrafas de bebidas com rótulos desgastados pelo tempo, e piso de ladrilhos hidráulicos, que juntos formam um caminho para as relíquias de fotografias, reportagens e frases de impacto da carreira do jogador bicampeão mundial com a seleção brasileira em 1958 e 1962. Local que é uma contemplação, ideal para os fãs de uma gelada com o esporte bretão. Um boteco raiz!

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

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20 anos com show de Rita Cadillac

Esse “santuário” do Garrincha em Curitiba ainda traz fãs de várias partes do planeta para o Torto, bar que completou vinte anos em fevereiro deste ano. A festa de comemoração foi em abril, com um show apoteótico da chacrete Rita Cadillac. Magrão chegou na capital paranaense em 1989, a convite do irmão Almir. Vivia antes em uma comunidade no Jardim Oratório, em São Paulo, onde aos 12 anos já trabalhava em um bar. Em terras paranaenses, o primeiro trabalho foi na Love Lanches, tradicional lanchonete da cidade.

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Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

“A enxurrada passava debaixo da minha cama no Jardim Oratório e aqui tudo era novo. Na Love Lanches, fui copeiro e preparava sorvetes. Fiquei um ano, quando conheci um rapaz que sonhava em ter um bar no Centro. Ele gostava do meu trabalho e montou o Bar Dallas, aqui mesmo na Rua Paula Gomes, no São Francisco (em 1990). Durante o dia, eu ficava em um estacionamento lavando carro, manobrista e ainda vendia pipoca na região para pagar o meu jantar. Com o dinheiro do bar e fazendo esses bicos, comecei a guardar dinheiro”, relembra Magrão.

Dormindo no chão por três anos

Antes de iniciar com o Torto, Magrão passou por dificuldades, chegando a ser deportado da Inglaterra em uma viagem. Com vergonha de retornar para Curitiba após fazer uma festa de despedida em uma churrascaria, passou duas semanas em Belo Horizonte e ainda por São Paulo.

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

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Após esse período, voltou para a capital paranaense para retomar o emprego no estacionamento. A vantagem do precoce retorno da viagem internacional é que o dinheiro não foi gasto, o que possibilitou a chance de assumir um comércio. “Estava com 10 mil dólares na época, e com essa grana poderia abrir meu próprio negócio. O Torto era para ser de frente ao Mueller, mas não deu certo. Pensei na Mateus Leme, mas o aluguel era caro. Aí um dia no estacionamento, eu estava vendo os anúncios da Tribuna do Paraná, vi que o Bar do Peixe estava a venda. Seu Nelson ficou de 1980 a 2002. Fiquei sabendo pela Tribuna”, comentou Magrão.

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

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Com o acerto, o novo comerciante do bairro deu início ao Torto, homenagem a Garrincha, que deixava seus marcadores “tortos”. Sem clientela, mas já trazendo acervos do craque da camisa 7, Magrão ficou três anos e meio dormindo em um colchão no meio do bar.

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

“Dormi nesse chão três anos e meio, quando a freguesia ainda estava conhecendo o bar. Eu deixava um colchão na cozinha e colocava no chão. Os recortes começaram em São Paulo quando adolescente. Virei rato de sebo, nunca esqueci as rádios falando de Garrincha. Pessoas de vários lugares do mundo falam que queriam o Torto na cidade deles, especialmente os cariocas. É preciso passar essa referência para essa gurizada, seja no futebol, como na música. Eu posso fazer a minha diferente no meu quadrado, meu objetivo está sendo atingido. Se fizer uma expansão, é maravilhoso”, disse o comerciante, que tem na cabeça crônicas de João Saldanha e Nelson Rodrigues, e trechos de narrações esportivas com Pedro Luiz e Edson Leite.

Show históricos e Elza Soares

A partir de 2008, o bairro São Francisco começou a ter uma transformação visual e musical. Magrão iniciou ao lado de outros comerciantes, e com a ajuda da prefeitura, o incentivo às artes. A grafitagem ganhou espaço ao invés da pichação, e os shows apareceram com a Quadra Cultural, evento que fechava as ruas das imediações da Paula Gomes e reunia milhares de pessoas. Nomes consagrados nacionalmente como Irmãs Galvão, Odair José, Germano Mathias, Jerry Adriani, Dona Ivone Lara, Rolando Boldrin, e outros, tocam gratuitamente para os curitibanos.

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

“O São Francisco é o espaço onde nasceu Curitiba. Vivi momentos maravilhosos com o Jerry Adriani comendo um picadinho de músculo com quiabo, a vinda da Dona Ivone Lara, o Boldrin, ídolos de gerações.  Só tenho a agradecer por ter proporcionado para muita gente o encontro com artistas e conhecimento de graça”, reforçou Magrão.

Naturalmente, a vinda de Elza Soares, esposa do Garrincha, em 2015, foi um marco para o Torto. A cantora que faleceu em 2022, chegou sem avisar e se emocionou ao ver imagens do jogador. “ Veio de surpresa, comeu um bolinho de carne e chorou no balcão. Foi um encontro maternal, um sonho realizado de um garoto que lia sobre a vida e carreira dela, quando morava na favela”, lembrou Arlindo que sonha em ter Sidney Magal no Torto.

Acusação de racismo e agressão

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

Em janeiro de 2020, um episódio marcou o bar e seu dono. Uma mulher de 25 anos acusou Magrão de agressão e racismo. A ocorrência gerou forte comoção e resultou em manifestação contra o bar. Pessoas chegaram a arremessar lixo para dentro do estabelecimento.

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Após três anos do fato, Magrão ainda não se diz confortável em falar a respeito, pois o processo ainda tramita, e está em segredo de justiça. “Nunca tive nenhum problema antes dessa situação. Se metade do que falaram fosse verdade, eu não estaria trabalhando. Sou a favor de qualquer inclusão, apoio todas as pautas, e Deus está no comando de tudo. Ele sabe que tenho uma missão, respeito as pessoas e vou dar continuidade. No bar não existe bandeiras, aqui é o espaço mais democrático que existe.  Naturalmente, foi um momento de reflexão, e espero fazer o melhor possível”, admitiu o comerciante.

Sobre o autor

Gustavo Marques

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