Um passo à frente

Grijalbo F. Coutinho

Com o término do processo de reforma do Poder Judiciário, é evidente que a população aguarda uma nova dinâmica no funcionamento do aparelho estatal incumbido de distribuir justiça, desde o fim da morosidade à transparência dos atos praticados por magistrados, no exercício dos ofícios judicantes e administrativos. O processo revisional parlamentar não foi capaz de enfrentar alguns dogmas que conduziriam a Justiça a adquirir legitimidade real perante a sociedade. Ainda que conservadora seja a reforma, os juízes devem adotar medidas, judiciais, políticas e administrativas, prontas para atender aos anseios da imensa maioria do povo brasileiro, inclusive as duas ações antes reveladas.

De modo particular, no âmbito da Justiça do Trabalho, é inegável a mudança positiva levada a efeito pelo Congresso Nacional. Destaca-se, nesse cenário, a disposição que autoriza ao juiz do trabalho julgar novas causas, quais sejam, todas as controvérsias que envolvam o trabalho humano. A leitura restritiva das novas competências da Justiça do Trabalho, sem nenhuma dúvida, impedirá uma verdadeira revolução nesse segmento do Poder Judiciário. A postura não deve encontrar respaldo majoritário entre os operadores do Direito. Isso porque, ao contrário do texto revogado, a disposição nova não mais limita o seu campo de atuação aos conflitos entre "trabalhadores e empregadores", explicitando, de maneira clara, que "os dissídios oriundos da relação de trabalho" são da alçada do judiciário trabalhista (art. 114, inciso I da Constituição, com a redação que lhe dará a emenda).

A boa exegese se revela incompatível com a possibilidade de estabelecer equivalência absoluta entre as relações de emprego e de trabalho, ainda mais quando se pretende que a amplitude da última se transforme, de forma mitigada, numa das espécies de sua origem. Definitivamente, a relação de emprego ainda não conseguiu abranger a relação de trabalho. Desnecessário esforço hermenêutico profundo, com todas as vênias, para percebermos a intenção do constituinte derivado em dar aos magistrados do trabalho papel político mais racional na distribuição da justiça dos direitos de todos os trabalhadores. Essa foi a tônica dos debates envolvendo a reforma do Poder Judiciário. As duas casas do parlamento brasileiro estavam cônscias do novo desenho que estava sendo dado para a principal competência material da Justiça do Trabalho. Por isso, a expressão "relação de trabalho" não pode ser enxergada como um eufemismo, uma redação meramente equivalente ao texto anterior. Pelo contrário, a nova redação carrega toda uma trajetória de modernização do papel da Justiça do Trabalho, aspecto que não pode ser agora simplesmente ignorado ou tangenciado através de um simples jogo de palavras.

Essa é a razão de se interpretar as normas jurídicas englobando um sentido filosófico, livrando-se da mera dogmática para entender a função política do comando judicial. A ventilada hipótese da declinação de competência pode nos levar a um retrocesso ainda maior do que as nossas cortes produziram em 1993, quando deixamos de julgar os servidores públicos estatutários. É de maior intensidade o prejuízo quando observamos as atuais tendências do mundo do trabalho, que esgarça e precariza as condições sociais, impondo a milhões de trabalhadores relações de trabalho não subordinadas, esvaziando, cada vez mais, os ditos conflitos de emprego. Recusar novas competências, frente ao quadro crescente de outras relações que não a de emprego, é apostar no imprevisível ou mesmo na autofagia da instituição, uma vez que poderá esta se distanciar do seu propósito ontológico, qual seja, albergar as lides que envolvam os atores sociais do trabalho. O incremento da carga de trabalho dos magistrados deverá ser equacionada de forma racional e científica, valendo-se, cada dia mais, dos modernos instrumentos de trabalho, mesmo porque já pôde a Justiça do Trabalho demonstrar sua própria capacidade de superação ao longo de sua história.

Os juízes do trabalho estão aptos para julgar as demandas que cuidam dos conflitos oriundos de todas as relações de trabalho, assim como também os litígios entre sindicatos, os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, as ações de indenização por danos e as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Além da especialidade na matéria, dos contornos que serão atribuídos aos contratos de trabalho de natureza civil, numa época em que o recente Código Civil rompeu com a filosofia liberal clássica individualista para incorporar noções do Direito Social do Trabalho como valores indisponíveis, nada melhor do que a atuação do magistrado social em tal esfera, que deve estar acompanhada de princípios informadores da celeridade, da prestação Jurisdicional justa e da efetividade de suas decisões. Pelo menos um passo à frente foi dado na reforma do Judiciário.

Grijalbo F. Coutinho, juiz do trabalho, é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).