A problemática dos direitos dos consumidores em relação aos programas de acúmulo de pontos ou milhagem

Oscar Ivan Prux

Funcionam como um forte atrativo para a escolha do fornecedor e até para o consumo em si, os programas de acúmulo de pontos ou milhagem pelos quais, a fidelidade do consumidor é contemplada com produtos ou serviços (exemplo: aparelhos eletrônicos, passagens aéreas, etc.). Neles, há sempre a promessa de uma lista de vantagens ditas “gratuitas” para os consumidores escolherem assim que acumularem créditos (pontos ou milhas) através de gastos como compra de passagens aéreas com a empresa do programa, aquisição de determinados serviços dela (ou de empresas parceiras) ou gastos em cartão de crédito.

Ocorre, porém, que não são poucas as situações em que o consumidor é lesado pela falta de informação sobre o funcionamento do programa de fidelidade, pela mudança de regras sem que o consumidor seja consultado ou avisado e até mesmo por aspectos mais específicos tais como, saber das passagens ditas gratuitas (para poder aproveitar melhor), quais os critérios de utilização e a disponibilidade de assentos que a companhia reserva em cada vôo para aqueles que pretendem desfrutar daquilo que lhes é prometido nesses programas de fidelização. Portanto, trata-se de uma área na qual se aplica o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas que ainda é carente de uma regulamentação mais específica das Agências Reguladoras encarregadas de reger o funcionamento do setor. Por exemplo: fixando quando e como as empresas podem mudar as regras de seus programas de fidelidade, bem como, as formas pelas quais os consumidores devem ter acesso aos produtos ou serviços que lhe são prometidos sempre que através de seus gastos fidelizados, atinjam as condições estabelecidas no programa. Outro detalhe dos mais problemáticos: no mercado, cada fornecedor, segundo seu exclusivo critério (que não divulga), fixa o prazo de validade para que o consumidor faça uso dos pontos ou milhagem que acumulou. Os prazos são os mais diversos e, em muitos casos, bastante curtos, de modo que logo o consumidor deixa de ter acesso e receber aquele produto ou serviço a que tinha direito por promessa do fornecedor. O mercado e até setores da jurisprudência costumam tratar esses programas como uma liberalidade pela qual o fornecedor dá um bônus para o consumidor, sem que isso integre os fornecimentos que esse último adquiriu. Essa concepção parte de uma lógica equivocada.

Nada no mercado de consumo é gratuito. Se o fornecedor promete dar algo para o consumidor, é porque, direta ou indiretamente, ele foi pago por este último ou por outro consumidor. Nesse contexto, esses programas que servem para atrair ao consumo fidelizado, em razão de serem pagos (mesmo que indiretamente), precisam ensejar condições mínimas para que o consumidor possa usufruir deles normalmente, sem ter de sacrificar seus outros interesses ou ver sumir aquilo que lhe havia sido prometido, inclusive frustrando razões que o induziram ao consumo. Por isso é preciso impor certas condições para esses programas, de modo a afastá-los do engodo de prometer e, ao mesmo tempo, em evidente falta de ética empresarial e boa-fé, antepor consideráveis dificuldades para que o consumidor alcance o que foi prometido. Em especial, entender esses pontos ou milhagens como sendo um crédito devido pelo fornecedor para ser devolvido em favor do consumidor quando esse o solicitar em decorrência do programa de fidelização (funcionando o prazo de validade fixado por este, apenas como última data de vencimento da obrigação). A questão é prometer para efetivamente cumprir, sem tacitamente inviabilizar. Assim, por essa concepção, sabendo-se que dívidas sempre têm um período para serem exigidas judicialmente sob pena de prescrição, muito justo que, nestes casos assemelhados (mesmo com origem em pagamento indireto), respeitando-se o prazo de validade (ou, na ausência deste, contando-se o prazo a partir da aquisição), se aplique esse mesmo prazo (de prescrição de créditos monetários) para a exigência judicial do direito às vantagens prometidas no programa de pontos ou de milhagens. Com isso, em muitas situações, os pontos ou milhas vencerão apenas em cinco anos, tempo suficiente para, caso deseje, o consumidor possa fazer a utilização sem atropelos ou formas tácitas de inviabilização.

Os produtos e serviços prometidos pelas empresas em programas de fidelização (por pontos ou milhagens) não são grátis, mas pagos pelos consumidores, mesmo que indiretamente. Nesse contexto, espera-se que as Agências Reguladoras venham fazer o seu papel de regular esse setor que, atualmente, opera livre para prejuízos aos direitos dos consumidores. E, por derradeiro, que as empresas instituidoras desse tipo de programa sejam obrigadas a se conduzir com ética e boa-fé, sem atrair os consumidores com promessas que depois fazem de tudo para retirar ou tornar tacitamente inexeqüíveis.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Universidade Norte do Paraná Unopar. Diretor do Brasilcon para o Paraná.