O Estado perdulário

Ramez Tebet

O presidente norte-americano Ronald Reagan, que se esforçou durante seus dois mandatos para reduzir o tamanho do Estado na economia, construindo, assim, o alicerce para a gestão profícua da era Clinton, disse certa vez, em memorável discurso, que "o governo não é a solução, é o problema". A lembrança ocorre a propósito da mais recente posição dos gastos federais, que fecharam o ano de 2004 com um extraordinário aumento de 11%, o que induz o governo a aumentar o volume de caixa do Tesouro, ou seja, a expandir a carga tributária, que já atinge cerca de 37% do PIB. Por isso, quando se procura saber quem é o maior obstáculo ao crescimento brasileiro, a conclusão é unânime: o Estado, que gasta muito e mal.

Em 1995, os gastos públicos federais, excluídas as despesas financeiras, equivaliam a 16,5% do PIB. Hoje, atingem a casa dos 23%. Somadas a esse número as despesas de outras esferas de governo (estados e municípios), os gastos primários atingem 33% do PIB. Para fazer face aos encargos, a carga tributária, que em 1994 era de 28,5% do PIB, aumentou cerca de 9% na última década.

A expansão crescente dos gastos públicos compromete o esforço que o País tem feito para conquistar a tão ambicionada meta de estabilidade econômica. Após décadas de inflação, o Brasil conseguiu ter uma moeda forte e fincar, depois de dez anos do Plano Real, os pilares para almejar o crescimento sustentado. Infelizmente, essa base está sendo profundamente abalada pela alta taxa de juros, que alimenta os déficits orçamentários, os quais, por sua vez, pressionam os juros para cima, em perverso círculo vicioso. A "roda estática" que atravanca o desenvolvimento apresenta a seguinte circunferência: os juros alcançam patamares altos por causa dos déficits e estes não diminuem porque o PIB não cresce; e o PIB não cresce porque os juros são altos. Se os analistas indicam uma política fiscal mais apertada e uma política monetária mais frouxa como a equação mais equilibrada para o País alcançar solidez em matéria de política econômica, o que se vê é o contrário – a expansão de gastos e a elevação de juros.

A outra face da desorganização na área dos gastos públicos é a da execução orçamentária. Gasta-se muito mal. O que é feito dessa dinheirama? Parcela substantiva dos recursos escorre pelo ralo-Brasil: estruturas e quadros maldimensionados; instalações e equipamentos deficientes; métodos de trabalho e processos ultrapassados; custos elevados e superfaturados; sistemas de controle ineficazes; pequenos, médios e grandes feudos administrativos. É claro que há núcleos de excelência na administração pública, mas sua radiografia em nosso País exibe grandes espaços corroídos.

Em outra ponta, estão os gastos superdimensionados em determinados setores. Veja-se, por exemplo, o gasto com as aposentadorias e pensões. Em 1988, a conta dos benefícios do INSS era de 2,5% do PIB. Hoje, é de 11,5%, taxa próxima dos 12% que a Bélgica adota. Só que, lá, 23% dos belgas têm mais de 60 anos, enquanto no Brasil apenas 8,5% da população está acima dessa idade. Outro exemplo: o México, possuindo cerca de 7% de idosos, gasta apenas 5% do PIB em aposentadorias. Mais uma vez, o ônus da perversa política do governo recai sobre o setor privado, cuja taxa de contribuição para a Previdência soma cerca de 30% da folha salarial, mais do que o dobro de países como Estados Unidos, Canadá e Irlanda, onde essa taxa é de 13%.

A conseqüência se faz sentir novamente na competitividade dos setores produtivos. Os efeitos colaterais do acervo contraditório do governo atingem diretamente o universo produtivo, corroendo a capacidade competitiva de muitos setores empresariais e empurrando parcelas da produção para a informalidade. Basta conferir. O Brasil ocupa o 9.º lugar no ranking da informalidade, segundo pesquisa feita pelo Banco Mundial em 133 países. A economia informal representa quase 40% da renda nacional bruta, bem acima da média dos países, que é de 32%. Já o trabalho informal ocupa quase 60% da força de trabalho no Brasil, ou seja, de cada dez trabalhadores brasileiros, seis estão no mercado informal.

A conclusão a que se pode chegar é clara: o Estado brasileiro precisa diminuir de tamanho. Urge diminuir os gastos públicos. Nenhum país cresce sem fazer investimentos. Além disso, os investimentos precisam ser bem feitos. E não de forma atabalhoada como se vê. A infra-estrutura logística do País, a partir das estradas e dos portos, é uma lástima. Desse modo, o País se transforma em refém da ausência de grandes investimentos. Os poucos recursos são pulverizados. No Orçamento deste ano, por exemplo, mais de 96% das receitas estão comprometidas com pessoal, Previdência, transferências a estados e municípios e vinculações para educação e saúde. Há, ainda, os juros da dívida e mais os orçamentos dos poderes Legislativo e Judiciário. Sobram não mais que R$ 11 bilhões para investimentos e custeio da máquina. Muito pouco. Há um ditado antigo que diz: o que sacia é o que sobra. No Brasil, há sobra, sim, de ineficiência. E também muita sobra de gestão perdulária. O que falta mesmo é vontade política, além de coragem, para sair do discurso para a ação. Falta ao País um estadista que possa repetir e cumprir a palavra de ordem do saudoso Tancredo Neves: é proibido gastar.

Ramez Tebet, senador (PMDB-MS), é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.