A produção e comércio de bebidas alcoólicas e o direito do consumidor

Na mesma época em que fontes oficiais anunciaram a concessão do primeiro financiamento para uma cooperativa dedicada a fabricação de cachaça para exportação, surgiu a notícia de que a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um Projeto de Lei que classificou o vinho como alimento (que segundo informações terá o veto do governador, não se sabendo se a Assembléia irá derrubá-lo). Quanto à cachaça, parte da mídia vem fazendo intenso merchandising de que se trata de um produto genuinamente nacional que é parte de nossa cultura (tentando indiretamente ligá-la/incluí-la ao conjunto de nossos valores sociais), inclusive divulgando estabelecimentos denominados de ?cachaçarias?, com destaque para as freqüentadas por mulheres (até pouco não era tão comum ver-se mulheres preferindo este tipo de bebida). Quanto ao vinho, a crise que passa o setor fez com que a criatividade das pessoas que atuam nesse ramo aproveitasse as pesquisas médicas que indicam que um cálice diário dessa bebida faz bem à saúde (em especial ao coração) e conseguiram que os legisladores estaduais aprovassem o projeto. Naturalmente, estavam na expectativa da publicidade que isto daria para aumentar o consumo e, principalmente, numa reclassificação fiscal para desfrutar de tributação menor (sobre remédios incidem menos impostos que bebidas alcoólicas). Paralelamente a estes fatos, a publicidade de outras bebidas com álcool, principalmente a de cervejas, segue intensa na mídia muito interessada neste faturamento, inclusive com o Governo festejando os recordes de arrecadação de impostos depois que determinou a instalação de medidores de vazão nas cervejarias.

A estes fatos ligados diretamente a interesses basicamente econômicos devem se juntar os problemas decorrentes do excesso de consumo de bebidas alcoólicas, com seus efeitos indiretos sobre a saúde pública (em sentido amplo), desde os deficitários atendimentos do SUS até as faltas ao trabalho e baixa produtividade de quem se embebeda, tudo sem contar as tragédias familiares.

Embora o consumo de bebidas alcoólicas seja uma tradição milenar e praticamente impossível de erradicar por ser socialmente tolerado e estar integrado entre as chamadas drogas lícitas, há uma somatória a ser feita destas conseqüências diretas e indiretas. E isto não só para os consumidores, mas também para todos os que acabam envolvidos neste contexto, como iremos explicar.

Diz o Código de Proteção do Consumidor, em seu art. 6.º, inciso I, que o consumidor tem como direito básico a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos considerados perigosos ou nocivos. No mesmo sentido, o art. 8.º, do mesmo código, diz expressamente que os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição. Note-se que o CDC se refere a ?riscos? (que são basicamente potenciais, tal como ocorre quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) como suficientes para a proibição da fabricação e comercialização, não necessitando que danos estejam, a priori, configurados. Apenas quando os riscos sejam razoáveis considerados os benefícios apresentados pelo produto e exista perfeita informação para que o consumidor possa se prevenir contra eles, é que, ao teor do CDC, o produto deve ser permitido no mercado de consumo. E mais, conforme o art. 17, da mesma norma, os terceiros que possam ser atingidos por estas relações de consumo mal sucedidas (envolvendo consumo de bebida alcoólica) devem ser equiparados a consumidores para efeito de receberem a mesma proteção. Embora possa parecer polêmico e inusitado, tem-se como exemplo a situação em que, por falta de informação no rótulo, alguém que desacostumado a beber e dotado de estrutura física que não seja robusta (frágil), ausentes às informações necessárias, ingira bebida alcoólica não recomendada para ele e venha machucar alguém ao cair devido a tontura resultante do consumo.

Certo é que o consumo moderado de bebida alcoólica pode não acarretar risco ao usuário e nem mesmo riscos indiretos para terceiros. Todavia, esse tênue e indefinido limite entre o beber inofensivo e o beber excessivo, algo que varia segundo as condições físicas de cada pessoa e o tipo de bebida, não é nitidamente esclarecido pela indústria e comércio e nem medido em cada consumidor. Por este fato, chega-se a conclusão que para respeitar devidamente o prescrito no CDC, o ideal é a erradicação completa da publicidade deste tipo de produto e a melhora da qualidade da informação prestada por fabricantes e comerciantes, inclusive utilizando pesquisas que possam estabelecer parâmetros seguros para a condição pessoal de cada consumidor no consumo de bebidas alcoólicas. Além disso, o estabelecimento de severa regulamentação quanto à comercialização e consumo destes produtos, indo além da proibição da venda a quem já está embriagado e estabelecendo restrições como à vedação da comercialização para certas faixas etárias, limitação de horário de consumo, restrições a instalação de cervejarias (como faz a Europa atualmente por conta de evitar poluição), fixação do horário de fechamento (funcionamento) de bares, proibição de venda perto de escolas ou em estabelecimentos comerciais situados em rodovias.

O maior problema, então, consiste primordialmente em obrigar a haver, por parte dos fornecedores, um melhor cumprimento do dever de informação sobre as características do produto e a quantidade especifica que a pessoa (segundo sua idade, hábitos, peso e outros aspectos da condição física) pode consumir sem que venha a sofrer risco ou dano. Se remédios que são mais úteis aos consumidores sofrem restrições de comercialização como exigência de receita médica, tarjas nos produtos e informação sobre efeitos colaterais, porque as bebidas alcoólicas cuja utilidade é menor, não podem merecer severos restrições e cuidados no sentido de proteger a saúde e segurança do consumidor?

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON