O alerta vermelho piscou

Dois anos depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro operário da história republicana a sentar na cadeira reservada ao presidente e 25 anos depois da fundação do Partido dos Trabalhadores, se havia argumento para justificar um aparente clima de euforia, nesse momento não há reza brava ou infusão de ervas milagrosas capaz de arrancar o partido do buraco onde se entalou.

Ganhando o governo de municípios importantes como São Paulo e Porto Alegre, e mesmo de um estado forte como o Rio Grande do Sul, o PT não aproveitou o tempo para desenvolver uma característica forte de partido galvanizado pela experiência executiva, afinal, tantas vezes e em tantas cidades, confirmadas pelo eleitorado.

As derrotas sofridas por Marta Suplicy e Raul Pont, dois dos mais destacados prefeitos eleitos pelo PT em 1999, na tentativa de conquistar o segundo mandato na administração municipal de São Paulo e Porto Alegre, no ano passado, foi o acender do alerta vermelho e a sinalização de dias piores no horizonte da grei petista. A eleição de Lula mostrou-se insuficiente para amenizar a carga de contradições que o PT insuflou no imaginário da classe média, sobretudo na pequena burguesia, sem a qual não se chega a lugar nenhum em termos de avanço político, na estimulante lição de Mangabeira Unger.

A messe cheia de surpresas desagradáveis chegou ao ápice com a derrota do candidato da bancada petista à presidência da Câmara dos Deputados, agravada pelo desafio às regras do jogo, com o lançamento da candidatura do também petista Virgílio Guimarães. Ganhou no segundo turno o pernambucano Severino Cavalcanti, mais conhecido como ?rei do baixo clero? – figura folclórica do Congresso que confessou não depositar dinheiro em banco -, depois da transformação da Casa, um dia fechada por não agachar-se diante do arbítrio ditatorial, num mero pastiche dos grandes momentos ali vividos por Pedroso Horta, Adauto Lúcio Cardoso e Ulisses Guimarães.

?Perdeu o governo?, disse o derrotado Luiz Eduardo Greenhalgh. ?Quem disputou e perdeu foi o PT e não o governo?, reduziu Lula, enquanto o pau comia solto na identificação dos responsáveis diretos pela derrapada histórica. Se o conflito por pouco não desandou para uma legítima guerra de babuínos, mercê das expressões regimentais que as várias frações utilizaram em público, nas conversas sem testemunhas dificilmente ofensas pessoais e baixarias foram evitadas.

O mínimo a ser proclamado nesse momento, em tudo semelhante ao pavor resultante do grande terremoto de Lisboa, quando sequer se sabia quantos ainda estavam vivos ou haviam perecido, é que o PT depara-se com sua primeira crise efetiva. O partido tem o presidente da República, vários ministros de Estado, mas não dispõe mais da maior bancada na Câmara, condição hoje abiscoitada pelo PMDB do ex-governador Garotinho. O arco de sustentação política do governo no Congresso, dois anos depois, também exibe perigoso comprometimento de suas vigas mestras.

Uma imprecisa e precária articulação política do governo com os partidos do bloco majoritário, um diálogo de surdos, findou por estressar as relações antes cordiais suscitadas bem mais pela necessidade de sobrevida de algumas siglas, que pelo viés patriótico de confiar o governo aos melhores. O resultado está aí.

A indicação de Luiz Eduardo Greenhalgh foi feita sem ampliar a discussão. Muitos chegaram a ver a imposição de certo prurido hegemônico da importância política de São Paulo. Na verdade, outros tantos torceram o nariz e aguardaram o momento oportuno para ir à forra contra o governo. Os votos de Virgílio no primeiro turno tiraram de Greenhalgh a chance de resolver a questão e, no segundo, deram a vitória a Severino Cavalcanti.

Perder é pressuposto da disputa, mas para o governo a derrota foi humilhante, tendo em vista o grande número de ministros desembarcados na Câmara para a infrutífera boca de urna. O marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal na ocasião do terremoto, diante do desastre, fulminou: ?Cuidem dos feridos e enterrem os mortos?. Ato contínuo, reconstruiu a cidade em ruínas.

Aqui, pode ser de bom alvitre às almas parvas, seguindo sob os eflúvios lisboetas, condenar à fogueira o maior culpado. Ministro Aldo Rebelo, reassuma já sua cadeira de deputado federal!

Ivan Schmidt é jornalista.