Enchentes: quem é que vai pagar por isso?

Não existe explicação que justifique a repetição frequente e previsível. Verão após Verão tantas perdas de vidas e de patrimônio em função das chuvas. Temos gente com conhecimento, tecnologias, recursos, então, por que este problema repete-se em todos os anos, como já previu Tom Jobim, na música “Águas de março”, composta no princípio dos anos 1970? Lá se vão 40 anos.

Dizem que não é de bom tom, e que chega a ser cruel, no momento da tragédia, quando se contam os mortos e os prejuízos, cobrar culpas e responsabilidades. Entretanto, em respeito aos que morreram agora, e em respeito àqueles que poderão morrer no próximo Verão, temos de remexer nesta ferida. Lembro a pergunta do Lobão, na canção Revanche: quem vai pagar por isso?

Até quando as autoridades permitirão, por ação ou omissão, a ocupação das áreas de encosta frágeis pela sua própria natureza, que irão deslizar de qualquer jeito, com ou sem floresta por cima? Até quando as margens de rios e as áreas de várzeas continuarão sendo ocupadas, mesmo com todos sabendo que mais dia ou menos dia estarão alagadas?

Precisamos aprender com os erros, pois se não fizermos isso, é certo que voltaremos a repeti-los. E entre os mais graves erros está o de só liberarem recursos para as prefeituras diante da emergência ou calamidade. Por que não se liberam recursos antes, já sabendo que cada real gasto em prevenção economiza mais de R$ 10 na reparação do desastre?

As leis de uso do solo, os planos diretores, as políticas de licenciamento, estão completamente ultrapassadas ou mesmo mal feitas e precisam ser revistos para impedir a ocupação das áreas frágeis ainda desocupadas. Onde estão nossos vereadores tão céleres para conceder títulos e aprovar emendas ao orçamento para seus bairros?

Quanto às áreas já ocupadas, onde estão nossos prefeitos e governadores para promoverem sua desocupação, com ordenamento e inteligência, pois se continuar a não ser feito por bem, a natureza fará por mal. Onde estão nossas autoridades e seus programas habitacionais para essas populações de baixa renda? Poderiam estar incentivando mutirões remunerados e o cooperativismo para que os próprios futuros moradores construíssem suas próprias casas, após receberem a devida capacitação e o apoio técnico necessário, em áreas seguras, gerando trabalho e renda, aproveitando para incorporar tecnologias limpas e eco-eficientes.

As unidades de conservação, parques e bosques urbanos não seriam só para a proteção da natureza, mas para proteger as pessoas da natureza. Ao lado das perdas materiais, as pessoas sofrem com terríveis perdas espirituais, que podem ser tão ou mais devastadoras. Assim como suas casas, as pessoas podem desmoronar, perder o estimulo e a motivação para lutar e se reerguer. O lar não está na casa perdida, nos bens materiais, nos documentos históricos. O lar é espiritual. Está onde estiver a família ou o que sobrou dela. Pode também estar em um estádio ou abrigo que reúna os sobreviventes antes da tragédia anunciada.