Crítica: “Mundo cão”, de Matheus Peleteiro

Há tempos que a favela não é mais a mesma. Os morros já não são os morros de Noel Rosa e os malandros não são mais os malandros de Chico Buarque. As ‘comunidades’ deixaram as marginais culturais e ganharam espaço nas novelas, nos filmes e, claro, na literatura. Mundo cão (Novo Século, 166 págs., R$ 30), de Matheus Peleteiro, é parte desse novo retrato da periferia brasileira, uma combinação pop do prisma cultural que os becos e vielas exalam.

Peleteiro cria um diálogo realista entre Pedro Contino e o mundo voraz que o cerca. As festas, alguma droga, o sexo e as mulheres: tudo isso é usado para compor um cenário aproximado – ainda que o tom ficcional seja claro. A favela Roda Viva está em Salvador, mas poderia ser colocada sem nenhuma anomalia em qualquer metrópole brasileira.

A colcha de retalhos é construída com referências que vão de Nietzsche a Detonautas Roque Clube, uma simbiose pouco provável, mas que funciona com emendas bem feitas. A favela deixa ser um lugar em que predomina o rap e o hip hop, aos menos aos olhos de Pedro, que vai “buscar no asfalto” a sua verdadeira identidade.

O estrangeiro

O amor é algo real e dramático em Mundo cão. Não somente o amor entre Pedro e Joana (ou Carol e algumas outras), mas também o amor pelos livros. Ao descobrir o valor da literatura, o jovem abandona a mediocridade – deixa de ser um sujeito banal. É como o momento em o Meursault de Camus mata o árabe e só então percebe que está vivo.

Aos poucos, Pedro se transforma em um estrangeiro dentro da Roda Viva, um outsider do gueto. Contino  é um anti-herói contemporâneo, destituído da dicotomia comum dos romances e, por isso, tão comum quanto quem lê essa resenha.

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