Ensino Superior fornecido por instituições privadas: o conflito financeiro

Na seara do fornecimento de ensino superior por instituições privadas, precisamos urgentemente da intervenção governamental, consoante previsto na Lei 8.078/90 (art. 4.º, incs. III e II, letra ?c?), além de nova legislação específica para reger estas relações de consumo. Há muitos setores desestruturados no Brasil, mas se há um especialmente relevante em que poucos estão satisfeitos, é o ensino superior. Duas décadas atrás, iniciou-se um surto de criação de novas instituições privadas de ensino, empresas que, naquele tempo, se transformaram em verdadeiras minas de dinheiro para seus proprietários. Em considerável número de casos, a qualidade de ensino foi negligenciada, gerando justificadas críticas. Essa liberalidade permitida pelo MEC (que concede as autorizações), manteve a idéia central de que a concorrência traria ao ensino, tanto a boa qualidade, como o preço acessível. Ao MEC restaria fazer corretamente a regulação (normatização, controle e fiscalização), o que nem sempre aconteceu. A esperança era que logo o país chegasse a patamares avançados de escolaridade de sua população (países desenvolvidos normalmente têm bem mais da metade da população com curso superior). Entretanto, esqueceram de considerar fatores como o baixo poder aquisitivo da maioria dos brasileiros, a deficiente qualidade do ensino fundamental (principalmente na escola pública) e a falta de incentivo governamental para o setor. O resultado foi e é, entristecedor. Atualmente, as relações de consumo para fornecimento de ensino superior pela iniciativa privada, se constituem em enorme fonte de conflitos. De um lado, os alunos e suas famílias reclamando do nível de ensino na maioria das faculdades privadas, da falta de acesso a este tipo de serviço, dos contratos que lhes são impostos permeados de cláusulas abusivas, do valor das mensalidades (e seus aumentos desarrazoados), do excessivo número de taxas cobradas pelas escolas e das tentativas (delas) em se eximirem de obrigações inerentes a natureza do contrato. De outro lado, as instituições privadas reclamando da inadimplência dos alunos, das decisões judiciais paternalistas e das leis protecionistas para os maus pagadores, além do aumento das exigências de qualidade no ensino sem que exista contrapartida no valor das mensalidades. Por conta disto, inclusive, a maioria das faculdades adota o sistema de disciplinas semestrais (para poder barrar, em pouco tempo, a continuidade dos contratos dos inadimplentes), o que é permitido pela legislação, mas dificulta enormemente a tarefa de realizar ensino de qualidade.

Em meio a este contexto, vemos Procons e Ministério Público notificando faculdades para que concedam ao aluno inadimplente o direito de fazer provas, para que não retenham documentos dos que não pagaram mensalidade(s), para que não exijam garantias adicionais (como fiador) ao aceitar alunos e para que, ao receberem pedidos de transferência, se omitam de exigir comprovação de quitação do ano anterior na outra escola. Note-se que as instituições privadas alegam não conseguir suportar o sistema pelo qual possuem a obrigação de arcar com os custos de fornecer ensino de qualidade, enquanto o aluno, uma vez matriculado, quer pague ou não suas mensalidades, têm na legislação, a garantia da possibilidade de freqüentar o curso durante todo o período contratual e, a seguir, obter uma transferência para outra instituição (prática que muitos já adotam). E não são poucas as decisões judiciais no sentido de impor para determinadas faculdades, que aceitem matriculas ou re-matrículas de acadêmicos inadimplentes, interpretando a legislação em favor destes consumidores e sob o fundamento fático de que as escolas podem cobrar por outros meios.

Trata-se de uma relação entre direito e economia, ou, mais precisamente, entre o direito à educação e sua viabilidade para fornecimento pela iniciativa privada, já que o Estado não tem demonstrado a capacidade de fornecê-lo gratuitamente a todos os interessados (as instituições públicas são poucas) e o sistema de bolsas (Fies, Prouni, etc.), não tem sido eficiente para solucionar completamente o problema.

Racionalizar a questão é essencial. Para que se concretize a harmonia e o equilíbrio nestas relações de consumo (princípios inafastáveis estabelecidos pelo CDC), não se pode mirar apenas nos interesses de um dos lados, pois à parte prejudicada sempre reagirá para amparar seus interesses, tumultuando o setor. Nesta circunstância, o sistema de proteção ao consumidor, composto em especial pelo CDC e por normas específicas como a Lei 9.870/99, abomina o fornecimento de ensino de má-qualidade, não apóia aumentos desembasados e truques para antecipar receitas ou multas aviltadas, não tolera práticas e cláusulas abusivas e não se coaduna com discriminações. Entretanto, também não apóia o inadimplemento contratual das mensalidades e não prega a inviabilização econômica da atividade, pois ela é essencial para a sociedade. Deste modo, a verdadeira proteção do consumidor só se fará quando o Estado participar ativamente do setor (mais universidades públicas para acolher os realmente carentes, melhor regulação do setor e mais incentivos para as escolas privadas, inclusive distribuindo maior número de bolsas sem ter de ser para compensar impostos). E mais, disciplinar-se estas relações, tanto na legislação, como nas decisões judiciais, para o estrito cumprimento dos contratos. De um lado, as instituições privadas não podem se eximir do dever de fornecer ensino de qualidade (com contratos isentos de cláusulas e práticas abusivas) e, de outro, o aluno deve cumprir sua contrapartida e pagar pelo ensino que recebe (a inadimplência momentânea pode ser compreensível e deve ensejar renegociação, já a pura desonestidade não merece tolerância). É relação de consumo, mas, sobretudo, não deixa de ser um contrato comutativo, e inviabilizar o setor não deve interessar a ninguém.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.