Transmissão aos herdeiros da obrigação alimentar

 

Conforme dito nas primeiras edições desta coluna, a obrigação alimentar é tema de grande frequência, que, inclusive, transcende a existência das pessoas originalmente obrigadas, recaindo, invariavelmente, sobre o patrimônio deixado pelo de cujus.

Contudo, tal incidência comporta certas limitações, que implicam em ilegitimidade de parte e se traduzem em segurança jurídica aos herdeiros. Vejamos.

PROPOSIÇÃO: Apenas a obrigação alimentar já constituída é transmissível aos herdeiros.

JUSTIFICATIVA: Considerando o disposto no art. 23 da Lei n.º 6.515/1977 e no art. 1.796 do Código Civil, apenas os alimentos fixados anteriormente à morte do de cujus é que podem ser opostos contra o espólio, ante a natureza personalíssima e intransmissível do dever jurídico de alimentar.

(Ap. Cív. n.º 647.391-8; 618.122-8; 403.359-8; 316.304-6. REsp 509.801/SP; 775.180/MT; 1.040.969/RJ)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            O acórdão a seguir, publicado em 29 de julho de 2010, bem exemplifica o tema acima tratado.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 647.391-8 DA 2ª VARA DE FAMÍLIA E ACIDENTES DE TRABALHO DA COMARCA DE LONDRINA.

APELANTE: E. M. B. G..

APELADO: ESPÓLIO DE R. V.

RELATOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA.

 

APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO DE ALIMENTOS ­ EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO ­ CARÊNCIA DE AÇÃO ­ DECISÃO MANTIDA ­ IMPOSSIBILIDADE DE TRANSMISSÃO DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS AO ESPÓLIO ­ INEXISTÊNCIA PRÉVIA DE CONDENAÇÃO DO AUTOR DA HERENÇA ­ RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO.

 VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 647.391-8, da 2ª Vara de Família e Acidentes do Trabalho da Comarca de Londrina, interposto por E. M. B. G., contra a sentença que em autos de ação de alimentos (sob nº 1945/2008) entendeu ser a autora carente de ação, julgando extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, IV, Código de Processo Civil.

 Em razão da sucumbência, a autora foi condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao patrono do réu, estes arbitrados estes R$ 600,00 (seiscentos reais), com base no artigo 20, § 3º e § 4º, do Código de Processo Civil (fls. 485/489 e 504).

 A autora recorre alegando, em síntese, que era companheira do falecido e, durante tida convivência, esteve sob total dependência econômica do companheiro, restando patente a obrigação do espólio de prestar alimentos a quem o falecido os devia e a dispensabilidade de prova prévia e inequívoca da união estável existente entre a Autora e o falecido companheiro, para que seja deferido o pleito de alimentos. Pede, ao final, a reforma da sentença para o fim de ser julgado procedente seu pedido, fixando-se os alimentos devidos pelo espólio (fls. 496/502).

 O magistrado “a quo’ recebeu o recurso de Apelação em seu duplo efeito, intimando a parte adversa para oferecer contrarrazões (fls. 504).

 Contrarrazões às fls. 507/530.

 A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça Milton José Furtado, manifestou-se no sentido de ser conhecido e não provido o recurso (fls. 543/546).

É o relatório.

Cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto contra a sentença proferida nos autos de ação de alimentos que julgou extinto o processo sem resolução de mérito, com fulcro no artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, ao entendimento de que a autora seria carecedora da ação.

 Presentes os pressupostos objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, regularidade procedimental e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e subjetivos (interesse em recorrer e legitimidade), conheço dos recursos interposto.

  Inicialmente, cumpre consignar que com o advento do CC/2002, a grande discussão acerca do tema referente à transmissibilidade ou não da obrigação alimentar em razão do contido no art. 402 do CC/16 e do art. 23 da Lei nº 6.515, de 26/12/1977 veio a ser superada, isso porque, como se tem do art. 1.700 do CC/2002: “Art. 1.700 – A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos àquele a quem o falecido devia, mesmo que vencidos após a morte deste, ao argumento de que o alimentado e herdeiro não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, notadamente, considerada a morosidade inerente a tal procedimento e o caráter de necessidade implícito nos alimentos.

Nesse sentido os seguintes julgados:

“DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO. PRESTAÇÃO. ALIMENTOS. TRANSMISSÃO. HERDEIROS. ART. 1.700 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. 1 – O espólio tem a obrigação de prestar alimentos àquele a quem o de cujus devia, mesmo vencidos após a sua morte. Enquanto não encerrado o inventário e pagas as quotas devidas aos sucessores, o autor da ação de alimentos e presumível herdeiro não pode ficar sem condições de subsistência no decorrer do processo. Exegese do art. 1.700 do novo Código Civil. 2 – Recurso especial conhecido mas improvido.” (REsp nº 219199/PB, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, rel. p/ acórdão Min. Fernando Gonçalves, 2ª Seção, j. 10/12/2003, DJ 03.05.2004, p. 91).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – REFORMA DO JULGADO – ESPÓLIO – OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS APÓS A MORTE DO ALIMENTANTE – RECURSO IMPROVIDO. 1. O espólio deve prestar alimentos àquele a quem o de cujus devia, mesmo quando vencidos após a sua morte. 2. O alimentando é presumível herdeiro e, por isso, deve ser mantida a obrigação a fim de suprir sua subsistência no decorrer do processo. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1040969 / RJ. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.  2008/0086435-0. Relator(a) Ministro MASSAMI UYEDA (1129). Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento 23/09/2008. Data da Publicação/Fonte DJe 13/10/2008)

Contudo, analisando as vicissitudes do caso em apreço, entendo que a decisão combatida não merece reparos, uma vez que inexistia qualquer obrigação alimentar estabelecida entre o de cujus e a Apelante, sendo que até a alegada união estável encontra-se em discussão em ação própria (fls. 39/64).

Nesse sentido os seguintes julgados:

AÇÃO DE ALIMENTOS – PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA NÃO APRECIADO PELO JUÍZO A QUO – CONCESSÃO NESTA INSTÂNCIA – INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – POSSIBILIDADE DE SE AUFERIR PENSÃO ALIMENTÍCIA SOB O RITO DA LEI ESPECIAL DE ALIMENTOS SOMENTE SOB A ÓTICA DE UM POSSÍVEL RECONHECIMENTO DO PARENTESCO ATRAVÉS DE EXAME DE DNA – ALIMENTOS EM FACE DO ESPÓLIO – IMPOSSIBILIDADE DO PEDIDO POR SE NÃO TRATAR DE OBRIGAÇÃO JÁ PRÉ-ESTABELECIDA – OBRIGAÇÃO PERSONALÍSSIMA – PRINCÍPIO DA INTRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO SOMENTE PARA FINS DE SE AUFERIR A GRATUIDADE JUDICIÁRIA. (Acórdão nº 8497)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL – PRETENSÃO DE ALIMENTOS DIRIGIDA CONTRA OS HERDEIROS DO FALECIDO – IMPOSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO PREEXISTENTE – DEVER PERSONALÍSSIMO – DECISÃO ACERTADA – RECURSO DESPROVIDO. (Acórdão nº 5618)

APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE ALIMENTOS DIRIGIDA CONTRA O ESPÓLIO INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR PRÉ- ESTABELECIDA POR ACORDO OU DECISÃO JUDICIAL IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO APÓS A MORTE DO DE CUJUS COM IMPUTAÇÃO DO ENCARGO AO ESPÓLIO DECISÃO CONFIRMADA RECURSO DESPROVIDO. O legislador, ao determinar que ‘a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694’ (art. 1700), teve em vista a transmissão da obrigação alimentar já estabelecida, mediante acordo ou decisão judicial, e não o dever legal de alimentos, na sua potencialidade (e não na sua atualidade). Desta feita, para serem devidos pelo espólio, os alimentos devem ser reconhecidos como de efetiva obrigação do devedor quando verificado seu falecimento. (Acórdão nº 3827)

Portanto, correta a decisão que entendeu pela carência de ação por parte da Apelante.

 Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo incólume a decisão de primeiro grau.

ACORDAM os Senhores integrantes da 12ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso de Apelação, nos termos do voto do Relator.

O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador CLAYTON CAMARGO, como Revisor, e dele participou o Senhor Desembargador RAFAEL AUGUSTO CASSETARI.

 Curitiba, 30 de junho de 2010.

 Des. ANTONIO LOYOLA VIEIRA – Relator

  

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