Quantas vezes já roubaram meu Fusca azul?

Tenho um pesadelo recorrente. Sonho que meu carro é furtado. O termo é exatamente este porque quando vou buscá-lo onde deixei-o estacionado não está mais lá. Algumas vezes eu sei que é um sonho e fico só um pouco frustrado pelo fato desta ideia fixa continuar me perseguindo.

Mas outras vezes eu não tenho esta consciência e então fico angustiado, na verdade desesperado por ter perdido meu carro para os “amigos” do alheio. E o detalhe é que não é qualquer carro: é um fusca azul, 1.500, ano 1970, com pneus de faixa branca. Pelo que visualizo no sonho, o bichinho está inteiraço. Definitivamente não se trata de um carro caindo aos pedaços. Tudo nele funciona impecavelmente, não tem um amassado sequer ou risco na pintura. Os estofados estão em perfeitas condições, não são aqueles que já estão no formato do traseiro do freguês. Nada disso.

Com essa constatação, meu estado emocional piora. Fico me martirizando por ter sido tão burro de deixar uma raridade dessas dando sopa. Em meio a este autoflagelo de admoestações descubro que a situação é definitiva: ou seja, não recuperarei o carro jamais.
Tempos depois volto a sonhar o mesmo sonho e o diacho é que começa tudo do zero. O Fusca não diz quem o rouba sistematicamente. Se é um sonho poderia perfeitamente falar, se bem que nem o fabuloso Herbie do filme foi capaz desta proeza. A insistência deste sonho é tamanha, que resolvi procurar pistas do seu significado. Recorri ao João Bidu, astrólogo renomado, que assina uma seção especial na Tribuna do Paraná de horóscopo, simpatias, números da sorte e interpretação de sonhos.

Encontrei uma menção sobre o assunto: “Sonhar que tem o carro roubado representa o desejo de independência, de controlar a própria vida”.

E eu que pensei que já havia proclamado a minha república, já até morei em uma. Recorri ao Google, o oráculo moderno, e encontrei muitos sites. A maioria dizia a mesma coisa, com algumas variações: “Sonhar que está roubando o carro em companhia de amigos; sinal para tomar cuidado com as amizades”. E bota cuidado nisso. Seria de desconfiar se não fosse feita esta recomendação.

Mais adiante arremata: “Se o carro roubado é seu, isso significa que precisa aprender a dominar melhor a própria vida para que esteja prevenido de qualquer risco e de perder o controle do que faz”. Puxa vida! Parei de procurar. Vai que eu encontro alguma coisa assim: “Você aí que sonha sempre com um Fusca azul, cuidado…”

Isola na madeira! Coisa curiosa deste sonho é que eu nunca tive um Fusca, infelizmente. A maioria dos meus carros foi adquirida pela ocasião, não representaram uma escolha ou um sonho de consumo.

Lembro que quem teve um Fusca com estas características foi o meu amigo Pedro Morozco, de Ponta Grossa. Trabalhamos juntos no Diário dos Campos entregando jornais. O Fusca do Pedro só não tinha os pneus com faixa branca, mas era azul e equipado com motor 1.500. Tive o prazer de dirigi-lo uma vez.

No começo da década de 1980, Pedro, que fazia um bico numa churrascaria na Nova Rússia, havia comprado o carro como forma de investimento. Fez umas poucas melhorias e o vendeu com algum lucro para um comerciante, que se apaixonou pelo Fusca e ficou com ele como segundo carro, seria o seu hobby dali em diante. Sem dúvida um sujeito privilegiado.
Eu comentei com o Pedro que era um pecado se desfazer daquele carro em tão boas condições. E ele me disse uma coisa que nunca esqueci. “Carro tem de monte por aí e se surgir oportunidade em outro momento da vida eu compro. Agora o importante é me estabelecer, formar a minha família e amparar o meu pai!”.

Com o dinheiro, Pedro ergueu uma casa no terreno em que o pai dele morava e se casou. Único filho, Pedro uniu o útil ao agradável porque o pai era viúvo, já de idade avançada. O homem estava deprimido pela falta da companheira e precisava de cuidados naquela altura da vida. Pela lógica, quem deveria sonhar sempre com o Fusca azul seria o Pedro. Não o vejo há muito, tempo e nem sei se ainda lembra do fuscão. Mas o fato é que o Pedro abriu mão de um sonho para realizar outro e pelo que consta nunca se arrependeu disso.